Acórdão nº 296/08.0SYL.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 15 de Dezembro de 2009

Magistrado ResponsávelPIRES DA GRAÇA
Data da Resolução15 de Dezembro de 2009
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

S Privacidade: 1 Meio Processual: RECURSO PENAL Decisão: PROVIDO PARCIALMENTE Sumário : I- Não tendo o legislador nacional optado pelo sistema de acumulação material (soma das penas com mera limitação do limite máximo) nem pelo da exasperação ou agravação da pena mais grave (elevação da pena mais grave, através da avaliação conjunta da pessoa do agente e dos singulares factos puníveis, elevação que não pode atingir a soma das penas singulares nem o limite absoluto legalmente fixado), é forçoso concluir que com a fixação da pena conjunta se pretende sancionar o agente, não só pelos factos individualmente considerados, mas também e especialmente pelo respectivo conjunto, não como mero somatório de factos criminosos, mas enquanto revelador da dimensão e gravidade global do comportamento delituoso do agente, visto que a lei manda se considere e pondere, em conjunto (e não unitariamente), os factos e a personalidade do agente, como se o conjunto dos factos fornecesse a gravidade do ilícito global perpetrado.

II- O todo não equivale à mera soma das partes e, além disso, os mesmos tipos legais de crime são passíveis de relações existenciais diversíssimas, a reclamar uma valoração que não se repete, de caso para caso. A este novo ilícito corresponderá uma nova culpa (que continuará a ser culpa pelo facto) mas, agora, culpa pelos factos em relação.

III- Será, assim, o conjunto dos factos que fornece a gravidade do ilícito global perpetrado, sendo decisiva para a sua avaliação a conexão e o tipo de conexão que entre os factos concorrentes se verifique.

IV- Na avaliação da personalidade – unitária – do agente relevará, sobretudo, a questão de saber se o conjunto dos factos é recondutível a uma tendência (ou eventualmente mesmo a uma «carreira») criminosa, ou tão-só a uma pluriocasionalidade que não radica na personalidade: só no primeiro caso, não já no segundo, será cabido atribuir à pluralidade de crimes um efeito agravante dentro da moldura penal conjunta. De grande relevo será também a análise do efeito previsível da pena sobre o comportamento futuro do agente (exigências de prevenção especial de socialização).

V- Afastada a possibilidade de aplicação de um critério abstracto, que se reconduz a um mero enunciar matemático de premissas, impende sobre o juiz um especial ónus de determinar e justificar quais os factores relevantes de cada operação de formação de pena conjunta, quer no que respeita à culpa em relação ao conjunto dos factos, quer no que respeita à prevenção, quer, ainda, no que concerne à personalidade e factos considerados no seu significado conjunto.

VI- Um dos critérios fundamentais em sede deste sentido de culpa, numa perspectiva global dos factos, é o da determinação da intensidade da ofensa e dimensão do bem jurídico ofendido, sendo certo que assume significado profundamente diferente a violação repetida de bens jurídicos ligados à dimensão pessoal, em relação a bens patrimoniais. Por outro lado, importa determinar os motivos e objectivos do agente no denominador comum dos actos ilícitos praticados e, eventualmente, dos estados de dependência, bem como a tendência para a actividade criminosa expressa pelo número de infracções, pela sua permanência no tempo, pela dependência de vida em relação àquela actividade.

VII - O concurso de crimes tanto pode decorrer de factos praticados na mesma ocasião, como de factos perpetrados em momentos distintos, temporalmente próximos ou distantes. Por outro lado, o concurso tanto pode ser constituído pela repetição do mesmo crime, como pelo cometimento de crimes da mais diversa natureza. Por outro lado ainda, o concurso tanto pode ser formado por um número reduzido de crimes, como pode englobar inúmeros crimes.

VIII - Este critério especial, da determinação da medida da pena conjunta, do concurso – que é feita em função das exigências gerais da culpa e da prevenção – impõe que do teor da decisão conste uma especial fundamentação, em função de tal critério. Só assim se evita que a medida da pena do concurso surja consequente de um acto intuitivo, da apregoada e, ultrapassada, arte de julgar, puramente mecânico e, por isso arbitrário.

IX- As qualidades da personalidade do agente manifestada no facto devem ser comparadas com as supostas pela ordem jurídica e a partir daí se emitam juízos, mais fortes ou mais acentuados, de valor ou desvalor.

Decisão Texto Integral: Acordam no Supremo Tribunal de Justiça_Nos autos de processo comum supra referenciado provindo da 2ª Vara Criminal de Lisboa, e, na sequência de acusação formulada pelo Digno Magistrado do Ministério Público, com fundamento na factualidade descrita a fls. 652-660, foram submetidos a julgamento perante o Tribunal Colectivo os arguidos: 1°) AA, solteiro, empregado de balcão, nascido em 23/02/79 na freguesia de S. Jorge de Arroios, concelho de Lisboa, filho de BB e de CC, residente na Rua ...., lote .... . ..., r/c.-C, Alto Lumiar, Lisboa, e actualmente preso no EP de Lisboa; e 2°) DD, solteira, nascida em 02/10/83 na freguesia de Campo Grande, concelho de Lisboa, filha de EE e de FF, residente na Rua ... Lote ... . ..., r/c.-C, Alto Lumiar, Lisboa, e actualmente presa no EP de Tires, O Ministério Público imputava-lhes: - Ao primeiro: a co-autoria material de 6 crimes de roubo qualificado, pp. e pp. pelo art° 210°, nºs 1 e 2, aI. b), com referência ao art° 204°, nº1, aI. b), e 2, aI. f), e 2 crimes de roubo, pp. e pp. pelo art° 210°, nº1; e a autoria material de 5 crimes de roubo qualificado, pp. e pp. pelo art° 210°, nºs 1 e 2, aI. b), com referência ao art° 204°, nº1, aI. b), e 2, aI. f), e 8 crimes de roubo, pp. e pp. pelo art° 210°, nº1, sendo um deles na forma tentada, logo, p. e p. também pelos art°s 22°,23° e 73°, todos do CP; - À segunda: a co-autoria material de 3 crimes de roubo qualificado, pp. e pp. pelo art° 210°, nºs 1 e 2, aI. b), com referência ao art° 204°, nº1, aI. b), e 1 crime de roubo, p. e p. pelo art° 210°, nº1, todos do CP; em audiência de julgamento, alterou-se esta qualificação, "aditando-se" 1 crime de roubo p. e p. pelo art° 210, nºs 1 e 2, aI. b), com referência ao art° 204°, nº1, aI. b), ambos do CP (factos do NUIPC336/08.2SYLSB).

