Acórdão nº 523/2002.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 15 de Dezembro de 2009

Magistrado ResponsávelLOPES DO REGO
Data da Resolução15 de Dezembro de 2009
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

S Privacidade: 1 Meio Processual: REVISTA Decisão: NEGADA A REVISTA Sumário : 1.O dever de vigilância que incumbe aos pais que exercem o poder paternal sobre os filhos menores, cuja violação implica responsabilidade fundada em culpa presumida, tem de ser avaliado em concreto, tendo em conta, não apenas o grau exigível de guarda e controlo do incapaz no momento do facto lesivo, mas também, em termos globais , todo o processo educativo e formativo do vigilando - incumbindo aos pais o ónus de alegar e provar os factos idóneos para ilidir a referida presunção de culpa.

  1. Não é excessiva uma indemnização de €68.200, arbitrada como compensação dos danos não patrimoniais, decorrentes de lesões físicas, causadas por disparo de arma de fogo, que implicaram risco de vida, internamentos prolongados e ditaram sequelas irremediáveis e gravosas para a autonomia e qualidade de vida da vítima, de 7 anos de idade, afectada por uma incapacidade de 75% em consequência das gravosas lesões neurológicas sofridas.

    Decisão Texto Integral: Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: 1.AA e BB intentaram, na qualidade de legais representantes de sua filha, a menor CC, acção condenatória, com processo ordinário, contra DD, EE e FF, pedindo a respectiva condenação no pagamento , a título de indemnização dos danos não patrimoniais sofridos pela menor em consequência de disparo com arma de fogo, da quantia de €200.000 e respectivos juros.

    Como fundamento do pedido, alegaram que , em 16/8/99, a menor CC se encontrava a brincar com outro menor, de 7 anos de idade (GG) na casa dos pais e avô deste, os ora réus, quando o referido menor foi buscar uma arma de fogo, pertença do terceiro réu, que se encontrava numa arrecadação com a porta aberta, tendo-a apontado e disparado contra a CC, causando-lhe gravíssimas lesões, implicando sequelas permanentes e irremediáveis: tais factos implicariam, por parte dos pais do menor, omissão do dever legal de vigilância e, quanto ao terceiro réu, omissão das medidas de precaução adequadas a evitar o manuseamento da arma de que era proprietário por terceiros.

    Os réus contestaram, impugnando, nomeadamente, o incumprimento dos deveres de vigilância em cuja violação se estruturava o pedido, considerando ainda que os referidos menores deviam, na altura da acidente, ser tidos sob a vigilância de um tio da CC, levantando ainda a excepção de prescrição.

    Seguiram-se os demais articulados, sendo o MºPº admitido a intervir acessoriamente na lide, nos termos do disposto no art.334º do CPC, procedendo-se a saneamento e condensação da matéria do litígio e considerando improcedente a invocada excepção.

    Procedeu-se a julgamento, sendo proferida sentença a julgar a acção parcialmente procedente, condenando-se os dois primeiros réus a pagarem à menor Autora a quantia de €68.200 e respectivos juros, absolvendo do pedido o terceiro réu, demandado na veste de proprietário da arma em causa, por se ter entendido que não estava em causa a aplicação do regime contido no nº1 do art. 493º do CC, já que os danos teriam sido causados, não pela arma, mas por quem a empunhou.

    Desta decisão, proferida no Tribunal Judicial da Comarca de Loulé, recorreram para a Relação de Évora os AA., questionando o valor da indemnização arbitrada, e os RR. condenados, impugnando a matéria de facto provada e a solução jurídica do pleito, pondo em causa a violação do dever de vigilância quanto ao seu filho e o montante da indemnização concedida.

    A Relação julgou ambas as apelações improcedentes, confirmando a sentença recorrida.

  2. Inconformados com o decidido em tal aresto, interpuseram os RR. o presente recurso de revista, que encerram com as seguintes conclusões, que lhe definem o objecto: 1- O Tribunal da Relação de Évora não censurou a decisão proferida pelo Tribunal 1a Instância, negando provimento à apelação.

    2 - Com o devido respeito, que é muito, os Recorrentes pugnam pela redução do montante indemnizatório considerado exorbitante e excessivo face às circunstâncias do caso concreto, embora tenham que respeitar a douta decisão de facto das instâncias, nomeadamente, que foi o GG o autor do disparo.

    3 - É certo que nos termos do disposto no artigo 491° do Código Civil, "As pessoas que, por lei ou negócio jurídico, forem obrigadas a vigiar outras, por virtude de incapacidade natural destas, são responsáveis pelos danos que elas causem a terceiro, salvo se mostrarem que cumpriram o seu dever de vigilância ou que os danos se teriam produzido ainda que o tivessem cumprido.".

    4-0 dever de vigilância prescrito no artigo 491° do Código Civil deve, na quase totalidade da doutrina e jurisprudência, "ser entendido, porém, em relação com as circunstâncias de cada caso, não se podendo ser demasiadamente severo a tal respeito". São de afastar as exigências excessivamente severas de uma vigilância que não deve ser permanente pois levaria a uma limitação da liberdade de movimentos prejudicial ao fim da educação. Veja-se a obra de Henrique Sousa Antunes, sob o título "Responsabilidade Civil dos Obrigados à Vigilância de Pessoa Naturalmente Incapaz", Universidade Católica Editora, Lisboa 2000, assim como as citações e excertos doutrinais e de jurisprudência aí citados.

    5 - Na verdade, salvo outra opinião, a presunção de culpa inserta no artigo 491° do Código Civil, há-de entender-se por reduzida quanto aos Recorrentes na produção do evento em causa. Atenda-se também à modesta condição económica destes, aliás, não apurada, por falta de alegação de factos por parte da Autora, assim como às demais circunstâncias do caso a justificar uma redução equitativa e substancial do montante indemnizatório.

    6 - Na verdade, são factos assentes que "o 1o réu estava ausente de casa, por se encontrar a trabalhar"; "a 2a ré deixou o GG e CC com o HH e foi para o interior da habitação"; que "era frequente o HH deslocar-se à casa dos réus para brincar com o GG"; que "numa arrecadação que constitui um anexo à casa referida na alínea A), encontrava-se uma pressão de ar, calibre 4,5mmm de que era dono o 3o réu" e considerou-se não provado que o GG passeava-se frequentemente com a arma na sua casa.

    7 - Além destas circunstâncias, outras são de considerar: - Se os pais do GG estavam obrigados ao dever de vigilância no sentido de impedir o seu filho de praticar actos danosos, também os pais da CC estavam obrigados a vigiá-la no sentido de a guardarem livrando-a de situações de perigo, garantido a segurança desta, o que não fizeram.

    - No momento e lugar dos factos também se encontrava o HH , pessoa maior e tio da Autora. Este também obrigado ao dever de vigilância enquanto adulto a constituir para a mãe do GG um factor de descanso relativamente à vigilância do filho e da CC.

    8 - Aceitando obrigatoriamente a douta decisão das instâncias de que foi o GG o autor do disparo, os pais do menor GG, abstractamente obrigados ao dever de vigilância, no caso concreto nada poderiam fazer para evitar a conduta do filho. O acidente ocorrido foi imprevisível, estando os pais do GG absolutamente impossibilitados para tomar quaisquer medidas impeditivas do acidente.

    9-0 acidente foi causado num momento em que o GG se encontrava longe dos pais que em nada contribuíram para a utilização da arma e do disparo.

    Deste modo, os ora Recorrentes não omitiram, no caso concreto e...

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