Acórdão nº 674/02.8TJVNF.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 15 de Dezembro de 2009

Magistrado ResponsávelSANTOS BERNARDINO
Data da Resolução15 de Dezembro de 2009
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

S Privacidade: 1 Meio Processual: REVISTA Decisão: NEGADA A REVISTA Sumário : 1 – A excepção de não cumprimento do contrato é a faculdade que, nos contratos bilaterais, cada uma das partes tem de recusar a sua prestação enquanto a outra não realizar ou não oferecer a realização simultânea da sua contraprestação.

2 – É uma verdadeira excepção, uma forma de defesa (indirecta) do devedor-credor, em que este invoca factos impeditivos, modificativos ou extintivos do direito do credor-devedor.

3 – Como meio de defesa que é, deve a exceptio ser invocada pela parte a quem aproveita, que com ela visa paralisar temporariamente a pretensão da contraparte.

4 – A empreitada é um contrato bilateral, do qual emergem obrigações recíprocas e interdependentes para ambas as partes: a obrigação de realizar uma obra tem como contrapartida a obrigação de pagar o preço.

5 – Num contrato de empreitada, a invocação da exceptio pelo dono da obra a quem é pedido o pagamento do preço, e que invoca o cumprimento defeituoso da obrigação do empreiteiro, é independente do pedido de eliminação dos defeitos por aquele formulado em reconvenção, e o seu conhecimento (da excepção) deve, na economia da sentença, preceder o conhecimento sobre a excepção de caducidade do mencionado pedido reconvencional.

6 – O cumprimento defeituoso constitui um tipo de não cumprimento das obrigações, e são-lhe aplicáveis as regras gerais da responsabilidade contratual; daí que, no contrato de empreitada, o recurso ao instituto da excepção do não cumprimento do contrato seja admissível em caso de prestação imperfeita ou defeituosa (exceptio non rite adimpleti contractus).

7 – A exceptio non rite adimpleti contractus só pode ser exercida pelo dono da obra se este tiver já, junto do empreiteiro, denunciado os defeitos da obra e exigido a sua eliminação.

8 – Nos casos em que, por inverificados os seus pressupostos, não é legítimo exercer a exceptio, o retardamento do excipiens no cumprimento da sua prestação fá-lo incorrer em mora, nos termos gerais (art. 804º e ss. do CC).

Decisão Texto Integral: Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: 1.

AA – Construção, L.da intentou, em 11.09.2002, no 3º Juízo Cível da comarca de Vila Nova de Famalicão, contra BB e mulher CC, a presente acção com processo ordinário, pedindo a condenação dos réus a) a reconhecerem que não cumpriram o contrato de empreitada e o seu aditamento que com ela firmaram, e b) a pagarem-lhe a quantia de € 19.206,71, acrescida dos juros que entretanto se vencerem, contados sobre o capital inicial em dívida de € 13.617,18, à taxa legal permitida para as operações comerciais, até integral e efectivo pagamento.

Fundou a sua pretensão no incumprimento, pelos demandados, de um contrato de empreitada que com ela celebraram em 14.06.96, e no respectivo aditamento, formalizado em 09.02.98, respeitantes à construção de uma habitação para aqueles, de que os réus não pagaram a totalidade do preço acordado.

Os réus contestaram e deduziram reconvenção, alegando que alguns meses depois de concluída a obra constataram a existência de vícios na construção, e que a autora prometeu eliminar, não o tendo, porém, feito, pelo que lhes assiste o direito de recusar o pagamento das quantias ainda em dívida até que a autora elimine tais defeitos. E pediram a condenação da autora/reconvinda a - eliminar, por si e à sua custa, os defeitos que especificaram, no prazo razoável de quatro meses ou noutro que venha a ser fixado pelo Tribunal; - eliminar, por si e à sua custa, os defeitos que vierem a detectar-se no seguimento da antecedente reparação; e - indemnizar os reconvintes pelos prejuízos que a eliminação dos defeitos lhes causa, resultantes da retoma pela reconvinda do prédio em causa (habitação e comércio), a liquidar em execução de sentença.

Subsidiariamente, caso não sejam eliminados os defeitos no prazo aludido, pediram a condenação da reconvinda a ver reduzido o preço da empreitada no montante de € 15.000,00.

A autora replicou, defendendo, em síntese, que os réus receberam a obra e não lhe apontaram qualquer defeito, e nem posteriormente, até ao presente, o fizeram, nem ela, autora, alguma vez reconheceu a existência de defeitos na obra por si realizada. De todo o modo, sempre teria caducado o direito dos réus a verem eliminados os defeitos ou a reclamarem indemnização.

Com a tréplica dos réus seguiu o processo a sua legal tramitação, sendo que, no despacho saneador foi relegado para final o conhecimento da arguida excepção de caducidade, operando-se, do mesmo passo, a fixação da matéria de facto (factos assentes e base instrutória) com interesse para a decisão da causa.

