Acórdão nº 1350/1998.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 15 de Dezembro de 2009

Magistrado ResponsávelSANTOS BERNARDINO
Data da Resolução15 de Dezembro de 2009
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

S Privacidade: 1 Meio Processual: REVISTA Decisão: NEGADA A REVISTA DA RÉ TRANSPORTES CENTRAIS DE ARGANIL, LDA. CONCEDIDA PARCIALMENTE A REVISTA DO FUNDO GARANTIA AUTOMÓVEL Sumário : I - É nulo, por falta de motivação (art. 668.º, n.º 1, al. b), do CPC), o acórdão da Relação que omite qualquer referência aos factos, às razões jurídicas e às disposições legais em que se abona para determinar a condenação do FGA nos termos do art. 21.º do DL n.º 522/85, de 31-12.

II - Tal nulidade, porém, não é de conhecimento oficioso, não podendo ser conhecida pelo STJ se não tiver sido arguida em sede de recurso.

III - O STJ pode servir-se de qualquer facto que, apesar de não ter sido utilizado pela Relação, deva considerar-se adquirido desde a 1.ª instância.

IV - Não constando da matéria de facto dada como assente pela Relação qualquer menção à existência ou inexistência, à data do sinistro, de seguro válido e eficaz do veículo pertencente ao responsável pelo evento danoso, mas tendo a 1.ª instância considerado, para efeitos de apreciação da excepção dilatória da ilegitimidade do FGA, que à data do acidente não estava em vigor o contrato de seguro invocado pelo co-réu do Fundo, sem que qualquer das partes tenha reagido contra esta decisão, não pode tal facto deixar de haver-se como provado e, como tal, ser tido em conta pelo STJ.

V - O art. 29.º, n.º 6, do DL n.º 522/85, de 31-12, ao impor que as acções destinadas à efectivação da responsabilidade civil decorrente de acidente de viação, quando o responsável seja conhecido e não beneficie de seguro válido ou eficaz, devem ser interpostas obrigatoriamente contra o FGA e o responsável civil, sob pena de ilegitimidade, é uma norma processual, não assumindo uma natureza substantiva, definidora da responsabilidade civil.

VI - A intervenção do responsável civil ao lado do FGA visa, em essência, (i) facilitar ao lesado a satisfação do seu direito, facultando-lhe a possibilidade de reclamar a indemnização do responsável civil ou do Fundo, (ii) ajudar o FGA no conhecimento das circunstâncias do acidente e das causas e efeitos, bem como do pertinente material probatório, pelo contributo que, para tanto pode ser trazido por quem, melhor do que o próprio Fundo, conhece esses elementos de facto, a que este não tem, por vezes, fácil acesso, e (iii) definir logo, com a presença de todos os interessados, a medida em que deverá ser exercido, posteriormente, o direito do Fundo a ser reembolsado, nos termos do art. 25.º, n.º 1, do DL n.º 522/85.

VII - Daí que, e como forma de satisfação dos objectivos referidos em VI, sendo condenado o FGA, também deverão ser com ele solidariamente condenados os responsáveis civis.

VIII - Nem todos os danos não patrimoniais são ressarcíveis: só o são aqueles que sejam suficientemente graves para justificar a tutela do direito (art. 496.º, n.º 1, do CC).

São dignos de ressarcimento, a esse título, porque suficientemente graves, os danos sofridos pela vítima do acidente de viação, traduzidos em acentuadas dores (fractura da tíbia e do perónio), subsequentes tratamentos (designadamente, o necessário tratamento cirúrgico), incómodo relativo causado pelo esforço físico, sofrimento, angústia e apreensão.

IX - Considera-se equitativa e na linha das decisões jurisprudenciais mais recentes nesta matéria a indemnização de € 20.000,00 destinada à justa reparação dos apontados danos não patrimoniais.

Decisão Texto Integral: Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: 1.

AA intentou, em 16.03.1998, pela 17ª Vara Cível de Lisboa, contra TRANSPORTES BB, L.da e FUNDO DE CC, a presente acção com processo sumário, pedindo a condenação destes a pagar-lhe a quantia de 83.116.000$00, acrescida de juros, à taxa legal, desde o vencimento de cada parcela da dívida, a liquidar a final.

Como fundamento alegou, em síntese, que trabalhava como mecânico por conta e sob a direcção da sociedade ré, e foi por esta incumbido, em 17.03.95, de proceder à reparação da bomba de travão do semi-reboque de um camião de marca Iveco e matrícula ., pertencente à mesma ré, que se achava na Rua ..................

Quando chegou ao local, encontrava-se dentro da cabina do camião o respectivo motorista, de nome DD., a quem o autor pediu que travasse o camião e abandonasse a cabina do mesmo.

Depois de efectuada a reparação, o autor procedeu à ligação da tubagem entre a bomba de ar e a válvula reguladora, o que operou o desbloqueamento do semi-reboque.

Mas, porque o DD tinha deixado o veículo destravado, sucedeu que, quando o sistema de travagem ganhou compressão, o conjunto camião/semi-reboque começou a deslocar-se sozinho, para trás, apanhando o autor na zona do joelho, e fracturando-lhe a tíbia, tarso e perónio da perna direita.

Em consequência das lesões sofridas, foi o autor submetido a tratamento cirúrgico, tendo ficado com incapacidade funcional de 25% na perna direita, o que o impede de fazer a sua vida pessoal e profissional.

