Acórdão nº 3763/06.6.YXLSB.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 15 de Dezembro de 2009

Magistrado ResponsávelHÉLDER ROQUE
Data da Resolução15 de Dezembro de 2009
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

N Privacidade: 1 Meio Processual: REVISTA Decisão: NEGADA Sumário : I - A nulidade da sentença proveniente de os seus fundamentos estarem em oposição com a decisão consubstancia um vício, puramente, lógico do discurso judicial e não um erro de julgamento, e consiste no facto de os fundamentos aduzidos pelo juiz para neles basear a sua decisão, constituindo o seu respectivo antecedente lógico, estarem em oposição com a mesma, conduzindo a um resultado oposto ao que está expresso nesta.

II - Enquanto que, na responsabilidade contratual, compete ao devedor provar que a falta de cumprimento ou o cumprimento defeituoso da obrigação não procedem de culpa sua, sob pena de recair sobre si a respectiva presunção de culpa, já a prova do facto ilícito do não cumprimento ou, tratando-se de cumprimento defeituoso, a prova do defeito verificado, como elemento constitutivo do direito à indemnização do credor, incumbe a este a respectiva demonstração.

III - A presunção de culpa que decorre do art. 799.º, n.º 1, do CC, só actua contra o vendedor do bem, em caso de deficiência demonstrada neste que implique a sua inaptidão ou a insuficiente satisfação para o fim a que se destina ou na falta de cumprimento da prestação, preenchendo o indispensável nexo de causalidade, enquanto facto constitutivo e um dos pressupostos da obrigação de indemnizar.

IV - A aludida presunção de culpa do devedor não se confunde com a ilicitude do facto praticado que deveria ser demonstrado pelo comprador, mas que não se presume, ao contrário da culpa do devedor, na hipótese de se ter reconhecido a falta de cumprimento da obrigação ou o seu cumprimento defeituoso.

V - Não sendo o vendedor um “produtor”, não pode consequentemente, ser responsabilizado, independentemente de culpa, porquanto a responsabilidade objectiva do produtor contende com uma modalidade de responsabilidade civil extracontratual.

VI - E, sendo o artigo fabricado no estrangeiro por uma entidade terceira, oriundo do interior da comunidade europeia, tratando-se de um distribuidor não produtor, não pode ser responsabilizado, independentemente de culpa, além do mais, porque o mero distribuidor nunca seria causador dos defeitos, não se provando a existência de imputabilidade exclusiva ou concorrente do intermediário/distribuidor com o produtor, nem que o vendedor fosse um produtor presumido ou um fornecedor de produto anónimo.

Decisão Texto Integral: ACORDAM OS JUÍZES QUE CONSTITUEM O SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA: "H... C... - S... de R... e O... de C... C..., Ld.a", com sede no Beco dos ...., nº ..., Porta ..., em Lisboa, propôs a presente acção declarativa, sob a forma de processo ordinário, contra "D... - T... e D... do M..., Ld.a", com sede na Rua de C..., nº ..., B...., Vila Verde, pedindo que, na sua procedência, a ré seja condenada a pagar-lhe a quantia de €12.684,07, acrescida de juros, vencidos e vincendos, até integral e efectivo pagamento, alegando, para tanto, e, em síntese, que, no exercício da actividade a que se dedica, forneceu à ré, a pedido desta, vários materiais destinados à construção civil, no valor global de €12.684,07, ainda não pago, apesar de instada, várias vezes, para o efeito.

Adianta a autora que a ré se tem limitado a invocar que o material não apresenta as características técnicas adequadas para a instalação no exterior e que não se trata de produto certificado.

Porém, ao invés do invocado pela ré, está-se perante material de marca Luxalon, adequado ao exterior, tendo sido aplicado em outras obras, sem qualquer reclamação, encontrando-se, devidamente, certificado, de acordo com as normas TAIM.

Finalmente, sustenta a autora que as características do material fornecido e respectiva certificação são, necessariamente, do conhecimento da ré, uma vez que esta opera, neste ramo de actividade, sendo que o mesmo tem todas as características que foram asseguradas pela autora, no momento da venda.

Na contestação, a ré defende-se, por impugnação e por excepção, deduzindo, igualmente, pedido reconvencional, em que sustenta que, na sua procedência, a autora seja condenada a pagar-lhe a quantia de €18.420,30, acrescida de juros, à taxa legal, desde a data da denúncia dos danos em obra à autora, por parte da ré, que perfazem a quantia de €744,13, e, subsidiariamente, que se opere a compensação, reconhecendo-se que a autora e ré são credoras recíprocas de, pelo menos, idêntica importância, ou seja, €12.684,07, que corresponde ao valor das facturas, sem os juros.

Para tanto, e, em síntese, alega que, tendo recebido da autora a garantia de que o material fornecido resistiria a fortes pressões/sucções e que jamais se desengataria, efectuou, então, a encomenda de um tecto Luxalon C 300, iniciando a sua aplicação em obra, de acordo com os padrões técnicos exigíveis.

