Acórdão nº 926/11.6TJVNF.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 13 de Outubro de 2014

Magistrado ResponsávelCARLOS QUERIDO
Data da Resolução13 de Outubro de 2014
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Processo n.º 926/11.6TJVNF.P1 Sumário do acórdão: I. Do facto de a lei considerar válida a deliberação social caso se mantenha a maioria necessária para a aprovação, desconsiderados os votos abusivos, decorre a conclusão de que é o vício do voto que afecta a validade da deliberação, face ao disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 58.º do CSC. Ou seja: o vício incide primordialmente sobre o voto e só reflexamente sobre a deliberação.

  1. A classificação do voto como abusivo à luz do normativo citado implica cumulativamente que se verifiquem: os pressupostos objectivos (adequação da deliberação ao propósito ilegítimo dos associados); e subjectivos (intenção de obter uma vantagem especial para os sócios que votaram a deliberação ou para terceiros ou de causar prejuízos à sociedade ou aos restantes sócios).

  2. Apesar de serem figuras distintas, podem convergir na mesma situação concreta o “voto abusivo” previsto na alínea b) do n.º 1 do artigo 58.º do CSC, e o abuso de direito, previsto no artigo 334.º do Código Civil.

  3. Assumindo a ré sociedade uma deliberação em que se determinava a realização de prestações suplementares pelos sócios a seu favor, tendo a autora, sócia da ré, intentado uma acção com vista à anulação da referida deliberação e informado a ré de que realizaria a prestação apesar da sua discordância caso o Tribunal viesse a considerar a deliberação válida, ao expulsar a autora e determinar a imediata perda da sua quota, na pendência da referida acção e depois de a ter contestado, a ré age com manifesto abuso de direito.

    Acordam no Tribunal da Relação do Porto I. Relatório B… intentou contra os réus C…, Lda. e D…, acção declarativa de condenação, com forma de Processo Ordinário que sob nº 926/11.6TJVNF, correu termos no 1º Juízo Cível de Vila Nova de Famalicão, alegando em síntese, como fundamento da sua pretensão: a autora é sócia da sociedade comercial por quotas “C…, Lda.”, aqui ré, com uma quota de 50 000,00 Euros, incumbindo actualmente a gerência ao 2º réu e a E…, embora esta não a exerça de facto; o 2º réu, na qualidade de gerente da 1ª ré, procedeu à convocatória de todos os sócios, para uma Assembleia Geral Extraordinária, agendada para o dia 24 de Fevereiro de 2011, a qual teve lugar, apesar da autora ter solicitado o adiamento, invocando motivos de saúde; foi deliberado sob o ponto 3 da Assembleia Geral Extraordinária da 1ª ré, a obrigatoriedade de os sócios realizarem prestações suplementares na 1ª ré, no montante de 150.000,00 Euros, cabendo à aqui autora o valor de 50.000,00 Euros; tal deliberação é nula por violar norma imperativa; por outro lado, as deliberações tomadas sob os nºs 1 e 2 são anuláveis, pois que constituem apenas uma manifestação do 2º réu com vista a obter vantagem especial para si em prejuízo da autora, pretendendo afastar a autora a todo o custo da sociedade, de molde a prosseguir a sua administração, segundo a sua própria vontade e interesses.

    Conclui formulando a seguinte pretensão:

    1. Que sejam consideradas nulas as deliberações tomadas na Assembleia – Geral Extraordinária da 1ª ré, realizada em 24/02/2011, com fundamento nas razões invocadas sob os art. 16º a 18º, nos termos do art. 56º/1 a) do CSM; B) Que seja considerada nula a deliberação tomada sob o ponto 3 – Prestações Suplementares – da Assembleia – Geral Extraordinária da 1ª ré, realizada em 24/02/2011, por violação de norma legal imperativa, nos termos descritos sob os art. 20º a 28º; C) Que sejam anuladas as deliberações sociais relativas à propositura da acção judicial de exclusão a autora e de nomeação do sócio D…, aqui 2 réu, como representante especial da sociedade 1ª ré para propositura de tal acção; Os réus contestaram, impugnando a factualidade alegada, preconizando a improcedência da nulidade da deliberação com base em vício de procedimento, a improcedência da nulidade da deliberação tomada sob o ponto 3 e a improcedência da anulabilidade, por abuso de direito, das deliberações tomadas sob os pontos 1 e 2.

      A autora replicou concluindo como na petição inicial.

      Foi elaborado o despacho saneador que fixou a matéria assente e a base instrutória, tendo si eduzida reclamação, deferida por despacho de 5.01.2012 (fls. 172).

      Corria termos também no 1º Juízo Cível de Vila Nova de Famalicão, sob o nº 2751/11.5TJVNF, uma acção declarativa na qual a mesma autora, B…, demandou os mesmos réus C…, Lda. e D…, peticionando a anulação das deliberações sociais tomadas em Assembleia Geral Extraordinária de 29 de Julho de 2011 e ainda a condenação dos réus no pagamento de uma indemnização no valor de 40.000,00 Euros, pelos danos não patrimoniais causados pela aprovação das referidas deliberações.

