Acórdão nº 0208/17 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 22 de Março de 2018

Magistrado ResponsávelARAG
Data da Resolução22 de Março de 2018
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam os juízes da secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo: A FAZENDA PÚBLICA, inconformada, interpôs recurso da decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto (TAF do Porto) datada de 23 de Novembro de 2016, que, julgou procedente a Impugnação Judicial deduzida por A…………, SA, onde peticionava a anulação do acto de liquidação de IRC n° 2013 8310000107, relativo ao exercício de 2009, bem como os actos de liquidação de juros compensatórios n.º 2013 00000004976, n.º 2013 00000004977 e n.º 2013 00000004978, com todas as consequências legais.

Alegou, tendo apresentado conclusões, como se segue:

  1. O presente recurso tem por questão central saber se os encargos financeiros suportados pela A…………, no exercício de 2009, na sequência de uma operação de fusão inversa poderiam ou não ser considerados fiscalmente na determinação do lucro tributável daquele exercício.

  2. De facto, entende a Fazenda Pública, salvo o devido respeito por posição contrária, que, nesta matéria, a douta sentença enferma de vício de violação de lei, por erro sobre os pressupostos de direito, na medida em que efetuou um errado enquadramento da matéria em questão ao julgar a impugnação procedente.

  3. Por outro lado, versa ainda o presente recurso sobre o segmento decisório que determinou o indeferimento do pedido de dispensa do remanescente da taxa de justiça, a que alude o artigo 6°, n° 7 do RCP, formulado pela Fazenda Pública, com o qual discordamos, por afrontar os princípios constitucionais da proporcionalidade e da igualdade.

  4. Com efeito, e quanto ao primeiro ponto da matéria aqui controvertida, a Mmo. Juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto concluiu, por um lado, na sua douta sentença, que "o momento temporal para aferir da admissibilidade dos custos para efeitos tributários deve ser determinado pelo instante em que estes são gerados e não pelo momento em são suportados no sentido de que se vencem ou são pagos" (cf. pág. 46 da referida sentença), e que, por outro lado, e) "tendo a sociedade incorporada o direito a revelar tributariamente os gastos na sua matéria tributável, em sede de IRC, esse direito persiste, pela fusão, ope legis, na esfera jurídica da incorporante" (cf. pág. 46).

  5. E que, "Entendimento diverso redundaria na violação do princípio comunitário da neutralidade fiscal das fusões". (cf. pág. 47).

  6. Assim, determinou o Tribunal ad quo que as correções efetuadas pela IT são ilegais, por violarem o disposto no artigo 23° do CIRC, julgando, em conformidade, a impugnação totalmente procedente, com a consequente anulação da liquidação adicional de IRC relativa ao ano de 2009 e, bem assim, a liquidação de juros compensatórios.

  7. Ora, entende a Fazenda Pública que tal decisão enferma de erro de julgamento, por errada consideração ou análise da matéria em questão.

  8. Pese embora o acedo da argumentação, em termos abstratos, o facto é que a mesma falha o alvo no que concerne ao presente processo de impugnação.

  9. Com efeito, não estamos, nos presentes autos, perante uma fusão comum ou direta, como entende a Mmo. Juiz na douta apreciação que fez, mas ante uma fusão inversa, o que acarreta uma alteração dos pressupostos e dos efeitos.

  10. Na realidade, no âmbito da presente impugnação, estão em causa os encargos de financiamento contraídos para a aquisição das ações representativas do capital social duma sociedade que incorporou, por fusão, aqueloutra que a detinha e que entretanto se extinguiu, passando os seus acionistas a ser os novos acionistas da sociedade incorporante (beneficiária).

    I) Este tipo específico de fusão, denominada de fusão inversa, é uma operação financeira através da qual os acionistas transferem os encargos incorridos e suportados com a aquisição duma sociedade para ela própria, em vez de serem eles, enquanto titulares das ações representativas do capital social dessa sociedade, e portanto, seus proprietários, a assumir tais encargos.

  11. No entendimento da Impugnante, após a fusão inversa, estes mencionados encargos devem ser considerados para efeitos do apuramento do lucro tributável na esfera da sociedade incorporante (beneficiária); ao invés, a AT advoga, e bem, que tais encargos não podem figurar como componentes negativas do lucro tributável da sociedade beneficiária da fusão, em virtude de não serem indispensáveis para a obtenção de rendimentos tributáveis na esfera desta, nem tão-pouco para a manutenção da sua fonte produtora, que é condição necessária e essencial para efeitos da sua aceitação em sede fiscal, nos termos do artigo 23° do ClRC.

