Acórdão nº 678/2001.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 15 de Dezembro de 2009

Data15 Dezembro 2009
Órgãohttp://vlex.com/desc1/1997_01,Supreme Court of Justice (Portugal)

S Privacidade: 1 Meio Processual: REVISTA Decisão: CONCEDIDA A REVISTA Sumário : Nos termos do art. 804º nº 2, o devedor incorre em mora quando a prestação, ainda possível, não for realizada no prazo convencionado.

O devedor, em regra, só fica constituído em mora depois de ter sido judicial ou extrajudicialmente interpelado para cumprir (art. 805º nº 1), mas haverá mora independentemente de interpelação, entre outros casos, se a obrigação tiver prazo certo (nº 2 al. a) do art. 805º).

O credor não pode resolver o contrato em razão da mora do devedor (a não ser nos chamados «negócios fixos absolutos» em que o termo é essencial), poderá tão só, em caso de mora, exigir o cumprimento da obrigação e indemnização pelos danos causados (art. 804º nº 1).

Poderá, todavia, o credor perante o art. 808º, transformar a mora em incumprimento definitivo. Esta conversão tanto poderá suceder pela perda de interesse na prestação por banda do credor, como pela não realização da prestação no prazo que for, razoavelmente, fixado pelo credor.

A perda do interesse na prestação (o que se sucederá quando esta, apesar de ser fisicamente concretizável, deixou de ter oportunidade), é apreciada objectivamente.

Para o caso vertente, importa considerar a perda do interesse por banda do credor, pois foi nesta circunstância que o acórdão recorrido considerou ter-se a mora transformado em incumprimento definitivo.

Como resulta do art. 808º nº 1, todos do C.Civil, a perda do interesse na prestação deve resultar da mora, pelo que deverá ser a partir do momento da constituição da mora que se deve aferir a perda do dito interesse na prestação e não, como se considerou no aresto recorrido, desde a altura da realização do contrato-promessa.

Decisão Texto Integral: Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: I- Relatório: 1-1- AA, residente na Rua M… de A…, …, Braga e BB, residente na Rua E…, …, Arcozelo, Vila Nova de Gaia, propõem a presente acção com processo ordinário contra CC, Lda., com sede na Rua V… P…, …, Vilar de Andorinho, Vila Nova de Gaia, pedindoa condenação da R. a pagar-lhes, a título de restituição do sinal em dobro, a quantia de 4.000.000$00.

Fundamentam este pedido, em síntese, dizendo que por documento escrito, AA e R. celebram entre si, em 23 de Maio de 1994, contrato promessa de compra e venda para aquisição da Loja nº 3, sito no prédio 25 de Abril, desta comarca, pelo preço de dez milhões de escudos, tendo os AA. entregue à R., a título de sinal e princípio de pagamento, a quantia de 2.000.000$00, sendo a restante quantia a pagar no acto da escritura, que deveria ser realizada após a conclusão do prédio. Após a conclusão do prédio, a R. foi várias vezes instada pelos AA para a realização da escritura, o que protelou sempre com evasivas. Em 12.02.00, os AA remeteram carta à R., requerendo que esta os notificasse, no prazo de oito dias, do dia e hora para a realização da escritura, carta essa que foi devolvida, tendo o A. contactado a R., falando com um dos seus sócios que disse que iria tratar do assunto. Em 15 de Janeiro de 2001, a R., por carta, notificou o A. AA para a realização da escritura, carta a que os AA. responderam informando que não estavam já interessados na compra, carta esta que não foi reclamada pela R.. Os AA pretendiam instalar na dita loja um negócio de cabeleireiro e venda de produtos afins, negócio que perdeu a sua oportunidade comercial, perdendo os AA. interesse na prestação.

A R. contestou aceitando a celebração do contrato promessa, negando, porém, ter sido várias vezes interpelada para a realização da escritura. Impugna por desconhecimento o destino que os AA pretendiam dar à loja. Acrescenta ter sido por si marcada a escritura logo que foi obtida a licença de habitabilidade, não tendo os AA comparecido, não obstante ter sido notificado o A. AA, notificação que foi do conhecimento de ambos os AA..

