Acórdão nº 1234/12.0TMPRT-A.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 09 de Outubro de 2014

Magistrado ResponsávelDEOLINDA VAR
Data da Resolução09 de Outubro de 2014
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Proc. nº 1234/12.0TMPRT-A.P1 – 3ª Secção (Apelação) Incumprimento das Responsabilidades Parentais – 2º Juízo de Família e Menores do Porto Rel. Deolinda Varão (849) Adj. Des. Freitas Vieira Adj. Des. Madeira Pinto Acordam no Tribunal da Relação do Porto I.

B…, em representação do seu filho menor, C…, deduziu incidente de incumprimento das responsabilidades parentais contra a progenitora deste, D…, alegando que a requerida não tem efectuado o pagamento da prestação de alimentos fixada ao menor.

A requerida não deduziu oposição.

Foram solicitadas informações à Segurança Social sobre a situação económica da requerida e foi solicitada ao ISSS a elaboração de relatório sócio-económico relativo ao agregado familiar em que o menor se encontra inserido.

Percorrida a tramitação subsequente, foi proferida decisão que julgou verificado o incumprimento das responsabilidades parentais pela requerida no que respeita ao pagamento da prestação de alimentos e ficou em € 100,00 o montante mensal a prestar pelo Estado ao menor, em substituição da requerida.

O FUNDO DE GARANTIA DE ALIMENTOS DEVIDOS A MENORES recorreu, formulando, em síntese, as seguintes CONCLUSÕES 1ª – O Tribunal a quo não aplicou a nova redacção da al. b) do nº 1 do artº 3º do DL 164/99, de 13.05, introduzida pela Lei 64/12, de 20.12, donde passou a considerar-se para efeitos de valor de referência a ter em conta para efeitos de apuramento do rendimento per capita do agregado familiar do menor, o indexante dos apoios sociais (IAS), em vez do salário mínimo nacional.

  1. – O Tribunal recorrido considerou para efeitos de valor de referência a ter em conta para efeitos de apuramento do rendimento per capita do agregado familiar do menor, o salário mínimo nacional.

  2. – Do despacho recorrido não consta quais os rendimentos que foram considerados e qual foi a forma de ponderação de cada elemento do mesmo [agregado familiar], para efeitos de apuramento da capitação de rendimentos [artº 1º, in fine, da Lei 75/98, e artº 3º, nºs 1, al. b), 2, 3 do DL 164/99].

  3. – O despacho é assim, nulo, por falta de fundamentação legal – face à não aplicação dos critérios legais em vigor à data do despacho – e factual, violando o disposto nos artigos 154º e 615, nº 1, al. b), ambos do CPC.

  4. – Foi também violado o princípio do contraditório, estatuído nos artºs 3° e 415°, nº 1, do CPC, segundo os quais, enquanto parte, nenhuma questão de direito ou de facto pode ser decidida sem que tenha tido possibilidade de sobre ela se pronunciar, nem admitida ou produzida prova sem que tal ocorra – neste sentido, vd. Ac. proferido no agravo nº 20030B/1999.P2.de 26/06/2012.

  5. – Sobre a impossibilidade de ser fixada ao FGADM uma prestação superior a que se encontrava vinculado o progenitor em incumprimento, já se pronunciaram os Tribunais Superiores, referindo-se entre outros, os acórdãos proferidos pelo TRL, de 30.01.14, proc. 130/06.5TBCLD-E.L1-6; de 30.01.14, proc. 306/06.5TBAGH-A.L1-6; de 19.12.13, proc. 122/10.0TBVPV-B.L1-6; de 12.12.13, proc. 2214/11.9TMLSB-A.L1-2; de 08.11.12, proc. 1529/03; o acórdão do TRC, de 19.02.13, proc. 3819/04; o acórdão proferido pelo TRP, de 10.10.13, proc. 3609/06.5; de 25.02.13, proc. 30/09; e o acórdão proferido pelo TRE, de 14.11.13, proc. 292/07.4.

  6. – A obrigação de prestação de alimentos pelo FGADM é autónoma da prestação alimentícia decorrente do poder paternal e não decorre automaticamente da lei, sendo necessária uma decisão judicial que a imponha, ou seja, até essa decisão não existe qualquer obrigação.

  7. – O nº 1 do artº 3º da Lei 75/98 não deixa dúvidas que o montante que o tribunal fixa a cargo do Estado é para este prestar "em substituição do devedor".

  8. – Existe uma "substituição", apenas enquanto houver a obrigação original, por se verificarem os seus pressupostos e ocorrer incumprimento da mesma, o que seria diferente se estivéssemos perante uma obrigação diversa, desligada da originária.

  9. – A sub-rogação não pode exceder a medida da sub-rogação total, porquanto, se o terceiro paga mais do que ao devedor competia pagar, ele não tem o direito de exigir do devedor o reembolso pelo excesso, e só poderá exigir do credor a restituição do que este recebeu indevidamente - cfr. artº 593° do CC – é legítimo concluir-se que, ao estabelecer esta sub-rogação legal, o legislador não podia deixar de ter implícito que a prestação a cargo do Fundo nunca poderia ser superior ao montante máximo da prestação alimentícia a que o menor tinha direito.