Acontece, porém, que o material fornecido pela autora - tectos metálicos para exterior - não tinha as qualidades e características asseguradas aquando do orçamento e da demonstração, acabando o mesmo, depois de aplicado e sujeito ao primeiro teste ocasional climático, desabado do local onde foi aplicado.

Entretanto, em 1 de Junho de 2006, o dono da obra denunciou à autora, por escrito, os vícios existentes no referido tecto exterior do F... C... e exigiu a sua reparação, o mais urgente possível, dada a necessidade de retomar a abertura ao público das suas lojas, na parte afectada, sob pena de a ré ter de indemnizar o dono da obra pelos atrasos na aludida reparação.

Adianta a ré que a autora enviou um representante ao F... C..., para avaliação dos danos, não tendo, porém, o mesmo procedido à sua reparação imediata, nem substituindo o tecto por outro que assegurasse o fim a que se destinava.

Dada a urgência, a ré procedeu à substituição do tecto metálico danificado, tendo dispendido a quantia global de €18.420,30, sendo €12.285,00 com a nova equipa encarregue de o substituir, €1.375,00 com despesas de alojamento e deslocação, e ainda €1.563,00 com a substituição de todo o material aplicado por outro de idêntica qualidade.

Contactada a autora para assumir estes prejuízos, negou qualquer tipo de responsabilidade, afirmando que o produto tinha as características técnicas adequadas.

Na réplica, a autora alega que as excepções e o pedido reconvencional deduzidos devem ser julgados improcedentes, por não provados, condenando-se a ré, nos precisos termos do pedido formulado no articulado inicial.

Para tanto, e, em síntese, alega a autora que o material fornecido à ré se tratava de produto certificado, de acordo com a norma ISO 9001, produzido em conformidade com os standarts de qualidade do TAIM, factos estes conhecidos, nacional e internacionalmente, o que a ré bem sabe, porque opera neste ramo de actividade.

Que o material era certificado, adequado para o exterior, possuindo as características asseguradas pela autora, como resulta, inclusive, do facto de, após o colapso do tecto Luxalon, o mesmo ter voltado a ser colocado e não substituído por outro.

Que a ré foi, perfeitamente, elucidada, não tendo levantado qualquer dúvida quanto aos requisitos apertados a que a montagem teria de respeitar para que a resistência fosse a máxima.

Adianta, também, que a montagem do referido tecto metálico exige a elaboração de cálculos e a observância de distâncias mínimas de montagem dos vários componentes, sendo certo que este trabalho de montagem estava a cargo da ré ou de quem esta contratasse, e não da autora que apenas celebrou o contrato de compra e venda.

Na sua perspectiva, o colapso de uma das partes do tecto só pode ter sido devido ao desrespeito dos padrões técnicos de montagem, até porque, segundo alega, se ficou a dever-se a uma adversidade climatérica que a autora desconhece, apesar de afirmado pela ré, tal traduzir-se-ia num facto anormal, imprevisível, incontrolável, não imputável a ninguém, nem a nenhuma das partes, pelo que os prejuízos teriam de ser suportados, por quem arca com o risco de perecimento da coisa, ou seja, por conta do dono da obra, em virtude de já se encontrarem aplicados.

Alega ainda que o último fornecimento foi recebido pela ré, em 24 de Abril de 2006, e que a reclamação foi efectuada, em 6 de Junho de 2006, pelo que, na sua óptica, o suposto direito de anulação do contrato, em virtude da alegada falta de características asseguradas pela autora, a existir, já teria caducado.

Sustenta, finalmente, que a quantidade de mão-de-obra, alegadamente, utilizada pela ré para a reposição do tecto, é absurda, o mesmo se passando com as despesas de alojamento e com as deslocações.

A sentença julgou a acção, totalmente, provada e procedente, e, em consequência, condenou a ré a pagar à autora a quantia de €13.053,37, acrescida de juros de mora, às taxas legais, entretanto, em vigor, desde a propositura da acção (27.09.2006) até integral pagamento, sobre a quantia de €12.684,07, e julgou a reconvenção, totalmente, improcedente, por não provada, absolvendo a autora do respectivo pedido reconvencional.

Desta sentença, a ré interpôs recurso, tendo o Tribunal da Relação julgado improcedente a apelação e, em consequência, confirmou a decisão impugnada.

Do acórdão da Relação de Lisboa, a ré interpôs recurso de revista, terminando as alegações com o pedido da sua revogação, formulando as seguintes conclusões que se transcrevem: 1ª - Inconformada a ora recorrente com o acórdão recorrido, dele vem interpor recurso de revista com fundamento em duas questões a saber: Nulidade da Sentença nos termos do artigo 668° n° 1 alínea c) do CPC, e, erro na determinação das normas jurídicas aplicadas (Arts. 916° e 917° do CCivil) com consequente erro de julgamento, mormente a aplicabilidade do art° 799° n° 1 do Cód Civil.

  1. - Questões de direito que se pretendem ver apreciadas pelo Venerando Supremo Tribunal de Justiça, em pleno exercício dos poderes que lhe estão conferidos pela Lei.

  2. - Recaia sobre a recorrida uma presunção de culpa, na produção deste evento, cabendo a esta ilidir tal presunção mediante prova em contrário...

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