Vieram ainda os réus apresentar articulado superveniente, alegando novos defeitos, entretanto detectados, a que ligaram os mesmos efeitos e as mesmas pretensões afirmados na sua contestação-reconvenção – articulado a que a autora respondeu, sustentando a sua inadmissibilidade.

O Ex.mo Juiz proferiu despacho de rejeição do articulado, que houve por intempestivamente apresentado, tendo os réus interposto recurso de agravo desta decisão, o qual foi admitido, com subida diferida.

Efectuado o julgamento, foi proferida sentença que julgou improcedentes a acção e a reconvenção.

Da sentença apelou a autora.

A Relação do Porto proferiu acórdão em que concedeu provimento ao agravo dos réus, revogando o despacho que rejeitou o articulado superveniente por estes apresentado, e declarou precludido o conhecimento da apelação.

Retornados os autos à 1ª instância, foram aditados à base instrutória os factos do articulado superveniente, tendo-se efectuado novo julgamento, incidente apenas sobre esses factos, e sido proferida nova sentença, na qual i) - se entendeu que se mantinha o anteriormente decidido na primeira sentença; e ii) - se conheceu apenas da matéria do articulado superveniente, condenando a autora a realizar, no prazo de 4 meses, todas as obras e trabalhos com vista à eliminação dos defeitos existentes no prédio dos réus, e descritos de 1) a 7) dos factos provados (segundo a numeração dessa sentença) [ou seja, dos defeitos alegados no dito articulado superveniente], absolvendo-a do restante pedido contra si deduzido (no mesmo articulado superveniente, entenda-se).

Para assim se decidir [ponto ii)], teve-se por inverificada a excepção de caducidade arguida pela autora na resposta ao articulado superveniente, e por assente que “não tendo a autora logrado provar que é alheia aos aludidos defeitos, o pedido reconvencional nesta parte não pode deixar de proceder, com a consequente condenação da autora/empreiteira a reparar os provados defeitos, fixando-se para o efeito um prazo de quatro meses, que equitativamente se entende ser suficiente para a realização das obras em causa”.

Recorreu, de novo, a autora.

E a Relação, na parcial procedência da apelação, condenou os réus a pagarem à recorrente a quantia reclamada de € 19.206,71, acrescida de juros vencidos desde a propositura da acção e vincendos sobre o capital de € 13.617,18, à taxa legal permitida para as operações comerciais, até integral e efectivo pagamento, “revogando-se a sentença apelada, nesta parte.” Quanto ao mais, disse manter o decidido.

Agora são os réus que, inconformados, reagem contra o acórdão da Relação, dele interpondo o presente recurso de revista para este Supremo Tribunal.

E, no remate das suas alegações de recurso, formulam as seguintes conclusões: 1ª – A declaração de caducidade (procedente) relativamente à matéria primeiramente julgada, apenas teve efeito e repercussão no que respeita ao pedido reconvencional, e só a este; 2ª – Isso em nada afectou a sentença da 1ª instância, que considerou que os recorrentes podem recusar o pagamento do preço em falta, ao abrigo do art. 428º/1 do Cód. Civil (CC), até que sejam corrigidos ou eliminados os defeitos, e que, enquanto tal situação se mantivesse, a exigibilidade do pagamento do preço ficaria suspensa; 3ª – Dado que o julgador a quo se absteve de analisar e decidir em concreto a defesa por excepção deduzida pelos recorrentes na contestação, ao invocarem a seu favor a excepção de não cumprimento do contrato, tal só pode determinar que se mantenha incólume a sentença da 1ª instância, no que especificamente se refere aos defeitos circunstanciados em primeira mão (antes dos invocados no articulado superveniente); 4ª – Abordando a questão quer no que respeita à matéria primeiramente assente (cfr. n.os 1 a 25 dos factos assentes), quer no que concerne aos defeitos da obra invocados no articulado superveniente (cfr. n.os 26 a 32 dos factos assentes), é consensual que a exceptio non adimpleti contractus (arts. 428º a 431º do CC) se analisa na faculdade atribuída a qualquer das partes de um contrato bilateral, em que não haja prazos diferentes para a realização das prestações, de recusar o cumprimento da obrigação a que se acha adstrita enquanto a contraparte não efectuar a que lhe compete ou não oferecer o seu cumprimento simultâneo, 5ª – Operando nos contratos bilaterais e quando os prazos de cumprimento sejam simultâneos ou, sendo estes diferentes, apenas a parte que beneficie de prazo mais alargado é que pode usar da faculdade em causa, como ocorre no caso em apreço; 6ª – A exceptio opera também no caso de cumprimento defeituoso – como ocorre nos autos – em que o demandado pode recusar a sua prestação enquanto a outra não for completada ou corrigida; 7ª – A obra em causa foi entregue pela recorrida aos recorrentes em 27.02.98, ficando acordado entre as partes que o pagamento (pelos recorrentes) seria efectuado em prestações, tendo estes emitido duas letras de câmbio, do valor total de € 13.617,18 – o capital inicial – sendo uma de € 7.132,81, com vencimento em 30.11.98, e outra no valor de € 6.484,37, com...

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