Acórdão nº 1464/11.2TBSTS.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 20 de Outubro de 2014

Magistrado ResponsávelALBERTO RU
Data da Resolução20 de Outubro de 2014
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Tribunal da Relação do Porto – 5.ª secção.

Recurso de Apelação.

Processo n.º 1464/11.2TBTST do Tribunal Judicial da Comarca de Santo Tirso – 3.º Juízo Cível.

*Juiz relator – Alberto Augusto Vicente Ruço.

  1. Juiz-adjunto……Joaquim Manuel de Almeida Correia Pinto.

  2. Juiz-adjunto…….Ana Paula Pereira de Amorim.

*Sumário: I. Consistindo a servidão num encargo estabelecido sobre o prédio serviente que simetricamente resulta numa vantagem ou utilidade para o prédio dominante (artigo 1543.º do Código Civil), as obras executadas no prédio serviente só são ilícitas se implicarem um aumento do encargo ou incómodo suportado pelo prédio serviente, que extravase a extensão e o modo de exercício da servidão, nos termos dos artigos 1564.º do Código Civil.

  1. Consistindo a servidão na passagem a pé, com motorizada e veículo automóvel através do prédio serviente, por um caminho com 28,80 metros de comprimento, por 03,34 metros de largura, o alargamento do portão existente à entrada do prédio dominante para 03,00 metros de largura, com uma folha a abrir para o prédio serviente e a colocação de um pavimento em cimento no prédio serviente, com o comprimento/profundidade de 1,20 metros, por 3,25 metros de largura, de modo a formar uma rampa para essa entrada, não tornam, para efeitos do disposto no n.º 1, do artigo 1566.º do Código Civil, a servidão mais onerosa.

    *Recorrentes (Autores)……………..

    B… e esposa C…, residentes em o Rua …, n.º …, ….-… ….

    Recorridos (Réus)……………………D… e esposa E…, residentes em Rua …, n.º …, ….-… ….

    *I. Relatório.

    1. A questão de fundo debatida no presente processo respeita ao exercício de uma servidão de passagem da qual os réus recorridos são titulares e relativamente à qual os autores, donos do prédio serviente, entendem estar a ser levado a cabo (o exercício) com violação do direito de propriedade que detêm sobre o prédio.

      Demandaram os réus, por essa razão, para obterem a condenação destes a «…reduzirem para a largura de 2,3 (dois virgula três) metros entre tranqueiros, a largura da abertura existente no seu prédio sobre o prédio dos AA. (narrada nas al. a) do n.º 23 e al. a) do n.º 24 desta petição inicial); d) ou subsidiariamente ao pedido da al. c) (o pedido anterior) recuarem a sua entrada (portão e tranqueiros que o suportam) para dentro do seu prédio afastando-o 1,5 (um virgula cinco) metros da confrontação do seu prédio (dos RR.) com o prédio dos AA.; e) serem os RR. condenados (cumulativamente) a porem a funcionar a folha do portão, descrita na al. b) do n.º 23 e al. b) do n.º 24 desta petição inicial, de modo a que a mesma não invada o prédio dos AA. no seu funcionamento (ou seja no mesmo funcionamento não ultrapasse, para o lado do prédio dos AA. a linha de delimitação do prédio dos RR.); f) serem os RR. condenados a providenciarem para que seja retirada a camada de cimento composto que colocaram no prédio dos AA. e que se descreve na al. c) do n.º 23 e al. c) do n.º 24 desta petição inicial, desde logo lhe sendo fixado um prazo não superior a dez dias; g) serem os RR. condenados a pagar aos AA. uma indemnização pelos danos e incómodos causados aos AA. pela sua actuação (dos RR.) de valor nunca inferior a €1.500,00 (mil e quinhentos euros) mas que melhor se liquidará em execução de sentença…».

      Os réus deduziram reconvenção e pediram, por sua vez, que o tribunal declarasse «…que o portão com as características referidas em 23º da p.i. e a camada de cimento aí também mencionada, fazem parte integrante do exercício do direito de servidão legal de passagem já judicialmente declarado a favor do prédio dos réus, sendo os Autores condenados a reconhecer tal e a absterem-se de por qualquer modo ou forma, perturbarem ou impedirem o livre exercício por parte dos réus daquele direito, tudo com custas e demais encargos pelos Autores».

      No final foi proferida sentença a julgar a acção improcedente e procedente, em parte, a reconvenção, nestes termos: «a) Declara-se que o portão com as características referidas em 23º da p. i. e a camada de cimento aí também mencionada, fazem parte integrante do exercício do direito de servidão legal de passagem já judicialmente declarado a favor do prédio dos réus-reconvintes D… e E…; b) Condena-se os autores-reconvindos a reconhecer o aludido em 2) e a absterem-se de por qualquer modo ou forma, perturbarem ou impedirem o livre exercício por parte dos réus-reconvintes daquele direito».

    2. É desta decisão que os autores recorrem, formulando as seguintes conclusões: «I – (…).

      II – Os AA. impugnam, neste recurso, quer a decisão proferida sobre a matéria de facto, quer aquela proferida sobre a matéria de direito.

      III – Deveriam os factos constantes dos n.ºs 18, 22, 24, 25, 27, 28 e 29 do elenco dos factos provados ter recebido, todos e cada um deles, a resposta de: não provado.

