Acórdão nº 01303/16 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 07 de Março de 2018

Magistrado ResponsávelFRANCISCO ROTHES
Data da Resolução07 de Março de 2018
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Recurso jurisdicional da sentença proferida no processo de impugnação judicial com o n.º 1458/11.8BELRS 1. RELATÓRIO 1.1 A sociedade denominada “A……….., S.A.” (doravante Recorrente ou Impugnante) recorre para o Supremo Tribunal Administrativo da sentença por que o Tribunal Tributário de Lisboa julgou improcedente a impugnação judicial por ela deduzida contra a liquidação de Imposto Municipal sobre Imóveis (IMI) que lhe foi efectuada com referência ao ano de 2004 e a dois prédios que adquiriu para revenda. O acto impugnado decorre de a Autoridade Tributária e Aduaneira (AT) não lhe ter aceitado a possibilidade de beneficiar da exclusão de tributação ao abrigo da alínea e) do n.º 1 do art. 9.º do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI), com o fundamento de que adquiriu os prédios em causa a entidade que já dela havia beneficiado, motivo por que estava impedida de gozar daquele regime, nos termos do n.º 6 do mesmo artigo.

1.2 O recurso foi admitido, para subir imediatamente, nos próprios autos e efeito meramente devolutivo e a Recorrente apresentou as alegações, que resumiu em conclusões do seguinte teor (Porque usamos o itálico nas transcrições, os excertos que estavam em itálico no original surgirão, aqui como adiante, em tipo normal.

): «1. O presente recurso jurisdicional vem interposto da decisão de primeira instância que julgou improcedente a impugnação judicial apresentada pela ora recorrente da liquidação de IMI n.º 2005 406742903, referente ao ano de 2004, relativa aos prédios urbanos inscritos na Matriz sob os artigos 1524 e 1577 da freguesia da Nossa Senhora de Fátima, no montante global a pagar de € 78.397,34.

  1. Em causa, estava o entendimento da Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante somente AT) de que a recorrente não poderia beneficiar da exclusão de tributação de IMI, por ter adquirido os acima identificados prédios a entidade que já dela havia beneficiado, de acordo com o n.º 6 do artigo 9.º do IMI.

  2. Já em sede de recurso hierárquico, a AT reconheceu que o n.º 6 do artigo 9.º do CIMI não seria aplicável; não obstante, a decisão sobre a legalidade da liquidação estaria sempre dependente do recurso hierárquico que a recorrente havia apresentado da decisão de indeferimento do pedido de suspensão da tributação, formulado pela recorrente nos termos da alínea e) do n.º 1 do artigo 9.º do CIMI.

  3. Quanto a esse recurso hierárquico, entendeu a AT – em manifesta contradição com a que proferiu relativamente à liquidação de imposto –, nos seguintes termos: “O art. 31.º do Decreto-Lei n.º 287/2003, de 12 de Novembro, que aprovou o CIMI veio revogar o CCA considerando-se esta substituída pelo IMI para todos os efeitos legais. Todavia, nos termos do n.º 5 do artigo 31.º mantinha-se o regime de suspensão de tributação de que um sujeito passivo se encontrasse a beneficiar em 1 de Dezembro de 2003, data da entrada em vigor do CIMI. Assim, em Dezembro de 2003, a entidade que vendeu o prédio à recorrente encontrava-se a gozar da não sujeição de IMI, razão pela qual a adquirente não pode voltar a beneficiar do mesmo regime”.

  4. A recorrente, na impugnação judicial objecto do presente escrutínio, defendeu que a norma constante do n.º 6 do artigo 9.º do CIMI é uma norma de delimitação negativa de incidência e não de isenção, pelo que fica somente condicionada ao cumprimento, por parte dos respectivos beneficiários, da comunicação a que alude o n.º 4 do mesmo preceito; 6. Invocou igualmente que a decisão do recurso hierárquico é ilegal, porquanto inexiste qualquer prejudicialidade entre a liquidação em crise e o despacho de revogação do alegado benefício fiscal, pois o único acto sindicável é a presente liquidação – algo que a própria AT o admite.

  5. Defendeu, por fim, que a liquidação é ilegal, por violação do princípio constitucional da irretroactividade da lei fiscal, dado que a previsão do n.º 6 do artigo 9.º do CIMI não tinha qualquer paralelo no anterior Código da Contribuição Autárquica, pelo que só se poderá aplicar para o futuro.

  6. O Tribunal de primeira instância, autor da decisão objecto do presente recurso, entendeu, quanto à alegada inexistência de prejudicialidade entre a liquidação de IMI e o despacho de revogação do alegado benefício fiscal, que a AT (não obstante não o tenha referido expressamente) se escudou de apreciar a reclamação, nos termos da alínea a) do n.º 2 do artigo 56.º da LGT (segundo o qual “não existe dever de decisão quando: a) A administração tributária se tiver pronunciado há menos de dois anos sobre pedido do mesmo autor com idênticos objecto e fundamento”) porquanto a matéria em análise já havia sido decidida em sede do recurso hierárquico interposto do despacho que “revogou” o benefício fiscal.

