Acórdão nº 18531/11.5TDPRT.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 12 de Novembro de 2014

Magistrado ResponsávelARTUR OLIVEIRA
Data da Resolução12 de Novembro de 2014
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

O TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO – SECÇÃO CRIMINAL (QUARTA) - no processo n.º 18531/11.5TDPRT.P1 - com os juízes Artur Oliveira [relator] e José Piedade, - após conferência, profere, em 12 de novembro de 2014, o seguinte AcórdãoI - RELATÓRIO 1.

Nos Autos de Instrução n.º 18531/11.5TDPRT, do 2º Juízo do Tribunal de Instrução Criminal do Porto, em que é assistente B… e são arguidos C… e OUTROS, após o debate instrutório foi proferido despacho de não pronúncia nos seguintes termos [fls. 800-802]: «(…) Não há nulidades, exceções ou questões prévias que obstem ao conhecimento do mérito da causa.

Não se conformando com a acusação deduzida pelo crime de desobediência e de descaminho na forma tentada, vieram os arguidos, requerer a abertura da instrução pugnando pela sua não pronúncia pela não prática dos factos.

Imputa a acusação aqueles crimes aos arguidos por no âmbito de providência cautelar terem sido nomeados fieis depositários de arrolamento decretado do estabelecimento de farmácia denominado “D…”, com a advertência de que incorreriam em crime de desobediência qualificada caso infringissem a providência decretada, quando, e estando subjacente um litígio de a longos anos onde se discutia a propriedade do alvará do mencionado estabelecimento de farmácia que foi decidido pelas instâncias judiciais como integrador da universalidade do referido estabelecimento, os arguidos, não obstante conhecedores e cientes de tudo, outorgaram escritura de habilitação e partilha, incluindo nesta, como se lhes pertencesse na totalidade, o dito estabelecimento comercial que lhes permitiria obter um novo alvará e a partir daí alienar a farmácia, o que só não aconteceu porque a assistente se opôs.

Contra estes factos se opuseram os arguidos alegando que o tema foi objeto de várias consultas com os mandatários dos arguidos, Dr. E… e ainda, à data, do então falecido Dr. F… (item 13 do rai), e que por isso outorgaram a referido escritura de partilha (item 19 do rai), tendo sido sempre tranquilizados pelos mandatários que essa adjudicação em nada desfavorecia ou faria desaparecer garantias dos credores (item 53 do rai). Para prova requereram a audição do mandatário constituído Dr. E….

Cumpre apreciar decidir.

Confirmada a dispensa do sigilo profissional, foi ouvida a referida testemunha, cujo depoimento se encontra a fls.794 e 795. Aí a testemunha expende a sua opinião, ou melhor, o seu entendimento sobre a questão controvertida pela qual aconselhou os arguidos por onde pautaram as suas condutas.

Ora, para que qualquer pessoa seja submetida a julgamento não basta uma convicção que ela praticou o crime denunciado, sendo necessário que essa convicção esteja alicerçada em provas concretas, o que neste caso, na verdade, e se diga desde já, não se verifica.

A instrução tem por finalidade uma averiguação complementar da que foi levada a efeito no inquérito tendendo a um apuramento mais aprofundado dos factos, sua imputação subjectiva e enquadramento criminal, e visa tudo o que possa ter interesse para a decisão justa da causa, cfr. A. Rel. Coimbra, C.J.XVI, T II, pág.111.

Como decidiu o Ac. da Relação do Porto de 20.10.93, in CJ, T.IV, pág. 261, o Juiz só deve pronunciar o arguido quando, pelos elementos de prova recolhidos, forma a sua convicção no sentido de que é mais provável que o arguido tenha cometido o crime do que o não tenha cometido.

Á luz dos considerandos expostos, e atento os elementos probatórios, concluímos inexistir no caso concreto uma possibilidade séria de condenação em julgamento – requisito essencial para qualquer despacho de pronúncia (art.º 308º, nº 1 do C.P. Penal).