  10. – Não tem qualquer suporte legal fixar-se uma prestação alimentícia a cargo do FGADM superior à fixada à progenitora, pois a diferença que daí resulta é fixada apenas para o FGADM e é uma obrigação nova.

  11. – A manter-se a decisão, a obrigação e responsabilidade de prestar alimentos deixará de ser imputável à progenitora obrigada, passando a ser única e exclusivamente da responsabilidade do FGADM.

  12. – Existiu, assim, violação do disposto no nº 1 do artº 5º do DL 164/99, de 13.05, uma vez que o FGADM não é o obrigado à prestação de alimentos, assumindo apenas a obrigação, como interveniente acidental que se substitui à progenitora [obrigada judicialmente] incumpridora.

O MINISTÉRIO PÚBLICO contra-alegou, pugnando pela improcedência do recurso.

Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

*II.

O Tribunal recorrido considerou provados os seguintes factos: O menor vive com o progenitor e a avó paterna, sendo os rendimentos do agregado familiar provenientes do subsídio de desemprego do progenitor e da pensão de reforma da avó paterna, tudo no montante global de € 631,03/mês.

O mesmo agregado tem despesas mensais, no montante global de € 862,84, sendo as específicas relativas ao menor, no montante de € 170,84/mês.

Está ainda provado o seguinte facto: Por decisão de 10.06.123, proferida no processo principal, foi fixada a cargo da requerida e a favor do seu filho menor a que se reportam os autos, a pensão de alimentos no valor mensal de € 30,00.

*III.

As questões a decidir – delimitadas pelas conclusões da alegação do apelante – são as seguintes: - Se a decisão recorrida é nula por falta de fundamentação de facto e de direito; - Se não foi cumprido o contraditório relativamente ao apelante; - Se, para efeitos de apuramento do rendimento per capita do agregado familiar do menor deve ser utilizado o indexante dos apoios sociais (IAS), em vez do salário mínimo nacional; - Se o montante da pensão de alimentos a cargo do FGADM está limitado pelo montante da pensão fixada judicialmente à progenitora do menor.

  1. Nulidade da decisão As causas de nulidade da sentença ou de qualquer decisão são as que vêm taxativamente enumeradas no nº 1 do artº 615º do CPC – na versão introduzida pela Lei 41/13, de 26.06 (cfr. artºs 5º, nº 1 e 7º, nº 1), à qual pertencem todas as normas do CPC adiante citadas sem outra menção.

    Nos termos daquele preceito, é nula a sentença quando: a) Não contenha a assinatura do juiz; b) Não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão; c) Os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível; d) O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento; e) O juiz condene em quantidade superior ou em objecto diverso do pedido.

    Com excepção da 2ª parte da al. c), o artº 615º, nº 1 reproduz o artº 668º, nº 1, na versão anterior à introduzida pela Lei 41/13, pelo que continuam a ser válidas as considerações doutrinais tecidas a propósito das normas deste preceito.

    Os vícios determinantes da nulidade da sentença correspondem a casos de irregularidades que afectam formalmente a sentença a provocam dúvidas sobre a sua autenticidade, como é a falta de assinatura do juiz, ou ininteligibilidade do discurso decisório por ausência total de explicação da razão por que decide de determinada maneira (falta de fundamentação), quer porque essa explicação conduz, logicamente, a resultado oposto do adoptado (contradição entre os fundamentos e a decisão), ou uso ilegítimo do poder jurisdicional em virtude de pretender conhecer questões de que não podia conhecer (excesso de pronúncia) ou não tratar de questões de que deveria conhecer (omissão de pronúncia). São, sempre, vícios que encerram um desvalor que excede o erro de julgamento e que, por isso, inutilizam o julgado na parte afectada[1].

    Nos termos da al. do citado artº 615º, nº 1, al. b), a sentença é nula quando não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão.

    A nulidade da falta de fundamentação de facto e de direito está relacionada com o comando do artº 607º, nº 3, que impõe ao juiz o dever de discriminar os factos que considera provados e de indicar, interpretar e aplicar as normas jurídicas correspondentes, concluindo pela decisão final.

    Como é entendimento pacífico da doutrina, só a falta absoluta de fundamentação, entendida como a total ausência de fundamentos de facto e de direito, gera a nulidade prevista na al. b) do nº 1 do artº 615º.

    A fundamentação deficiente, medíocre ou errada afecta o valor doutrinal da sentença, sujeita-a a ao risco de ser revogada ou alterada em recurso, mas não produz nulidade[2].

    No que à fundamentação de facto diz respeito, basta que o juiz indique os factos que teve como provados e sobre os quais assentou a sua decisão para que aquela nulidade não se verifique[3].

    Na decisão recorrida, elencaram-se os factos provados e indicaram-se as normas em que se baseou a decisão.

    Tanto basta para que a decisão não enferme do mencionado vício de falta de fundamentação de facto e de direito.

    Se a fundamentação é deficiente ou errada estamos perante erros de julgamento que, oportunamente, serão sindicados e que, a existirem, podem levar à alteração ou revogação da decisão, mas...

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