      Alega em síntese a autora na referida acção: é sócia da sociedade comercial por quotas “C…, Lda.”, aqui ré, com uma quota de 50.000,00 Euros, incumbindo actualmente a gerência ao 2º réu e a E…, embora esta não a exerça de facto; sem a presença da autora e sob protesto desta, os restantes sócios da 2.ª ré reuniram-se em Assembleia Geral Extraordinária, em 24/02/2011, com a seguinte Ordem de Trabalhos: “1 – Analisar a conduta da sócia B… para com a sociedade e deliberar sobre a necessidade de proposição da acção judicial prevista no art. 242º/1º do CSC, tendo em vista a exclusão judicial daquela da sociedade, definindo, se for caso disso, o respectivo âmbito e fundamentos; 2 – Nomear, se for caso disso, um representante especial da sociedade que a represente no âmbito da supra referida acção judicial de exclusão, definindo os respectivos poderes de representação; 3 – Aprovar e definir o regime das prestações suplementares a prestar pelos sócios à sociedade, fixando, nomeadamente, quer o montante exigível, quer o respectivo prazo de prestação.”; na referida Assembleia Geral, os restantes sócios deliberaram, nomeadamente, considerar que a conduta da autora “consubstancia um comportamento desleal”; mais deliberaram fixar um regime de prestações suplementares a pagar pelos sócios à sociedade; inconformada com o teor das deliberações tomadas na Assembleia Geral Extraordinária, a autora intentou contra os réus a acção principal (926/11.6TJVNF) com vista à anulação das mencionadas deliberações e na pendência da referida acção – na qual, além do mais, impugnou a deliberação que impõe aos sócios a obrigação de efectuar as descritas prestações suplementares, a ré dirigiu à autora a carta de 11 de Abril de 2011, exigindo o cumprimento do valor fixado a esse título e que se salda em 50.000,00 Euros, valor que a autora não pagou, justificando a sua recusa; a autora foi então convocada para uma Assembleia Geral Extraordinária marcada para o dia 29 de Julho de 2011, a qual teve lugar no referido dia e na qual se deliberou excluir a autora da condição de sócia, deliberação essa que é anulável; a referida deliberação causou à autora danos morais para cuja compensação a autora reclama 40.000,00 Euros.

      Os réus contestaram excepcionando a ilegitimidade da autora e alertando para o facto de não poder ser apreciada nestes autos a questão do carácter abusivo do regime de prestações suplementares, posto que isso refere-se à deliberação de 24/02/2011, relativamente à qual esse vício não foi suscitado.

      A autora respondeu às excepções, pugnando pela sua improcedência e concluindo como na petição.

      Foi elaborado o despacho saneador que fixou a matéria assente e a base instrutória, julgando improcedente a excepção de ilegitimidade e relegando para final o conhecimento da excepção de abuso de direito.

      Foi determinada a apensação das acções.

      Consta da acta da primeira sessão da audiência de julgamento (acta de fls. 263), de 22 de Outubro de 2013: «[…] Após tal conferência, foi pedida a palavra pelos ilustres mandatários das partes e no uso da mesma disseram, que acordam em reformular o despacho saneador, nos seguintes termos, na Acção principal: Ponto 4º da base Instrutória - provado por acordo; Ponto 5º da base Instrutória - provado por acordo; Ponto 6º da base Instrutória - provado por acordo; Ponto 6º da base Instrutória - provado por acordo Ponto 7º da base Instrutória - provado por acordo Ponto 8º da base Instrutória - provado por acordo, até " 25/2/2011", mantendo-se controvertido o restante segmento do quesito ; Ponto 10º da base Instrutória - provado por acordo desde “em 19-10-99 ...” até final.

      Ponto 11º da base Instrutória - provado por acordo; Ponto 13º da base Instrutória - provado por acordo, desde “os sócios ...” até final; Ponto 14º da base Instrutória - provado por acordo Ponto 15º da base Instrutória - provado por acordo No processo apenso, as partes acordam consignar como provados os seguintes quesitos: Ponto 2º da base Instrutória - provado por acordo; Ponto 3º da base Instrutória - provado por acordo Ponto 4º da base Instrutória - provado por acordo; Ponto 5º da base Instrutória - provado por acordo; Ponto 30º da base Instrutória - provado por acordo; Ponto 41º da base Instrutória - provado por acordo…[…]».

      Realizada a audiência de discussão e julgamento, foi proferida sentença com o seguinte dispositivo: «Pelo exposto, julgo a ação principal totalmente improcedente e parcialmente procedente a ação apensa e, em consequência: - anulo a deliberação de 29 de Julho de 2011; - No mais, absolvo os réus dos pedidos contra eles formulados.

      Custas da ação principal pela autora.

      Custas da ação apensa por autora e réus, na proporção do decaimento, que desde se já se fixa de 2/15 para a primeira e 3/5 para os segundos.

      Registe e notifique.».

      Não se conformaram os réus e interpuseram recurso de apelação, apresentando alegações, onde formulam as seguintes conclusões:

    2. Da impugnação da matéria de facto: A.1) Da resposta aos quesitos 5º, 6º e 15º da B. I. (FP 5.54, 5.55 e 5.62): A) Entendem os Réus que os quesitos 5º, 6º e 15º da Base Instrutória do Apenso A (Processo n.º 926/11.6TJVNF-A), respectivamente Factos Provados 5.54, 5.55 e 5.62 da sentença recorrida, foram incorrectamente julgados, pois, atendendo à prova constante dos autos, a...

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