Da matéria fáctica carreada para os autos na sequência das diligências investigatória realizadas não resulta indícios de que os arguidos agiram com dolo, já que agiram sob orientação e aconselhamento de profissional devidamente habilitado. E, tratando-se de questões de índole jurídica e controvertida, não lhes era exigível outra conduta, não lhes era exigível o conhecimento de que o aconselhamento era desconforme à ordem jurídica interna «… as pessoas que exercem estavelmente uma profissão têm um “dever reforçado» de conhecer as normas jurídicas dessa profissão. Se essa deficiência não derivar de qualquer atitude interna desvaliosa, a falta de consciência da ilicitude não é censurável e exclui a culpa» cfr. Germano Marques da Silva, Direito Penal Português, Parte Geral, II, Teoria do Crime, 198, pg. 213. Se é assim quanto “ao profissional”, quanto mais a quem ele presta essa orientação profissional – a questão da licitude concreta coloca-se em que, num plano de direito, discutível e controvertido, entendiam fazerem-se corresponder às exigências desse mesmo direito.

Não agiram assim os arguidos com culpa ou consciência da ilicitude da sua conduta.

Em suma: Para que um agente possa ser penalmente responsabilizado tem de praticar um ato típico, ilícito, culposo e punível. Ou seja, tendo liberdade para se determinar de acordo com o direito não o faz e, sem causa justificativa, adota uma conduta que preenche objetiva e subjetivamente os elementos de um tipo legal de crime, verificando-se as respetivas condições de punibilidade.

O que não é o caso dos autos.

A prova produzida revela, quanto aos factos descritos na acusação constitutivos dos crimes de desobediência e descaminho na forma tentada imputados aos arguidos C…, G…, H… e I…, que estes agiram sem culpa, sem consciência da ilicitude.

Consequentemente, pela não verificação do suporte axiológico-normativo do princípio da culpa (nulla poena sine culpa), para a verificação do crime - decido não pronunciar os e ordenar o arquivamento dos autos.

(…)» 2.Inconformada, a assistente recorre, extraindo da respetiva motivação as seguintes conclusões [fls. 845-851]: «I - O Tribunal a quo não pode legitimamente — como fez - apreciar a invocada falta de consciência de ilicitude com que os arguidos agiram quando, requeridos os mesmos em arrolamento do qual foram pessoalmente notificados, e que procedeu ao arrolamento, incluindo do alvará, do estabelecimento comercial D…, procederam entre à totalidade daquele estabelecimento, por tal lhe ser sido afigurado como possível e legítimo pelos seus advogados - sem testar a racionalidade e a coerência da mesma, no caso concreto.

II - Dito de outra forma, o Tribunal a quo não pode bastar-se na tarefa de confirmar ou não confirmar a acusação deduzida, por acreditar, sem mais, na verbalização de uma versão dada pelos arguidos e ditada em depoimento por uma testemunha que foi precisamente o advogado autor do conselho supostamente responsável pela falta de consciência dos arguidos, demitindo-se da tarefa de, analisada a prova do inquérito e complementarmente produzida em sede de instrução, se assegurar que a invocada falta de consciência da ilicitude não é meramente artificial e exterior e por conseguinte, não resulta contrariada e racionalmente desautorizada pela prova junta na fase de inquérito, designadamente a que é de carácter documental.

III - Por ter acreditado sem mais na tese da testemunha que cedeu o seu conselho técnico aos arguidos, sem submeter a tese por estes agora expendida testes de racionalidade e coerência, o Tribunal a quo errou o seu julgamento quando entendeu não existirem indícios suficientes da prática dos crimes de que os arguidos vêm acusados e concluir levianamente que caso os mesmos fossem a julgamento seriam provavelmente absolvidos.

IV - Caso a atitude do Tribunal a quo tivesse sido a da procura da racionalidade da defesa concreta usada pelos arguidos, teria não só concluído que a oportunisticamente alegada falta de consciência na ilicitude dos seus comportamento pelos arguidos é irracional e despida de qualquer coerência, como teria, até, logrado confirmar e sedimentar a intencionalidade e o dolo da atuação dos mesmos e, portanto, também a culpa com que, a despeito do que alegam em sua defesa, levaram a cabo a partilha extrajudicial de um bem que sabiam bem não lhes pertencer na totalidade e que tinham a plena e cabal consciência de não poder dispor naquela proporção global.

V - A decisão de não pronúncia iliba antecipadamente os arguidos por considerar que o que está em causa é uma questão jurídica controversa, pelo que é racional, que consultado um advogado e tendo este aconselhado que os mesmos podiam proceder à partilha extrajudicial do estabelecimento de D…, estes, ao conformar-se com tal conselho...

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