Foi deduzido pedido de indemnização civil pelos demandantes, devidamente identificados: GG, pedindo a condenação do arguido no pagamento da quantia de 1.960,OO€ a título de dano patrimonial (fls. 726-727); HH, pedindo a condenação do arguido no pagamento da quantia de 159,90€ (fls. 750); II, pedindo a condenação do arguido no pagamento da quantia de 250,OO€ (fls. 751); JJ, pedindo a condenação no pagamento da quantia de 200,OO€ (fls. 776); LL, pedindo a condenação dos arguidos no pagamento de quantia nunca inferior a 1.000,OO€ a título de danos morais e patrimoniais (fls. 777); e MM, pedindo a condenação no pagamento da quantia total de 955,OO€ a título de danos patrimoniais e morais (fls. 778-779).

_Realizado o julgamento, foi proferida em 18 de Junho de 2009, a seguinte: III- DECISÃO Pelo exposto, o Tribunal Colectivo decide 1.Arguido AA - A. condená-lo, como reincidente, pela prática de cada um dos 3 crimes de roubo pp. e pp. pelos arºs 210°, nºs 1 e 2, aI. b), 204°, nºs 1, aI. b), e 2, ai. f), 75°, nº1, e 76°, nº1, do CP, na pena de 4 (quatro) anos e 6 (seis) meses de prisão; B. condená-lo, como reincidente, pela prática de cada um dos 8 crimes de roubo pp. e pp. pelos arfs 210°, nºs 1 e 2, aI. b), 204°, nºs 1, aI. b), 75°, nº1, e 76°, nº1, do CP, na pena de 4 (quatro) anos e 3 (três) meses de prisão; C. condená-lo, como reincidente, pela prática de cada um dos 2 crimes de roubo pp. e pp. pelos arfls 210°, nº 1, 75°, nº1, e 76°, nº1, do CP, na pena de 2 (dois) anos de prisão; D. condená-lo, como reincidente, pela prática de cada um dos 4 crimes de roubo pp. e pp. pelos art°s 210°, nº 1, 75°, n01, e 76°, nº1, do CP, na pena de 1 (um) ano e 6 (seis) meses de prisão; E. condená-lo, como reincidente, pela prática de 1 crime de roubo, na forma tentada, p. e p. pelos artºs 210°, nº 1, 22°, 23°, nºs 1 e 2, 73°, nº1, ais. a) e b), 75°, nº1, e 76°, nº1, do CP, na pena de 1 (um) ano de prisão; F. condená-lo, como reincidente, pela prática de 1 crime de furto p. e p. pelos arts 203°, nº1, 75°, nº1, e 76°, nº1, do CP, na pena de 4 (quatro) meses de prisão; G.- em cúmulo jurídico, condená-lo na pena única de 12 (doze) anos de prisão; H.- absolvê-lo dos restantes 2 crimes de roubo imputados.

  1. Arguida DD- A. condená-Ia pela prática de cada um dos 3 crimes de roubo pp. e pp. pelos a~s 210°, nºs 1 e 2, aI. b) e 204°, nºs 1, ai. b), do CP, na pena de 3 (três) anos e 1 (um) mês de prisão; B. condená-Ia pela prática de cada um dos 2 crimes de roubo pp. e pp. pelo a~ 210°, nº 1, do CP, nas penas de 14 (catorze) e 13 (treze) meses de prisão; C. em cúmulo jurídico, condená-Ia na pena única de 5 (cinco) anos de prisão suspensa na execução com regime de prova; 3. condenar o arguido-demandado AA A. no pagamento a GG da quantia de 1.600,00€ (mil e seiscentos euros); B. no pagamento a HH da quantia de 159,90€ (cento e cinquenta e nove euros e noventa cêntimos); C. no pagamento a II da quantia de 250,00€ (duzentos e cinquenta euros); D. no pagamento a JJ da quantia de 200,00€ (duzentos euros); 4. condenar os arguidos-demandados BB e DD, solidariamente, E. no pagamento a LL da quantia de 269,00€ (duzentos e sessenta e nove euros); F. no pagamento a MM da quantia de 600,00€ (seiscentos euros); 5. condenar cada um dos arguidos e demandados AA e DD: em 3 (três) e 5 (cinco) UCs de taxa de justiça - com o acréscimo legal de 1% ., respectivamente (art° 344°, n02, aI. c), do CPP), tixando a procuradoria no mínimo; e nas custas dos respectivos pedidos cíveis, na proporção dos decaimentos; 6. declarar perdida a favor do Estado - ao abrigo do disposto no artº 109°, nº1, do CP - a faca de cozinha apreendida a fls. 435 e examinada a fls. 436.

    *o arguido AA regressará ao Estabelecimento Prisional para cumprir a sua pena de hoje, cujo início se reportará a 6 de Outubro de...

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