  7. Já no que tange à ilegalidade da liquidação por a norma constante do n.º 6 do artigo 9.º do CIMI ser uma norma de delimitação negativa de incidência, somente condicionada ao cumprimento da comunicação a que alude o n.º 4 do mesmo preceito e por violação do princípio constitucional da irretroactividade da lei fiscal, dado que a previsão do n.º 6 do artigo 9.º do CIMI não tinha qualquer paralelo no anterior Código da Contribuição Autárquica, pelo que só se poderá aplicar para o futuro, considerou o tribunal que o n.º 6 do artigo 9.º do CIMI não tem paralelo com o revogado CCA, consubstanciando uma norma específica anti-abuso. Todavia, para o tribunal a quo, uma vez que o CIMI entrou em vigor no ano de 2003 (mais precisamente em 1 de Dezembro de 2003), a B……. (sociedade a quem a recorrente adquiriu os bens imóveis) beneficiou da “isenção” de IMI para esse ano, e não da “isenção” de contribuição autárquica.

  8. Para o tribunal de primeira instância, então, “a sociedade B………S.A. não só beneficiou da suspensão de tributação em sede de CCA, como beneficiou da suspensão de tributação em sede do CIMI sucessivamente, pelo que, estamos de acordo com a impugnante quando refere que o n.º 6 do art 9.º do CIMI /se aplica às situações em que o adquirente do imóvel o tenha adquirido, após 1 de Dezembro de 2003 a um alienante que já beneficiou da não sujeição em sede de IMI, o que sucede in caso”.

  9. Concluiu, assim, o tribunal a quo que inexiste qualquer violação do princípio da irretroactividade, previsto no artigo 12.º da LGT.

  10. Ora, a recorrente não pode conformar-se com a decisão em apreço, que reputa de ilegal, por errada apreciação e interpretação das normas legais aplicáveis, motivo pelo qual defende a forçosa alteração do seu sentido.

  11. Desde já se refira que não há uma relação de prejudicialidade entre os “recursos” em apreço, na medida em que a exclusão de tributação comunicada pela recorrente não depende de qualquer despacho por parte da AT, significando isto que o mesmo é nulo.

  12. Ou seja, caso a AT entendesse não estarem preenchidos os requisitos legais de que dependia a exclusão de tributação, emitia a correspondente liquidação de imposto, sem necessidade de qualquer acto administrativo de revogação ou cancelamento do suposto benefício fiscal. Daí que, estando perante um acto administrativo [que] manifestamente “inexiste” do ponto de vista legal, não haverá qualquer relação de prejudicialidade entre ambos, dado que o mesmo é inútil.

  13. Não há, portanto, qualquer prejudicialidade entre a liquidação ora em crise e o despacho de “revogação” do suposto “benefício fiscal”, uma vez que o único acto sindicável é, justamente, a presente liquidação.

  14. Mas ainda que essa prejudicialidade existisse, no que não consente (mas que se admitiu por mera cautela), a verdade é que o tribunal a quo, não obstante acompanhar a tese da AT – de não apreciação do recurso por “prejudicialidade” face à decisão de “revogação do benefício fiscal – fez, precisamente, o oposto daquilo que advogou como o “comportamento” acertado da AT.

  15. Se o tribunal a quo, de facto, considera que existe uma relação de prejudicialidade entre ambas as questões, então deveria ter ordenado a suspensão desta impugnação judicial até decisão da acção administrativa especial, que foi apresentada contra o referido indeferimento do Recurso hierárquico do despacho de “revogação do benefício”, que claramente não fez.

  16. Temos, por isso, que a decisão do tribunal de primeira instância não faz qualquer sentido do ponto de vista jurídico, devendo ser revogada.

  17. Por outro lado, andou igualmente mal o tribunal a quo ao aplicar, retroactivamente, o disposto no n.º 6 do artigo 9.º do CIMI à situação em apreço.

  18. Com efeito, o CIMI, como bem refere o tribunal de primeira instância, entrou em vigor em 1 de Dezembro de 2003.

  19. No entanto, o CCA continuou a aplicar-se aos factos tributários ocorridos até à data da entrada em vigor do CIMI, conforme estabelecem, de modo expresso, o n.º 5 do artigo 31.º e n.º 1 do artigo 32.º do Decreto-Lei n.º 287/2003, de 12 de Novembro.

  20. Ou seja, à data da aquisição dos imóveis pela sociedade B………, vigorava o Código da Contribuição Autárquica (CCA), código esse que não previa a proibição de não sujeições sucessivas de Contribuição Autárquica.

  21. Ao contrário do que sustenta o tribunal de primeira instância, a B………. não beneficiou de uma exclusão de tributação em sede de IMI e ao abrigo do novo CIMI –, mas sim de uma exclusão de tributação em sede de Contribuição Autárquica.

  22. Não é, com efeito, verdade que a Recorrente haja beneficiado de uma suspensão da tributação em IMI em 2003, na medida em que não há qualquer facto tributário em sede deste imposto que tenha ficado suspenso ou impedido em 2003; em 2003, não se verificou qualquer condição resolutiva dos efeitos do facto negativo ocorrido em 2001 (o registo do imóvel em inventário) na esfera da B…….., e, por conseguinte não foram destruídos retroactivamente os efeitos desse facto (tal como previsto no n.º 2 do artigo 10.º do CCA).

  23. Repare-se que a lei, ao estipular que o imposto é devido apenas a partir do “terceiro ano que…” determina que a obrigação de imposto – inverificada quaisquer condição resolutiva – só surge após transcorridos esses três...

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