Acórdão nº 2930/14.3TBMAI.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 15 de Setembro de 2014

Magistrado ResponsávelMANUEL DOMINGOS FERNANDES
Data da Resolução15 de Setembro de 2014
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Processo nº 2930/14.3TBMAI.P1 Origem-Tribunal Judicial da Comarca da Maia, 4º Juízo Cível Relator: Manuel Fernandes 1º Adjunto Des. Caimoto Jácome 2º Adjunto Des. Macedo Domingues 5ª Secção Sumário: I- Sendo os requerentes de uma providência cautelar comum sócios de uma sociedade, qualquer acto ilícito praticado contra ela confere-lhes legitimidade para demandar as pessoas que com tais actos os prejudicaram, não sendo pois necessário que a acção respectiva tenha de ser proposta pela própria sociedade, pois aqueles têm interesse directo na demanda.

II- A existência do “justo receio de perda da garantia patrimonial” não pode bastar-se com o receio subjectivo do credor, baseado em meras conjecturas, antes tem de assentar em factos concretos que o revelem sumariamente.

**I-RELATÓRIO Acordam no Tribunal da Relação do Porto: B…, casado, residente na Rua …, .., …, Maia, e C…, casado, residente na Rua …, .., ….-… Porto, intentaram a presente providência cautelar não especificada contra D…, Lda., com sede na …, .., ….-… Maia, pedindo que seja ordenado o imediato encerramento do estabelecimento comercial de restaurante, sito no rés-do-chão da Rua …, nº .. da Maia, e espaço complementar anexo ao mesmo, bem como a notificação da requerida para se abster da prática de qualquer ato ou negócio jurídico com vista à transferência do estabelecimento para a sua titularidade.

Pedem, também, que seja dispensada a audição da parte contrária.

Alegam, para esse efeito e em suma, que o 1.º requerente é sócio gerente da sociedade E…, Lda. sendo o 2º requerente o cabeça-de-casal da herança aberta por óbito de F…, também este sócio gerente dessa sociedade.

Mais alegam que essa sociedade é inquilina do estabelecimento comercial sito no rés-do-chão da Rua …, nº .. da Maia e do espaço complementar anexo ao mesmo, sendo que recentemente esse estabelecimento comercial e anexo-onde já esteve instalado um restaurante-voltou a ser reaberto como restaurante, tendo os requerentes se apercebido que tinham sido os dois outros sócios da referida sociedade que, à sua revelia, decidiram reiniciar a actividade do restaurante em nome da requerida, de que os mesmos são sócios.

Assim, a requerida está a utilizar de forma abusiva o estabelecimento propriedade da sociedade de que os requerentes são sócios, com tudo que compõe esse estabelecimento, designadamente, o seu aviamento, móveis, louças, equipamento de cozinha, etc., o que é gerador de relevantes danos para os requerentes que vêm um importante e único património da sociedade em que detêm 50% do seu capital social, estar a ser utilizado, com o natural desgaste resultante dessa utilização, por terceiros, que recolhem os rendimentos dessa actividade.

Alegam, também, que receiam que essa utilização esteja a ser efectuada de forma imprevidente e pouco profissional, o que naturalmente acontece quando a exploração do estabelecimento é efectuada por terceiros, que mantêm um reduzido interesse na sua boa conservação e que o facto do estabelecimento estar a ser explorado por outra sociedade irá necessariamente conduzir a um desvio de clientela do restaurante para outro estabelecimento propriedade dessa sociedade.

Mais receiam que a requerida possa estar a preparar-se para, junto dos senhorios, encontrar uma forma de transferir o arrendamento para a sua esfera jurídica, tanto mais que os sócios da requerida são sócios e gerentes da sociedade E…, Lda. e que as suas assinaturas conjuntas obrigam esta sociedade.

*Por despacho datado de 9-06-2014 o tribunal recorrido indeferiu liminarmente a providência assim requerida.

*Não se conformando com a decisão assim exarada vieram os requerente interpor o concluindo as suas alegações nos seguintes termos: 1- Os requerentes, enquanto sócios da sociedade proprietária do estabelecimento comercial, têm um interesse directo na defesa e conservação do estabelecimento, único bem que integra o património da sociedade.

2- A prática dos factos lesivos do seu direito pelos outros dois sócios e gerentes desta sociedade, impede que seja a própria sociedade a requerer a presente providência.

3- Tal qual a providência foi configurada pelos requerentes e tendo em consideração os pedidos formulados, os mesmos são parte legítima, pois só através da sua intervenção processual será possível assegurar a produção dos efeitos úteis da providência.

4- Sendo os requerentes gerentes da sociedade, cujo património está a ser grosseiramente esbulhado pela actuação ilícita da requerida, têm a obrigação de atuar em defesa dos interesses da sociedade, cfr. o disposto no art. 64º do CSC.

5- O que se pretende, com a decretação da providência requerida, é que a requerida seja impedida de continuar a explorar de forma ilícita e abusiva um estabelecimento comercial que é, por via indirecta, propriedade dos requerentes, utilizando para esse efeito todo o património dos requerentes e obtendo para si os rendimentos resultantes dessa exploração ilícita.

6- Permitir que essa actuação perdure no tempo, sem que a tutela jurisdicional requerida pelos requerentes no exercício do seu legítimo direito de propriedade seja exercida é denegação de justiça que não deve ser admitida.

7- A apropriação ilícita e abusiva de um bem propriedade de terceiro, é por si só e sem necessidade de demonstração de outros factos, lesiva dos direitos patrimoniais do titular legítimo desse património e a manutenção dessa apropriação traduz uma lesão séria que por si só legitima a intervenção do direito e dos tribunais.

8- Bastava assim a demonstração da apropriação e utilização abusiva do estabelecimento de restaurante propriedade dos requerentes, para que a providência fosse decretada sem necessidade de demonstração de outros factos.

9- Mas mesmo que assim não se entendesse, resulta da experiência comum que a utilização de um estabelecimento com as características das do estabelecimento em causa–um restaurante de classificação elevada que visa servir uma clientela de elevada/alta capacidade económica-traduz por si só um justificado receio que essa utilização não respeite as boas regras de cuidado e de manutenção do equipamento que serve o restaurante.

10- Por outro lado, é igualmente sabido e resulta da experiência comum que a prestação reiterada no tempo de um mau, ou menos bom, serviço de restauração, acarretará a quebra de clientela que num negócio desta natureza pode ser irrecuperável.

11- A continuação ou repetição iminente da utilização abusiva do estabelecimento é suficiente para que através da presente...

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