Acórdão nº 01508/17 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 21 de Fevereiro de 2018

Magistrado ResponsávelCASIMIRO GON
Data da Resolução21 de Fevereiro de 2018
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam na Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, na formação a que se refere o actual nº 6 do art. 150º do CPTA: RELATÓRIO 1.1.

B……………………, S.A.

, com os demais sinais dos autos, vem interpor recurso de revista excepcional, nos termos do art. 150º do CPTA, do acórdão que, proferido pelo Tribunal Central Administrativo Norte em 29/06/2017, no processo que aí correu termos sob o nº 895/10.0BEBRG, negou provimento ao recurso que a mesma havia interposto da sentença proferida em 15/09/2016, no TAF de Braga, que julgara improcedente a impugnação judicial das liquidações adicionais de IVA e juros compensatórios relativas a 2005 e 2006, no montante global de € 337.758,00 (n° 09192677, no montante de € 2.293,20; nº 09192678, no montante de € 279,71; n° 09192675, no montante de € 4.675,65; n° 09192676, no montante de € 587,21; nº 09192663, no montante de € 65.288,22; n° 09192664, no montante de € 9.422,97; n° 09192673, no montante de € 17.948,10; n° 09192674, no montante de € 2.315,06; n° 09192669, no montante de € 19.250,98; n° 09192670, no montante de € 2.611,80; n° 09192667, no montante de € 8.780,73; nº 09192668, no montante de € 1.220,16; n° 09192665, no montante de € 6.523,65; n° 09192666, no montante de € 928,68; n° 09192659, no montante de € 59.613,36; n° 09192660, no montante de € 9.832,12; n° 09192683, no montante de € 890,43; n° 09192684, no montante de € 96,90; n° 09192661, no montante de € 23.720,05; n° 09192662, no montante de € 3.667,83; n° 09192657, no montante de € 82.907,53; n° 09192658, no montante de € 14.373,67).

1.2.

Alegou e formulou, a final, as Conclusões seguintes: I – No caso concretamente em apreço verifica-se o preenchimento do conceito relevância jurídica fundamental na medida em que, pese embora a situação sub judice verse sobre matéria que tem sido amplamente discutida nos nossos tribunais, juridicamente, a douta decisão aqui em crise “abre caminho” para que a alínea a) do nº 2 do art. 75º da LGT possa ser interpretada de forma tão extensiva, que nunca o escrupuloso cumprimento de todas as obrigações contabilísticas — facturas, guias de remessa, inventários, contabilização de receitas e despesas, etc... — financeiras — cheques, transferências bancárias, letras e extractos bancários —, e documentais — facturas, guias de remessa, documentos de transportadores e de alfândegas — permitirá a um contribuinte estar a salvo de liquidações adicionais de imposto, podendo ser sempre penalizado com base em incumprimentos de obrigações contabilísticas e fiscais de terceiros com quem se relacione comercialmente.

II - Para além disso, fica também limitado, em violação do disposto no art. 74º da LGT, o ónus probatório da AT, na medida em que a mesma poderá, a seu bel prazer, colocar em causa a veracidade das declarações contabilísticas de um contribuinte sem sequer ter necessidade de o inspeccionar, na medida em que, mesmo que o faça e todas as obrigações contabilísticas estejam dentro dos parâmetros legal, e fiscalmente, exigíveis, e ainda que existam também todos os meios probatórios documentais necessários à comprovação das transacções — cheques, extractos bancários, documentos de transporte, facturas de compra e de venda, comprovativos da saída da mercadoria do país, comprovativos bancários, do pagamento das entidades compradoras, etc... —, sempre poderá a AT desconsiderar todos esses elementos com base em inspecções efectuadas a terceiros.

III - A douta sentença dá, indirectamente, um enquadramento ao disposto no art. 63º-C da LGT, que não permite que a existência de cheques, frente e verso, e de extractos bancários comprovativos do levantamento dos mesmos da conta bancária da emitente, sejam adequados a prova de pagamento, mesmo quando inexiste um só elemento indiciador — facto expressamente reconhecido pela AT — de que o dinheiro relativo a tais pagamento retornou a quem emitiu o chegue ou a alguém directa ou indirectamente relacionado com o emitente.

IV - Na situação em apreço, a tese sustentada pela douta decisão do Venerando Tribunal a quo permite que, a montante, a AT recolha indícios em contabilidades de terceiros para penalizar um determinado contribuinte, sem ter que demonstrar, a jusante, ainda que indiciariamente, qualquer falha na contabilidade deste, nos casos em que é imputado ao mesmo a participação num carrossel do IVA e parte das vendas alegadamente fictícias é efectuada em Portugal, a empresas nacionais.

V - In casu, a AT no seu Relatório de Inspecção Tributária imputou, expressamente à recorrente a participação naquilo que se normalmente se designa por “fraude carrossel” sendo que as mercadorias compradas pela recorrente à C……………… e à A…………… foram em grande parte vendidas a empresas portuguesas, encontrando- se esse facto devidamente demonstrado e provado nos autos — cfr. ponto 25 dos factos provados.