Deduz reconvenção, reafirmando o já alegado, pedindo a condenação dos AA a verem declarada a resolução do contrato, com perda, a seu favor, do montante do sinal entregue.

Conclui pela improcedência da acção e pela procedência da reconvenção.

Os AA replicaram, reafirmando o já por si invocado na petição inicial, impugnando a reconvenção e concluindo pela procedência da acção e pela improcedência do pedido reconvencional.

O processo seguiu os seus regulares termos posteriores, tendo-se proferido despacho saneador, após o que se fixaram os factos assentes, se organizou a base instrutória, se realizou a audiência de discussão e julgamento, se respondeu à base instrutória e se proferiu a sentença.

Nesta julgou-se a acção procedente, condenando-se a R. CC, Lda. a pagar aos AA. a quantia de € 19.952,00 (dezanove mil novecentos e cinquenta e dois euros), equivalente a 4.000.000$00, correspondente ao dobro do sinal prestado.

Mais se julgou improcedente por não provada a reconvenção, dela se absolvendo os AA.

Não se conformando com esta decisão, dela recorreu a R. de apelação para o Tribunal da Relação do Porto, tendo-se aí, por acórdão de 23-03-2009, julgado parcialmente procedente a apelação, declarando-se nula a sentença recorrida, nos termos do art. 668º nº 1 al. e) do C.P.C., julgando-se a acção procedente, condenando-se a R. a pagar aos AA. a quantia de € 19.952,00 (dezanove mil novecentos e cinquenta e dois euros), equivalente a 4.000.000$00, correspondente ao dobro do sinal prestado, julgando-se improcedente por não provada a reconvenção, dela se absolvendo os AA..

1-2- Irresignada com este acórdão, dele recorreu a R. para este Supremo Tribunal, recurso que foi admitido como revista e com efeito devolutivo.

A recorrente alegou, tendo das suas alegações retirado as seguintes conclusões, que se resumem: 1ª- O dever de marcação da escritura pública não foi convencionalmente atribuído a nenhuma das partes contraentes, como o aresto recorrido reconhece e o simples facto de ter sido a recorrente a cumprir o dever acessório (estes sim incumbia-lhe de obtenção da licença de habitabilidade não lhe atribui só por si o dever contratual de marcação da escritura).

  1. - O facto – obrigação/dever da R. de marcação de dia, hora e local para a outorga da escritura – que os recorridos/AA deviam ter alegado na sua acção, pois que constitutivo (nesta vertente) do direito à resolução válida e justificada a que se arrogam, não foi invocado, sendo certo que o Tribunal não pode nem deve suprir esta falta de alegação e muito menos esta falta de prova.

  2. - A conduta dos recorridos/AA plasmada nos factos do ponto 11, não releva para a solução jurídica; relevaria, porém, uma qualquer interpelação dos recorridos/AA. à R. para marcação da escritura, mas feita após a emissão de licença de habitabilidade, ou seja, após 13-12-2000, o que os recorridos não fizeram, face ao que dispõe o art. 777º nº 1 do C.C.

  3. - Emitida em 13-12-2000 a licença de habitabilidade do imóvel, licença essa que constituindo um acto administrativo com publicidade está disponível a qualquer uma das partes e não somente à R., como acórdão recorrido parece induzir, qualquer uma das partes poderia interpelar a outra para celebração do contrato prometido, designando dia, hora e local/cartório, dentro de um prazo razoável, o que não foi feito por nenhuma delas.

  4. - A recorrente não entrou em mora contratual ou, caso assim se não entenda, tendo entrado ambas as partes em mora contratual, não é legítima, válida e justificada a resolução do contrato promovida pelos recorridos/ AA em situação de mora.

  5. - Não basta uma perda subjectiva de interesse na prestação, é necessário que essa perda de interesse no período da mora...

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