Acórdão nº 01089/16 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 15 de Março de 2018

Magistrado ResponsávelCARLOS CARVALHO
Data da Resolução15 de Março de 2018
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo: RELATÓRIO 1.

A………… e B………………, devidamente identificados nos autos, instauraram no Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga [doravante «TAF/B»] a presente ação administrativa comum, sob forma ordinária, contra o “ESTADO PORTUGUÊS”, para efetivação de responsabilidade civil extracontratual, peticionando, pela motivação inserta na petição inicial, a condenação deste no pagamento aos AA. da quantia de 44.773,71 € por danos patrimoniais e não patrimoniais sofridos, acrescida dos respetivos juros à taxa legal, contados desde a data da citação para a presente ação e até à data do trânsito em julgado da sentença que venha a ser proferida, acrescidos de 5% a partir dessa data e até ao efetivo e integral pagamento [arts. 804.º, 806.º e 829.º-A, n.º 4, do CC].

  1. O TAF/B, por sentença de 28.06.2013 [cfr. fls. 417/437 - paginação processo suporte físico tal como as referências posteriores a paginação salvo expressa indicação em contrário], julgou a ação totalmente improcedente e, em consequência, absolveu o R. do pedido.

  2. Os AA., inconformados recorreram para o TCA Norte [doravante «TCA/N»], o qual através de acórdão de 08.04.2016 [cfr. fls. 554/577], decidiu «conceder provimento ao recurso e revogar a sentença» e «julgar, em substituição, a ação parcialmente procedente e condenar o Réu a pagar aos Autores uma indemnização por danos patrimoniais no valor global de € 10.925.86 (dez mil, novecentos e vinte e cinco euros e oitenta e seis cêntimos), acrescida de juros de mora à taxa legal desde o trânsito em julgado desta decisão até efetivo pagamento», julgando «a ação improcedente no demais peticionado, absolvendo o Réu nessa medida».

  3. Invocando o disposto no art. 150.º do CPTA os mesmos AA., de novo inconformados agora com o acórdão proferido pelo «TCA/N», interpuseram, então, o presente recurso jurisdicional de revista [cfr. fls. 584/604], apresentando o seguinte quadro conclusivo que se reproduz: «...

    1. DA CONTAGEM DOS JUROS DE MORA: F) O acórdão recorrido, ao decretar que os juros de mora que incidem sobre os danos patrimoniais só são devidos após o trânsito em julgado da sentença, procedeu a uma errónea determinação do termo inicial da respetiva contagem, violando assim o disposto nos arts. 804.º, 805.º (designadamente a alínea b. do seu n.º 2, bem como o seu n.º 3) e 806.º, todos do Cód. Civil, que impõem que os juros de mora se devem contar a partir da citação, tal como foi, aliás, expressamente pedido pelos Autores na sua p.i..

    2. DOS DANOS NÃO PATRIMONIAIS: G) Relativamente a esta questão, o Tribunal “a quo” limitou-se a analisar a questão dos danos não patrimoniais sob o prisma do dano de privação de uso, desvalorizando o sofrimento, frustração e sentimento de injustiça sofridos pelos Autores à questão dos meros incómodos inerentes ao mero impedimento de usufruir do seu veículo durante 529 dias. No entanto, entendem os AA. que essa interpretação é demasiado redutora, não tendo em conta a real gravidade do sucedido e resultante dos Factos Provados.

    3. Aliás, para chegar a essa conclusão (desvalorização dos danos morais sofridos pelos Autores) o douto acórdão recorrido fundamenta-se mais nos factos não provados do que nos factos provados, procedimento esse que parece ter inquinado todo o raciocínio. Desde logo, o facto de alguns desses factos terem sido declarados não provados não significa que não tenham ocorrido, apenas que não se provaram. Por esse motivo, entendemos que o Tribunal “a quo” poderia ter dado maior atenção aos Factos Provados e menos aos Factos Não Provados para fundamentar a sua posição sobre essa matéria.

    4. Os Autores consideram que uma análise global e contextualizada dos Factos Provados não permite reduzir a questão dos danos morais por eles sofridos apenas aos incómodos resultantes da privação do uso do veículo, como considerou o acórdão recorrido, não atendendo assim a toda a factualidade relevante para a sua apreciação. Com efeito, verificamos que os danos não patrimoniais sofridos pelos Autores resultam de uma conduta manifestamente ilegal do Estado que permitiu/impôs o desapossamento/”expropriação” forçado (com recurso a meios policiais de grande visibilidade, como carro patrulha, agentes fardados e armados) de um bem propriedade de cidadãos portugueses, contra a vontade destes e sem que estes se pudessem defender ou sequer tomar antecipadamente conhecimento do que se estava a passar, sujeitando-os à frustração/sentimento de injustiça de não poderem usufruir do seu veículo, mas acima de tudo de verem o mesmo ser usufruído por um terceiro contra a sua vontade, tendo pelo meio ficado sujeitos à chacota de terceiros (chegaram a tentar marcar de modo jocoso um exame pericial ao veículo; obviamente que este cenário é substancialmente diferente do cenário (para pior e mais grave) descrito pelo douto acórdão recorrido quando se pronuncia sobre a questão dos danos morais sofridos pelos Autores. No entanto, é aquele que resulta dos referidos Factos Provados constantes do douto acórdão recorrido, motivo pelo qual não se pode concordar com a decisão de julgar improcedente o pedido no capítulo dos danos morais.