VI - Só com a demonstração cabal e completa de que as vendas da recorrente não correspondiam à realidade, pelo menos no que concerne àquelas que foram feitas em território nacional, seria possível concluir-se pela alegada existência da “fraude carrossel”, uma vez que tendo ocorrido as vendas documentadas nos autos a empresas portuguesas — com factura, cheques, documentos e transporte, etc... — a “vantagem indevida” da recorrente seria nula, na medida em que deduziria o IVA na compra e entregaria o mesmo ao Estado na venda.

VII – Para isso, teria que ser feita prova da inexistência dessas vendas em território nacional ou, pelo menos, a demonstração indiciária dessa inexistência, incumbindo à AT esse ónus — cfr. art. 74º da LGT. Acontece que na situação sub judice a AT aceitou expressamente como válidas todas as vendas da recorrente, quer as que tiveram como destino a exportação, quer as que foram efectuadas em território nacional.

VIII - O supra exposto nada tem a ver com erro na apreciação das provas ou na fixação dos factos materiais — cfr. nº 4 do art. 150º do CPTA — mas sim, no modesto entender da recorrente, numa errada interpretação e aplicação do disposto nos arts. 74º e 75º, nº 2, alínea a) da LGT, conjugados com o disposto nos arts. 58º e 99º, também da LGT e art. 113º do CPPT, na medida em que no caso em apreço se reduziu de forma quase arbitrária as obrigações probatórias da AT na concretização dos factos-índice que permitem afastar a presunção do nº 1 do art. 75º da LGT não se tendo tido em conta todos os factos alegados pelas partes.

IX - A descrição sintética da conduta imputada à recorrente pela AT consta de págs. 6 e 7 do Relatório de Inspecção Tributária, e consta do ponto 19 e respectivos subpontos, sendo o teor dos mesmos o seguinte: X - A págs.16 do Relatório de Inspecção Tributária — cujo teor foi dado como reproduzido no facto provado sob o n -, a AT referiu o seguinte: XI - A AT dirigiu todo o seu procedimento no sentido de demonstrar que a recorrente terá adquirido a terceiros não identificados mercadoria, tendo a A…………. e a C………….. emitido as respectivas facturas para permitirem a dedução do IVA correspondente a cada uma, sendo que, posteriormente, a recorrente exportou a mercadoria “facturada” por aqueles para países comunitários, com vista a obter o reembolso indevido do IVA relativa a cada uma das facturas de exportação.

XII - Na descrição constante dos factos provados, não resulta claro qual a alegada, e, repita-se, hipotética, vantagem patrimonial da recorrente em “simular” compras para obter uma vantagem traduzida numa dedução de IVA que sempre teria de ser entregue ao Estado no momento da venda. Só não seria assim em duas situações: 1 - Se toda a mercadoria alegadamente objecto de compra simulada tivesse sido exportada; II - Se todas as vendas da referida mercadorias que não fossem de exportação tivessem sido também “simuladas”.

XIII - Dos próprios autos resulta que não se verifica nem uma coisa nem outra.

XIV - No ponto 25 dos factos provados refere-se o seguinte: XV - Nos 51 anexos cujo teor foi dado como provado consta documentação comprovativa de todas as vendas dos artigos comprados pela recorrente à A……….. e à C……………. com identificação de todas as entidades compradoras, que nacionais, quer estrangeiras.

XVI - Resulta da documentação junta aos autos, dada como reproduzida no ponto 25 da matéria de facto considerada como provada e aceite pela própria AT, mais de € 900.000,00 (novecentos mil euros) de total dos artigos objecto das referidas compras foi vendido em Portugal a empresas portuguesas, o que significa que, neste caso, a vantagem patrimonial da recorrente seria nula e totalmente inexistente, na medida em que foi obrigada a entregar o IVA recebido dos seus clientes.

XVII – Todas as vendas efectuadas pela recorrente nos anos de 2005 e 2006 não foram colocadas em causa pela AT, a qual não fez qualquer tipo de correcção às mesmas, sendo que a mesma foi notificada dos 51 anexos, e não só não impugnou o teor dos mesmos, como também não carreou para o processo qualquer materialidade susceptível de integrar factos-índice passíveis de colocar em causa a veracidade da documentação constante dos mesmos.

XVIII - Esta posição da AT é contraditória com a afirmação constante do ponto 19, e respectivos subpontos, segundo a qual o “ganho” da recorrente com as alegadas compras fictícias à A………. e à C………. tinham por fim a exportação para deste modo aquela poder pedir o reembolso do respectivo IVA.

XIX - Para que a posição da AT pudesse ser sustentável, a mesma teria não só que colocar em causa as compras efectuadas pela recorrente às duas sociedades atrás referidas, como também, no cumprimento do disposto nos arts. 58º e 74º da LGT averiguar se as vendas em Portugal, eram, ou não, verdadeiras, o que não fez.

XX - Lendo a douta decisão recorrida, verifica-se que a mesma, tal como a douta decisão de 1ª instância, versa toda ela sobre a questão da inexistência de compras, inexistindo qualquer referência a uma eventual inexistência das vendas feitas em Portugal e/ou no estrangeiro, mesmo aquelas que foram feitas...

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