Acórdão nº 832/06.6TVLSB.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 15 de Dezembro de 2009

Magistrado ResponsávelCARDOSO DE ALBUQUERQUE
Data da Resolução15 de Dezembro de 2009
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

S Privacidade: 1 Meio Processual: REVISTA Decisão: NEGADA REVISTA Sumário : I - A lei ordinária, na salvaguarda do princípio constitucional do direito de todos os cidadãos ao bom nome e reputação e à imagem, consagrado no art. 26.º da CRP, protege-os contra toda a ofensa ilícita ou ameaça de ofensa à sua personalidade física ou moral, nos termos amplos definidos no art. 70.º do CC. Essa protecção, pela via meramente civil, é exercida, normalmente, através da pertinente acção de indemnização no âmbito da responsabilidade civil extracontratual e de harmonia com os pressupostos previstos no art. 483.º, n.º 1, do CC, dispondo o art. 484.º que responde pelos danos causados, quem afirmar ou difundir um facto capaz de prejudicar o crédito ao bom nome de qualquer pessoa, singular ou colectiva.

II - A definição dos limites do direito à liberdade de imprensa, quando conflituem com outros direitos fundamentais e com igual dignidade, como o direito de qualquer pessoa à integridade moral e ao bom nome e reputação, obedece a determinados princípios consagrados na jurisprudência do STJ, do TC, bem como da jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem. Entre estes princípios são de salientar o cumprimento, na divulgação das informações que possam atingir o crédito e bom nome de qualquer cidadão, das regras deontológicas que regem a profissão de jornalista, designadamente procedendo de boa fé na sua recolha e na aferição da credibilidade respectiva antes da sua publicação.

III - Uma dessas regras deontológicas é a que vincula o jornalista a comprovar os factos que relate, ouvindo as partes com interesses atendíveis. Ou seja, as empresas que desenvolvem a actividade jornalística e os jornalistas que nela operam devem ser rigorosos e objectivos na averiguação da veracidade dos factos ou acontecimentos relatados, sobretudo quando sejam susceptíveis de afectar direitos de personalidade.

IV - Embora a liberdade de imprensa deva respeitar no seu exercício o direito fundamental do bom nome e da reputação, o jornalista não está impedido de noticiar factos verdadeiros ou que tenha como verdadeiros, em séria convicção, desde que justificados pelo interesse público na sua divulgação, podendo este direito prevalecer sobre aqueles desde que adequadamente exercido.

V - O conceito de “verdade jornalística” não tem que se traduzir numa verdade absoluta, pois, o que importa em definitivo é que a imprensa não publique imputações que atinjam a honra das pessoas e que saiba inexactas, cuja exactidão não tenha podido comprovar ou sobre a qual não tenha podido informar-se convenientemente. Mas esta comprovação não pode revestir-se das exigências da própria comprovação judiciária, antes e apenas utilizar as regras derivadas das legis artis dos jornalistas, das suas concepções profissionais sérias, significando isto que ele terá de utilizar fontes de informação fidedignas, por forma a testar e controlar a veracidade dos factos.

VI - A densificação do conceito de boa fé na divulgação, pela imprensa, de notícias de factos não verdadeiros é de crucial relevo para ajuizar se os réus (jornalistas) dela poderão beneficiar, em termos de excluir a ilicitude duma conduta passível de violação do bom nome e crédito do autor, enquanto imputando a este factos que não se provou ter cometido e em si lesivos da sua reputação, revestindo alguma complexidade.

VII- De acordo com alguma doutrina, transportável para a responsabilidade civil, essa boa fé é composta dos seguintes elementos fundamentais: 1) os factos inverídicos têm de ser verosímeis, ou seja, têm de ser portadores de uma aparência de veracidade susceptível de provocar a adesão do homem normal e não só do informador; 2) o informador terá de demonstrar que procedeu a uma averiguação séria, segundo as regras e os cuidados que as concretas circunstâncias do caso razoavelmente exigiam, provando se necessário que a fonte era idónea ou que chegou a confrontar as informações com várias fontes; 3) o informador terá de demonstrar que agiu com moderação nos seus propósitos, ou seja, que se conteve dentro dos limites da necessidade de informar e dos fins ético-sociais do direito de informar, evitando o sensacionalismo ou os pormenores mais ofensivos ou com pouco valor informativo; 4) o informador deverá demonstrar a ausência de animosidade pessoal em relação ao ofendido a fim de que a informação inverídica não possa considerar-se ataque pessoal.

Decisão Texto Integral: Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: I- AA, intentou acção declarativa, com processo comum sob a forma ordinária, contra BB, CC e P..., C... S..., S.A.

, pedindo a condenação solidária dos RR. a pagarem-lhe indemnização por danos não patrimoniais, no montante de € 125.000, acrescida de juros à taxa legal a partir da citação, bem como indemnização por danos patrimoniais a liquidar em execução de sentença.