      IV – Impõe-se, a este respeito, considerar o depoimento das testemunhas arroladas pelos AA., nomeadamente: A/ F…; B/ G…; C/ H…; D/ I…; E/ J….

      IV – A estes depoimentos há que acrescentar, entretanto, o documento junto aos autos pelos AA., a fls. 159 e 160 dos autos, e que reproduz a douta acusação pública deduzida pelo Ministério Público de Santo Tirso contra o arguido D… (aqui R. marido) por factos por este praticados em 29/07/2000, na Rua …, …, Santo Tirso, que consubstanciavam a prática de um crime de ameaças e em que era ofendido a aqui testemunha G….

      V – Assim, dúvidas não restam aos AA., aqui recorrentes, que a matéria factual apurada em sede de audiência de julgamento não permite que se dê, como é dado na sentença recorrida, como provado o constantes dos referidos n.ºs 18, 19, 22, 24, 25, 27, 28 e 29 daqueles elencados nos factos provados.

      VI – Devendo, em consequência do presente recurso, ser alterada a resposta a tal matéria de facto de modo a que à mesma seja respondido: não provado.

      VII – No que toca à discussão do aspeto jurídico da causa, deve proceder o pedido dos AA. para que os RR. retirem a rampa que fizeram no prédio serviente bem como a parte do portão destes RR. que abre, agora, para o prédio dos AA..

      VIII – No presente caso, é evidente que as obras levadas a cabo pelos RR.: - tornam mais onerosa a servidão; - podiam ser feitas dentro do prédio dominante sem qualquer estorvo para este; - prejudicam, sem motivo justificativo, o prédio dos AA..

      IX – De facto, por mero capricho, os RR. fazem no prédio serviente aquilo que deviam fazer no seu prédio dominante pois que aí podiam ter feito a referida rampa (já no seu prédio) e para aí colocavam o portão a abrir! X – Acresce que ao decidir como decidiu, a douta sentença não observou o disposto no referido art. 1565.º do Cód. Civil já que, com a procedência da reconvenção, reconheceu e legitimou um modo de exercício da servidão legal de passagem que ofende aquela disposição legal já que causa prejuízo ao prédio serviente e os RR. tinham outra forma de usar tal servidão, com integral fruição das normais necessidades, fazendo tais obras no seu prédio somente.

      XI – Pelo que sempre havia de ser julgado improcedente o pedido reconvencional formulado pelos RR.

      XII – A, aliás douta, sentença recorrida violou o disposto nos art. 1305.º, 1311.º, 1312.º, 1316.º, 1344.º, 1360.º, 1564.º, 1565.º, todos do Cód. Civil. Célia Varela (13-05-2014 10:41:02) Página 324 de 354 Nestes termos e nos mais de direito aplicável: a) Deve ser considerada impugnada a decisão sobre a matéria de facto nos termos expostos e, nos mesmos termos, ser alterada, b) Bem como de ser considerada impugnada a decisão sobre a matéria de direito dos autos (na parte que expressamente se impugna) e, em consequência a mesma ser revogada; c) E substituída por, aliás douto, acórdão que contemple as conclusões aqui expressas; d) Pois que assim se fará INTEIRA JUSTIÇA».

    3. Os recorridos contra-alegaram, pugnando pela manutenção da decisão sob recurso.

      Finalizaram as contra-alegações da seguinte forma: «- Todas as conclusões do recurso devem ser improcedentes; - A matéria dada como provada, foi-o com base nos depoimentos testemunhais e no teor dos documentos juntos; - Tal decisão de facto, está devidamente fundamentada pelo Tribunal; - Nenhum reparo merece a decisão sobre a matéria de facto, que deverá manter-se nos seus precisos termos em que se encontra; - Face á matéria dada como provada, não restava outra alternativa que não a decisão proferida; - Nenhum normativo legal foi violado, muito menos os referidos no douto recurso; - Deve manter-se a douta sentença nos precisos termos em que foi doutamente proferida.

      Nestes termos e nos demais de Direito que Vªs Exªs doutamente suprirão, deve ser negado provimento ao presente recurso e em consequência, deve manter-se inalterada a matéria dada como provada em 1ª Instância, bem como inalterada deve manter-se a douta decisão recorrida, com o que se fará JUSTIÇA».

  2. Objecto do recurso.

    A primeira questão colocada no recurso respeita à impugnação da matéria de facto julgada provada e não provada, pretendendo os recorrentes obter uma resposta negativa quanto aos factos dos números 18, 19, 22, 24, 25, 27, 28 e 29 declarados «provados» na sentença.

    Em segundo lugar, em sede de aplicação da lei aos factos, cumpre verificar se a matéria de facto provada revela um exercício da servidão em desconformidade com as normas legais aplicáveis – artigos 1564.º a 1566.º do Código Civil –, tornando mais onerosa a servidão e se as obras podiam ter sido feitas dentro do prédio dominante sem qualquer estorvo para este e, por fim, se as mesmas prejudicam, sem motivo justificativo, o prédio dos autores.

  3. Fundamentação.

    1. Como acabou de se referir, a primeira questão colocada no recurso respeita à impugnação da matéria de facto julgada provada e não provada, pretendendo os autores recorrentes obter uma resposta negativa aos factos dos números 18, 19, 22, 24, 25, 27, 28 e 29 declarados provados na sentença.

      Vejamos então.

      Desde já se afasta a análise do facto n.º 19 uma vez que este não existe na sentença.

      1 - Os factos em questão são estes: «18. Os Autores não...

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