Acórdão nº 01480/17 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 07 de Fevereiro de 2018
Magistrado Responsável | FRANCISCO ROTHES |
Data da Resolução | 07 de Fevereiro de 2018 |
Emissor | Supremo Tribunal Administrativo (Portugal) |
Recurso jurisdicional da decisão proferida no processo de reclamação de actos do órgão de execução fiscal com o n.º 1006/17.6BESNT 1. RELATÓRIO 1.1 O condomínio do prédio urbano denominado “A…………” (adiante Executado, Reclamante ou Recorrente), invocando o n.º 5 do art. 280.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), recorre para o Supremo Tribunal Administrativo da sentença por que foi julgada improcedente a reclamação por ele deduzida, enquanto executado, ao abrigo do art. 276.º e segs. do mesmo Código, contra o despacho por que o Serviço de Execuções Fiscais da Câmara Municipal de Cascais lhe indeferiu o pedido de dispensa de prestação de garantia, formulado em ordem a suspender o processo executivo após ter deduzido oposição.
1.2 Com o requerimento de interposição do recurso apresentou a respectiva motivação, que resumiu em conclusões do seguinte teor (Porque usamos o itálico nas transcrições, os excertos que estavam em itálico no original surgirão, aqui como adiante, em tipo normal.
): «1.º A redacção do n.º 4 do art. 52.º da LGT foi alterada, com efeitos contados a partir do dia 1 de Janeiro de 2017, pela Lei n.º 42/2016, de 28 de Dezembro, tendo, a partir de então, deixado de ser requisito ou pressuposto da isenção da prestação de garantia que “a insuficiência ou inexistência de bens não seja da responsabilidade do interessado.” 2.º O requisito impeditivo do direito do executado, criado pela Lei n.º 42/2016, de “desde que não existam fortes indícios de que a insuficiência ou inexistência de bens se deveu a actuação dolosa do interessado”, é, nos termos do n.º 2 do art. 342.º do Cód. Civil, de alegação e prova da Administração Tributária.
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Não havendo, nos termos do art. 344.º do Cód. Civil, lugar a inversão do ónus de prova.
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É, nos termos do art. 9.º do Cód. Civil, contrário à letra e ao espírito da lei a interpretação do requisito “desde que não existam fortes indícios de que a insuficiência ou inexistência de bens se deveu a actuação dolosa do interessado”, como significando “essa insuficiência ou inexistência de bens não seja imputável ao executado”.
Sem prescindir, 5.º O Executado, no requerimento inicial alegou que não possui bens e também não tem rendimentos que lhe permitissem garantir o pagamento da quantia exequenda e seus acrescimentos e, para sua prova, juntou documentos e requereu a produção de prova testemunhal, tendo, para o efeito, arrolado três testemunhas.
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Efectivamente, a prova de falta de bens e ou rendimentos não é feita exclusivamente por via documental, podendo ser feita através de testemunhas, como, aliás, o estabelecem os Acórdãos fundamento, o Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, de 03.10.2013, in Processo 06939/13 da Secção: CT - 2.º Juízo e o Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, de 19.02.2013, in Processo 06372/13 da Secção: CT - 2.º Juízo.
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Não obstante, nos termos do art. 170.º, n.º 3, do C.P.P.T., o pedido de dispensa da prestação de garantia dever ser instruído com a prova documental necessária, mas esta exigência de instrução do pedido com prova documental não pode ter o alcance de restringir os meios de prova à documental.
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Desde logo, porque no procedimento e processo judicial tributário, quando se estabelecem limitações probatórias (as quais revestem carácter excepcional, como se infere do art. 72.º, da L.G.T., e dos arts. 50.º e 115.º, n.º 1, do C.P.P.T.), o legislador utiliza uma referência explícita nesse sentido (cfr. arts. 146.º B, n.º 3, 204.º, n.º 1, al. i), e 246.º, todos do C.P.P.T.), contrariamente ao que se verifica na norma em causa.
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Depois, em todo o caso, a entender-se que se pretendeu restringir aquela referência à exigência de prova documental como obstando à possibilidade de apresentação de outros meios de prova, essa restrição deve considerar-se materialmente inconstitucional, nos casos, como é a situação dos autos, em que outros meios probatórios se revelem imprescindíveis para a demonstração do direito invocado pelo requerente da dispensa, visto que violadora do direito de acesso aos Tribunais e a um processo equitativo, consagrados no art. 20.º, da C. R. Portuguesa, tal como dos princípios da proporcionalidade e da tutela judicial efectiva (cfr. arts. 13.º e 18.º, do C. R. Portuguesa).
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De modo que, ao não ter sido ordenada a produção de prova testemunhal requerida no requerimento inicial de dispensa de prestação de garantia, foram, assim, também violados o regime previsto nos arts. 114.º, 115.º, n.º 1, e 170.º, n.º 3, do C.P.P.T., tal como o princípio da investigação vigente no processo judicial tributário consagrado nos arts. 99.º, da L.G.T., e 13.º, do C.P.P.T.