Sofreu dores, angústia e apreensão.

Reclama, por isso, perdas salariais ocorridas até Fevereiro de 1998, e as futuras, resultantes de ter ficado impossibilitado de exercer a sua profissão, bem como indemnização pelo dano não patrimonial sofrido, nos montantes que indica.

A responsabilidade do Fundo de CC (FGA) decorre do facto de não ter a ré, proprietária do veículo e do semi-reboque, seguro válido.

Em contestação, o FGA arguiu a sua ilegitimidade, com fundamento em não ter o autor demandado o condutor do veículo, e impugnou os factos alegados pelo demandante.

Também contestou a ré Transportes BB, L.da, arguindo a verificação de várias excepções: a excepção de litispendência – por se encontrar pendente, no Tribunal do Trabalho de Lisboa, acção com as mesmas partes e os mesmos pedido e causa de pedir; a ilegitimidade de ambas as demandadas – a do FGA, porque ela, ré, tinha, na data dos factos, contrato de seguro relativamente ao semi-reboque e ao tractor; e a da própria demandada, porque os factos que servem de suporte à causa são imputáveis a um terceiro, que não é parte nesta acção; a da incompetência do tribunal em razão da matéria, sendo competente o foro laboral.

Deduziu também defesa por impugnação, negando os factos alegados pelo autor; e terminou, defendendo a improcedência da acção e a condenação do autor como litigante de má fé, em multa e indemnização.

Foi, sequentemente, requerida pelo autor a intervenção principal de DD, enquanto condutor do veículo, e oferecida resposta à matéria das excepções.

Admitido o chamamento, foi citado o chamado, que, porém, não ofereceu contestação.

No saneador, o Ex.mo Juiz considerou prejudicado o conhecimento da excepção de litispendência, por ter sido entretanto julgada improcedente, com trânsito, a acção que corria termos no Tribunal do Trabalho, o mesmo sucedendo com a da incompetência do tribunal.

A excepção de ilegitimidade passiva foi julgada improcedente.

Com a selecção da matéria de facto relevante (factos assentes e base instrutória) seguiu o processo a sua ulterior tramitação, vindo a ser efectuada a audiência de julgamento e a ser proferida sentença que julgou a acção improcedente, absolvendo do pedido os réus e o chamado.

O autor reagiu, interpondo da sentença o pertinente recurso de apelação, no qual, além do mais, suscitou uma questão de natureza processual, em seu entender geradora de nulidade, e traduzida na deficiente gravação dos depoimentos de várias testemunhas.

E fê-lo com êxito, pois a Relação de Lisboa julgou procedente a apelação e verificada a invocada nulidade, anulando a decisão da matéria de facto e a sentença, e determinando se procedesse à repetição dos depoimentos na parte afectada.

Cumprido, na 1ª instância, o determinado, foi proferida nova sentença, com o mesmo teor da primeira.

E dela recorreu, de novo, o autor, e também desta vez com sucesso, vindo a Relação a alterar a resposta a um dos artigos da base instrutória (o 15º) e a proferir decisão do teor seguinte: - condenação do FGA a pagar ao autor a indemnização de € 25.000,00, a título de danos não patrimoniais ou morais; - condenação do mesmo FGA a pagar ao autor a indemnização que se vier a liquidar em execução de sentença, relativa aos danos patrimoniais resultantes do prejuízo directo e bem assim da perda da capacidade de ganho, calculados com base no rendimento que o autor auferia à data do acidente, e até ao limite estabelecido no art. 6º do Dec-lei 522/85, de 31 de Dezembro, na redacção que lhe foi conferida pelo Dec-lei 301/2001, de 23 de Novembro; - condenação da ré transportadora e do chamado a pagarem ao autor os prejuízos que se vierem a apurar, que porventura ultrapassem o limite estabelecido no citado art. 6º do Dec-lei 522/85, de 31 de Dezembro, na redacção do Dec-lei 301/2001, de 23 de Novembro; - condenação do FGA, da ré transportadora e do chamado a pagarem ao autor os juros contados sobre as sobreditas quantias, à taxa legal supletiva do juro moratório desde a citação, sem prejuízo do limite estabelecido no art. 6º do Dec-lei 522/85, de 31 de Dezembro, na redacção do Dec-lei 301/2001, de 23 de Novembro.

Recorrem agora, de revista, os réus FGA e Transportes BB, L.da.

O primeiro remata as suas alegações com a enunciação das seguintes conclusões: 1ª – O tribunal a quo, ao condenar o FGA, violou o disposto no art. 21º, n.º 2, do Dec-lei 522/85, de 31 de Dezembro, porquanto a inexistência de seguro válido ou eficaz é condição sine qua non para a responsabilização do Fundo na satisfação das indemnizações originadas por acidente de viação; 2ª – O tribunal a quo, ao não condenar solidariamente os responsáveis civis identificados como proprietária do veículo lesante e seu condutor, violou o disposto no art. 29º, n.º 6, do Dec-lei 522/85, de 31 de Dezembro, preterindo desta forma o litisconsórcio necessário passivo; 3ª - O tribunal a quo fixou, nos presentes autos, a título de dano moral pelas ofensas corporais sofridas pelo autor, o valor global de € 25.000,00; 4ª – A fixação em tal montante, para além da convicção e...

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