Alegando, para tanto e em suma, que na manchete do jornal o “P...”, de 4 de Fevereiro de 2003, desenvolvida em notícia da página 2, foi tratado como presumido culpado no chamado processo Casa Pia, noticiando-se o facto falso de que a sua detenção, a 1 de Fevereiro de 2003 teria sido determinada pelo facto de se preparar para fugir, como decorreria da igualmente falsa circunstância de ter transferido para instituição bancária brasileira uma soma bastante elevada, apenas dois dias antes.

Não tendo o A., nem a sua família ou os seus advogados sido previamente contactados para prestar qualquer esclarecimento.

O 2º R. é o autor da notícia publicada na página 2 da edição em causa, sendo que o 1º R. estava então a substituir o director do jornal, tendo sido o autor da manchete da 1ª página, e tendo tido conhecimento da notícia da página 2, cuja publicação autorizou ou a que não se opôs, podendo fazê-lo.

O 3º R. é o proprietário do jornal P.... .

A divulgação de tais falsos factos foi feita pelos RR. com a consciência de as correspondentes imputações serem susceptíveis de afectar a honra do A., prejudicando o seu bom-nome.

Ocasionando, diz, grande sofrimento ao A., que se sentiu magoado e revoltado.

Mais, fomentou e consolidou o juízo de culpa acerca do A. que se instalou em parte da sociedade portuguesa, danificando irreversivelmente a sua imagem e afectando gravemente a sua possibilidade de obter novos contratos nas áreas profissionais onde sempre trabalhou.

Contestaram os RR. arguindo a excepção peremptória de prescrição do direito a indemnização, arrogado pelo A., e alegando diversas tentativas, infrutíferas, para contactar o advogado do A., “aquando da elaboração da notícia”, e a convicção de que aquela relatava factos verdadeiros – resultando tal convicção da confiança nas suas fontes jornalísticas – sustentando não serem os factos noticiados ofensivos da honra e consideração do A., nem serem aqueles “suficientemente fortes para atingir seriamente o reduto mínimo de dignidade e bem nome que o A. pode legitimamente reclamar”.

Sendo inequivocamente publicados no âmbito da função pública de imprensa.

Para além de em qualquer caso, tendo em conta o elevadíssimo número de notícias que na mesma data, nas que lhe são próximas, e até hoje, foram publicadas a propósito, ser manifestamente impossível determinar qualquer nexo de causalidade entre a publicação da notícia em causa e quaisquer danos alegadamente sofridos pelo A.

E ainda que assim não fosse, não estão preenchidos os pressupostos da responsabilidade civil da 3ª Ré., nos termos do art.º 29º, n.º 2, da lei da Imprensa.

Rematam com a procedência da excepção e a sua absolvição do pedido, “ou, caso assim não se entenda”, com a improcedência da acção… Houve réplica do A., pugnando pela improcedência da arguida excepção.

Por despacho de folhas 94 e 95 foram os RR. convidados a “suprirem as insuficiências na exposição e concretização da matéria de facto constante do art.º 16º da contestação”.

Ao que aqueles corresponderam referindo como “fontes” da dita notícia duas pessoas ligadas à investigação criminal do processo Casa Pia.

E circunstanciando a confiança depositada pelo R. CC em tais pessoas.

Respondendo o A., por impugnação, e questionando a invocação de uma fonte que não é revelada, para os efeitos de equacionar uma causa de justificação para a ofensa do direito à sua honra.

O processo seguiu seus termos, com saneamento – julgando-se improcedente a arguida excepção de prescrição – e condensação.

Tendo os 1º e 2º RR. requerido o depoimento de parte do seu comparte, foi esse requerimento indeferido por despacho de folhas 218.

Inconformados, recorreram os referidos RR., de agravo, o qual não foi conhecido por os mesmos terem sido absolvidos.

Realizada a audiência final, foi proferida sentença que julgou a acção improcedente, absolvendo os RR. do pedido.

Para o efeito, ponderou o Mmo Juiz que o R. CC, obteve de fonte tida por idónea, ligada à investigação criminal e confirmada por outra a notícia publicada, com o consentimento do 1º R. sobre a transferência de fundos bancários no dia em que o A. foi preso preventivamente no âmbito do processo Casa Pia e que nos dois dias seguintes tentou, sem êxito, contactar com o ilustre advogado deste, convencendo-se, face às circunstâncias da sua veracidade, por confiar nas pessoas que a transmitiram, ligadas à investigação, entendendo por isso, não ter o mesmo actuado com culpa e antes exercendo o seu direito a liberdade de imprensa, constitucionalmente consagrado, com cumprimento das regras próprias, sendo que, alem do mais, os graves danos na carreira e imagem pública do A resultaram, sim, do seu envolvimento naquele processo e pelos factos que lhe eram ali imputados.

O A de todo inconformado, recorreu de apelação, A Relação, ainda que com fundamentação diferente, para acentuar no caso a verificação de uma causa de justificação da ilicitude do acto praticado e em derradeira análise de exclusão de culpa, por via do exercício pelos RR do direito de liberdade da imprensa, com os cuidados requeridos para o seu exercício de forma responsável...

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