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Ao assim não ter sido entendido, a sentença recorrida violou, designadamente, as disposições legais citadas nesta alegação e conclusões.
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Deve, em consequência, a sentença recorrida ser revogada e substituída por Douto Acórdão que admita a prova testemunhal e ordene a sua produção, com o consequente deferimento do pedido de isenção de prestação de garantia».
1.3 O recurso foi admitido a subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito suspensivo.
1.4 O Município de Cascais apresentou contra-alegações, que rematou com conclusões do seguinte teor: «1.º De acordo com o disposto do n.º 2 do artigo 52.º da LGT, o legislador pretende acentuadamente colocar o foco nas violações do dever de lealdade, o que compreende dado o superior valor das condutas desviantes, que o consubstanciam, pois incumbe ao requerente a alegação e prova dos requisitos de insuficiência de bens e/ou prejuízo irreparável e a prova do mesmo, não nos parece que tenha sido retirado o ónus de prova ao requerente, aqui recorrente, pois quem alega um facto deve prová-lo (n.º 1 do artigo 74.º da LGT).
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No nosso entender, a sentença recorrida, materializou uma boa interpretação do disposto do n.º 2 do artigo 52.º da LGT, ora a título de exemplo, aceitar pedidos de isenção de garantia, por mera actuação negligente do executado, e não aceitá-los caso fossem estes de actuação dolosa, pois o executado sabe qual a sua responsabilidade e não respeitando as regras de boa gestão empresarial e deveres profissionais exigidos por lei, alegando insuficiência de bens e/ou prejuízo irreparável, não lhe garante automaticamente a respectiva isenção. Assim, a intenção do legislador, como se depreende do n.º 4 do artigo 52.º da LGT e artigo 13.º do CPPT, foi a de evitar uma situação de benefício do infractor.
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Aliás no âmbito da sentença, a Meritíssima Juíza [( Permitimo-nos salientar que quem proferiu a sentença foi um juiz, não uma juíza.
)] [do Tribunal] a quo fez valer da jurisprudência existente, que não afecta, de maneira nenhuma, o espírito do legislador no sentido de impedir uma situação que beneficiasse infractores.
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A responsável pelo Serviço de Execuções Fiscais decidiu, por despacho em 11 de Maio de 2017, que o teor da reclamação do órgão de execução fiscal não contém matéria de facto passível de produção de prova testemunhal, porquanto o executado funda a respectiva pretensão em conclusões jurídicas decorrentes do regime jurídico da propriedade horizontal, acrescida com a “liberdade de, em cada caso concreto, decidir se tal meio de prova é ou não necessário à decisão do incidente, devendo fundamentar sempre a sua decisão.” - Acórdão do STA proferido no processo n.º 096/14, de 19 de Fevereiro de 2014.
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Igualmente, o recorrente não apresentou qualquer documento comprovativo dos rendimentos disponíveis, nem concretizou as razões que indiciam a probabilidade de a prestação de garantia acarretar para o executado um prejuízo irreparável ou manifesta falta de meios económicos.
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O executado não forneceu ao órgão da execução fiscal quaisquer elementos demonstrativos dos valores disponíveis para fazer face às despesas do condomínio. Ora, nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 74.º da LGT, o ónus da prova dos factos constitutivos de direitos recai sobre quem os invoque, sob pena de improcedência dos mesmos.
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No caso em apreço, trata-se de valores pecuniários e foi entendimento do órgão de execução fiscal que esses valores se provam com elementos contabilísticos.
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Apesar de a jurisprudência admitir que a prova de factos negativos terá de ser menos exigente, considerou-se que a prova testemunhal não é, por si, apta a alcançar o fim visado pelo executado, porquanto não existe matéria passível de prova por este meio – a matéria de facto alegada, por se prender directamente com a (in)capacidade financeira do executado, só poderá ser provada através de documentos.
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Relativamente aos Acórdãos invocados pelo recorrente, parece-nos pelo teor dos mesmos, que os meios de prova documentais não foram suficientes para o órgão de execução fiscal decidir sobre a isenção da garantia, ao contrário dos presentes autos, em que os factos alegados nada comprovam sobre a situação financeira para alegar a insuficiência de bens e/ou prejuízo irreparável, pois a mera prova testemunhal não é garantia da validade de isenção da prestação da garantia.
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No presente teor do recurso, o recorrente faz menção da existência do fundo comum de reserva, que até ao presente momento, nunca foi referido nos autos.
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Assim, parece-nos que o recorrente não revela todos os factos da sua situação financeira, tendo o mesmo omitido a sua existência no processo de reclamação ao órgão de execução fiscal, revelando actualmente neste recurso.
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Pelo que a douta decisão recorrida não enferma de qualquer nulidade, contradição, nem viola quaisquer disposições legais aplicáveis.
Nestes termos, deve ser negado provimento ao presente recurso, confirmando a decisão recorrida, assim se fazendo a sempre acostumada Justiça».
1.5 Recebidos os autos neste...
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