    5. Deste modo, o acórdão recorrido errou quando, atento os factos provados, considerou que os danos morais/não patrimoniais sofridos pelo AA. são episódicos e destituídos de gravidade merecedora de enquadramento no instituto do artigo 496.º do CC. Sucede que, como resulta dos Factos Provados 8 a 16, 23 a 32, 36 a 40, 58 a 62 e 66 a 70 constantes do acórdão recorrido, a situação foi bastante mais grave do que a mera privação do uso do seu veículo, ao contrário do que considerou o acórdão recorrido, violando o disposto no art. 496.º do Código Civil.

    6. Os danos morais resultantes dessa factualidade, pela sua gravidade e consequências, merecem a tutela do direito nos termos do art. 496.º do Código Civil, pelo que o pedido deduzido pelos Autores a esse título deve ser julgado procedente.

    7. DO DESGASTE ADICIONAL DO VEÍCULO DECORRENTE DA SUA UTILIZAÇÃO ILEGAL: L) Os Autores entendem que o dano de privação de uso (prejuízo decorrente do impedimento de usufruir do veículo) é diferente e autónomo do dano inerente a ver o seu veículo utilizado e usufruído por terceiro, contra a vontade dos seus legítimos proprietários, durante 529 dias em que foram percorridos 35.141km. Não se trata apenas da mera desvalorização natural do veículo pelo decurso do tempo (sendo certo que nem essa lhe foi atribuída pelo Tribunal “a quo”), mas a ela acresce a sua utilização e desgaste intensos durante esse mesmo período, sempre contra a vontade dos seus proprietários.

    8. Mesmo que o Tribunal não concorde com o critério utilizado pelos Autores para cálculo da indemnização deste dano, sempre teria a obrigação de, na equidade, encontrar outro que considerasse mais justo e adequado.

      Saliente-se que na escolha desse critério deve-se ter em conta que o valor do veículo em causa ascendia a, pelo menos, EUR 10.000,00 conforme resulta do auto de penhora junto aos autos pelo Serviço de Finanças de Felgueiras a 01/10/2012, a fls. ... dos autos e não os EUR 5.700,00 (valor da venda coerciva da AF) a que o Acórdão recorrido faz referência.

    9. Ao contrário do que defende o Tribunal “a quo”, não se pode pura e simplesmente considerar que esse desgaste adicional não existiu ou que se trata de um desgaste “normal”. E mesmo que se considere “normal” tem de ser indemnizado esse prejuízo adicional e autónomo da simples privação do uso. Constituindo danos patrimoniais autónomos e independentes, devem também ser autonomamente indemnizados.

    10. O mesmo se diga, aliás, das despesas com revisões, pneus, IMV, bem como as despesas inerentes à reparação do veículo após a sua entrega. Todas elas constituem prejuízos indemnizáveis. Mas com a exceção do ar condicionado, o Tribunal “a quo”, erradamente, considerou os mesmos “desgaste normal”, logo sem direito a indemnização. No entanto, como se disse supra, mesmo considerando-se desgaste normal, não faz qualquer sentido que não sejam danos indemnizáveis pois, em consequência direta e necessária da conduta dos Réus, os Autores não puderam beneficiar das manutenções, reparações e melhoramentos por si efetuados. Consequentemente, têm direito a ser ressarcidos dos investimentos realizados no seu veículo até essa data, em montante não inferior a EUR 1.128,87 (mil cento e vinte e oito euros e oitenta e sete cêntimos), calculado do seguinte modo: EUR 777,20 + EUR 319,29 + EUR 32,38 = EUR 1.128,87.

    11. Por outro lado, resulta ainda do Facto Provado 54 e 55 que, pouco tempo depois de o veículo lhes ter sido devolvido, mais concretamente em 22/01/2009, os Autores ordenaram à firma C……….., Lda. (………….) que procedesse a uma vistoria ao veículo em causa, tendo sido detetadas diversas anomalias que implicaram reparações e afinamentos melhores descritos nos docs. 22 a 24, para o que despenderam o montante global de EUR 1.013,75 (mil e treze euros e setenta e cinco cêntimos). Despesas essas que os Autores não teriam se não fosse a conduta dos Réus, pelo que têm o direito de ser ressarcidos desses montantes por eles despendidos em consequência da conduta do Réu.

    12. Deste modo, o acórdão recorrido errou quando entendeu que o desgaste do veículo decorrente da utilização ilegal a que foi sujeito (35.141 km em 529 dias) contra a vontade dos seus proprietários não deve ser contemplado autonomamente do dano de privação de uso. Os Autores entendem que o dano de privação de uso (prejuízo decorrente do impedimento de usufruir do veículo) é diferente e autónomo do dano inerente a ver o seu veículo utilizado e usufruído por terceiro, contra a vontade dos seus legítimos proprietários, durante 529 dias em que foram percorridos 35.141 km. Constituindo danos patrimoniais autónomos e independentes, devem também ser autonomamente indemnizados …».

  4. Devidamente notificado o R., aqui ora recorrido, veio produzir contra-alegações...

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