  12. Na verdade, ao abrigo do artigo 23° do CIRC, as despesas e encargos suportados pela sociedade somente são aceites como custos fiscais na medida em que se mostrem necessários e indispensáveis para a obtenção dos rendimentos sujeitos a tributação na sua esfera, o) E demonstrando-se que, por inerência, apenas os elementos patrimoniais que reúnem as condições para se qualificarem como elementos do Ativo na contabilidade e se encontrem afetos à exploração, são aptos de gerarem rendimentos suscetíveis de tributação na sua esfera, p) Resultará, inevitavelmente, da conjugação das duas condições anteriormente descritas, que as despesas e encargos suportados pela sociedade só poderão aceitar-se para efeitos fiscais quando se comprove a sua ligação a algum desses elementos qualificados como Ativo na contabilidade e afetos à exploração, uma vez que, conforme referido, apenas esses elementos são suscetíveis de gerar proveitos tributados na sua esfera jurídico-tributária.

  13. Ora, no caso em presença, verificamos que os encargos financeiros que antes da realização da fusão inversa eram suportados pela sociedade fundida para aquisição de elementos do seu Ativo (as ações representativas do capital social da sociedade beneficiária), não apresentam, após a realização dessa operação, agora na esfera da sociedade beneficiária, a ligação a quaisquer elementos afetos à exploração com a natureza de Ativo.

  14. Conclui-se, assim, que tais encargos financeiros não podem ter contribuído - é manifestamente impossível poderem ter contribuído! - para a obtenção de quaisquer proveitos tributáveis na sociedade beneficiária da fusão, não sendo, por isso, elegíveis como componentes negativas do lucro tributável apurado na sua esfera.

  15. De facto, enquanto o interesse da sociedade se concentra no desempenho dos elementos patrimoniais do Ativo de que esta é titular, geradores de proveitos e custos na sua esfera económica e fiscal, já o interesse dos sócios/acionistas reside na Situação Líquida (Capital Próprio) da própria sociedade, após cada "performance", que lhes trará, a eles sócios/acionistas, a remuneração (lucros distribuídos) pelo capital investido (Capital Social), sendo esse interesse tanto maior quanto maior for o valor desse capital de que cada um é titular.

  16. Em face do exposto, não se nos afigura que o interesse da sociedade se confunda com o interesse dos seus sócios/acionistas, porquanto, se a esfera da sociedade é jurídica, económica e fiscalmente autónoma da esfera dos seus sócios/acionistas, os respetivos interesses subjacentes também se hão-de autonomizar, diferenciando-se claramente dos interesses daqueloutros.

  17. Ora, a correção impugnada, concretiza-se na esfera da sociedade, pelo que importa aferir, na perspetiva fiscal, quais os elementos suscetíveis de gerarem rendimentos económicos (proveitos/ganhos/réditos) sujeitos a tributação na esfera da sociedade, uma vez que apenas os custos associados a esses rendimentos poderão ser admitidos fiscalmente, nos termos do artigo 23° do ClRC.

  18. Assim, sobrevindo uma operação de fusão de duas sociedades, uma delas extingue-se (sociedade fundida) e é incorporada na outra (sociedade beneficiária), pelo que, de acordo com os princípios conformadores da operação em presença, em resultado da mencionada incorporação, o Ativo e o Passivo da sociedade fundida passam para o respetivo Ativo e Passivo da sociedade beneficiária, porém, isso não acontece quanto às ações representativas do capital social da sociedade beneficiária que sejam detidas pela sociedade fundida/extinta.

  19. Nesta situação particular, denominada de fusão inversa, essas ações não são coligidas no Ativo da sociedade beneficiária porque representam o Capital Social dela própria devendo, pois, em conformidade com a sua natureza, figurar como elemento do Capital Próprio e não como elemento do Ativo.

  20. Efetivamente, tais ações, que antes da fusão pertenciam à sociedade fundida/extinta, são "distribuídas" aos seus anteriores acionistas, os quais, por superveniência da fusão, passam agora a ser os novos acionistas da sociedade beneficiária.

  21. Por via da fusão inversa, as ações que antes pertenciam à sociedade fundida (extinta) e que, por isso, integravam o seu Ativo, "deslocam-se" para a titularidade dos seus acionistas (porque os acionistas da sociedade fundida/extinta são agora os acionistas da sociedade beneficiária), e não para a titularidade da sociedade beneficiária (o que sucederia se fossem evidenciadas no seu Ativo).

  22. Por conseguinte, e, desde logo porque não integram o património Ativo da sociedade beneficiária, a suscetibilidade das referidas ações gerarem rendimentos económicos sujeitos a tributação na esfera da sociedade é notoriamente inexequível.

    a

  23. Pelo que, sustentado, como tem de ser, nos pressupostos jurídico-tributários subjacentes à determinação do lucro tributável, dúvidas parecem não subsistir de que, as despesas e/ou encargos suportados com a sua aquisição e/ou manutenção não são, também, suscetíveis de aceitação em sede fiscal na esfera dessa sociedade.

    bb) Doutro modo, ficariam comprometidos os pressupostos erigidos pelo legislador no procedimento de determinação do lucro tributável, prejudicando designadamente o princípio do balanceamento entre os custos e proveitos, em afronta direta a um dos postulados fundamentais do sistema fiscal português que conforma obrigatoriamente, na mesma esfera tributária, os...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT