Acórdão nº 379/09.9YFLSB de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 15 de Dezembro de 2009

Magistrado ResponsávelHELDER ROQUE
Data da Resolução15 de Dezembro de 2009
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

S Privacidade: 1 Meio Processual: REVISTA Decisão: CONCEDIDA Sumário : I - Tratando-se de oposição à execução baseada em título executivo extrajudicial, pode o oponente invocar, sem qualquer limite temporal, todas as causas impeditivas, modificativas ou extintivas do direito do exequente, e até, por vezes, negar os factos constitutivos do mesmo direito, achando-se na mesma posição em que se encontraria perante a petição inicial de uma acção declarativa.

II - A alegação do executado, na oposição à execução, segundo a qual é falso que as letras exequendas tenham sido do seu aceite, mas da exequente, não pode qualificar-se como contendo factos novos, no sentido de factos, cronologicamente, diversos dos articulados pela exequente, antes que o facto invocado por esta se passou de modo diferente daquele como a mesma o apresenta.

III - Deste modo, não se trata de factos constitutivos de excepção, que deveriam ser alegados e provados pelo oponente, mas antes de factos constitutivos de negação motivada, que deveriam ter sido alegados e provados pela exequente, por não envolverem para quem o faz o ónus da prova dos factos que a constituem, sob pena de colocar o réu em posição mais desfavorável do que na negação simples, em que lhe não pertence o respectivo ónus da prova IV - O processo de prestação de contas é o lugar próprio para proceder ao confronto das posições recíprocas do saldo credor e devedor entre mandante e mandatário, em que se consubstanciam as posições do condomínio e do seu administrador, respectivamente.

V - Ao subscrever letras de câmbio pelo condomínio executado, aceitando o saque que sobre este a exequente, administradora do condomínio, accionou, não tendo obtido autorização da assembleia de condóminos, nem se estando perante um acto incluído no âmbito das funções que lhe competem, não actuou como representante e em nome do executado, mas em nome próprio, não tendo poderes para o obrigar, numa situação de representação sem poderes e não de abuso de representação, sendo, consequentemente, o acto ineficaz, em relação ao mesmo, que o não ratificou.

Decisão Texto Integral: ACORDAM OS JUÍZES QUE CONSTITUEM O SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA: O “Condomínio do Prédio Urbano em Regime de Propriedade Horizontal”, sito na Avª ..., nºs 74 a 74-A, C, Lisboa, na execução com processo comum, sob a forma ordinária, para pagamento de quantia certa, que lhe move a exequente “AA, Construções, Ldª”, com sede no Campo ..., nº 00, 1º, dtº, Lisboa, veio deduzir oposição à execução, pedindo que, na sua procedência, seja julgada extinta, no seu todo, a instância executiva, alegando, para o efeito, e, em síntese, que a presente execução constitui um expediente ilícito e abusivo tendente a obter uma quantia do executado, ora oponente, que a exequente sabe não ser devida, tendo esta, para tal, ficcionado as duas letras que traz à execução, sendo falso que as mesmas tenham sido aceites pelo oponente e que se destinassem a "reembolso de pagamentos da s/conta", tudo acontecendo sem poderes da exequente para obrigar o executado.

Impugna, também, as datas de emissão e a assinatura apostas nas letras, na qualidade de sacador, mas que a assinatura colocada no lugar do aceitante é da autoria de António ..., que nunca foi administrador do condomínio, qualificando a situação como um negócio consigo mesmo, operado pela exequente, ao aceitar letras em seu próprio favor.

Além do mais, a emissão de letras pelo administrador do condomínio extravasa o âmbito da sua autonomia, norteada pela prossecução do interesse do condomínio, sempre sujeito e espartilhado pelas decisões da assembleia de condóminos, a qual nunca concedeu poderes à exequente para as aceitar, desconhecendo a dívida e acusando esta de abuso de direito.

Na contestação, a exequente sustenta que deve ser julgada improcedente toda a oposição, prosseguindo a execução em conformidade com o peticionado no requerimento inicial.

A sentença julgou a oposição à execução, procedente por provada, declarando extinta a execução.

Desta sentença, a exequente interpôs recurso, tendo o Tribunal da Relação julgado procedente a apelação, revogando a sentença impugnada e ordenando o prosseguimento da execução.

Do acórdão da Relação de Lisboa, o executado-oponente interpôs, por seu turno, recurso de revista, terminando as alegações com o pedido da sua revogação, julgando-se a oposição à execução procedente e, consequentemente, extinta a execução, formulando as seguintes conclusões, que se transcrevem: 1ª – Como administrador do condomínio executado, a exequente era uma mandatária desse mesmo condomínio com poderes de representação, com o dever de agir não só por conta do mandante, mas também em nome e no interesse deste; 2ª - Os poderes que foram conferidos pelo executado à mandatária/exequente são poderes-deveres, ou seja, poderes que têm obrigatoriamente que ser exercidos no interesse de outrem, no caso no interesse do executado ora recorrente; 3ª - O mandato é um contrato que deve ser executado de acordo com os princípios da boa fé (art° 762°, n° 2, do C.C.), ou seja, os princípios da tutela da confiança e da primazia da materialidade subjacente; 4ª - A boa fé exige que as partes num contrato cumpram determinados deveres recíprocos de conduta, como são os deveres de protecção, de lealdade e de informação, cuja violação é ilícita e susceptível de gerar responsabilidade civil contratual; 5ª - Um mandatário a quem foram conferidos poderes de representação e cujo contrato com o mandante foi celebrado no interesse único e exclusivo deste último - como era caso do contrato entre a ora exequente então administradora e o condomínio executado - não pode usar licitamente esses poderes-deveres, que formalmente detém, em seu próprio, único e exclusivo benefício, para mais com prejuízo flagrante dos interesses do mandante, o que foi precisamente o que a exequente fez ao aceitar, em representação do condomínio executado, aquelas letras de câmbio de que era sacadora e beneficiária; 6ª - A exequente não logrou demonstrar o valor dos seus alegados créditos em sede de assembleia de condomínio, pois as contas por si apresentadas foram rejeitadas, nem recorreu ao meio processual adequado (art° 1014° do C.P.C.) para demonstrar em Tribunal a correcção das contas que pretendia ver aprovadas; 7ª - Enquanto foi mandatária do condomínio executado, a exequente AA violou sistematicamente as obrigações que para si decorriam da lei e do contrato de mandato celebrado com o executado, e é contrário ao Direito e à boa fé que possa prevalecer-se do resultado dessas violações - em especial das suas obrigações de apresentar e fazer aprovar orçamentos e contas anuais -, precisamente contra quem foi lesado pelas suas condutas omissivas; 8ª - A exequente ao apor, em representação do executado, o aceite nas letras que baseiam a presente execução, não prosseguiu nenhum interesse do condomínio ora recorrente, só prosseguiu os seus próprios interesses, que, para mais, eram flagrantemente conflituantes com os do mandante; 9ª - No caso dos autos o que se verifica, no que respeita ao aceite pela exequente das letras dadas à execução, é um patente e consciente abuso dos poderes de representação que o recorrente conferira à exequente.

  1. - A consequência desse abuso de poderes de representação é a prevista no art° 8o da LULL, ou seja, as letras são ineficazes em relação ao representado, vinculando apenas o representante que as aceitou abusando dos seus poderes.

  2. - A assembleia de condóminos do condomínio executado não rejeitou as contas apresentadas pela exequente liminarmente e por razões formais, antes rejeitou essas contas por razões substanciais que indicou e a exequente não ficou, por causa dessa rejeição, exonerada da obrigação de prestar contas da sua gestão do condomínio; 12ª - Ao interpretar as declarações produzidas pelos condóminos que constam dos documentos reproduzidos nos pontos 4 a 6 da matéria de facto, no sentido em que o fez, o Tribunal "a quo" violou o disposto no art° 236° do C.C.; 13ª...

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