Acórdão nº 243/11.1TBAMT.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 08 de Setembro de 2014

Magistrado ResponsávelALBERTO RU
Data da Resolução08 de Setembro de 2014
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Tribunal da Relação do Porto – 5.ª secção.

Recurso de Apelação.

Processo n.º 243/11.1TBAMT do Tribunal Judicial da Comarca de Amarante – 1.º Juízo.

*Juiz relator – Alberto Augusto Vicente Ruço.

1.º Juiz-adjunto……Joaquim Manuel de Almeida Correia Pinto.

2.º Juiz-adjunto…….Ana Paula Pereira de Amorim.

*Sumário: I - Para o proprietário ter direito a indemnização pela privação do uso do veículo, nos termos do n.º 1 do artigo 483.º e dos artigos 562.º e seguintes do Código Civil, não basta a verificação em abstracto da privação do veículo, sendo ainda necessário que a privação cause uma diminuição ao nível da satisfação das necessidades do proprietário, consideradas na sua globalidade.

II - Concluindo-se pelo dano e não sendo possível, face aos factos provados, quantificá-lo em valores certos, o tribunal deverá fixar a indemnização recorrendo à equidade, nos termos previstos no artigo 566.º, n.º 3, do Código Civil.

III - A quantia de €10,00 diários é adequada a título de indemnização pela paralisação diária de um veículo que satisfazia as necessidades básicas de deslocação do agregado familiar do seu proprietário.

*Recorrente/Ré………………Companhia de Seguros B…, S.

A., com domicílio em …, n.º …, Apartado …. - e …, ….-… Lisboa.

Recorrido/Autor……………C…, residente em Rua …, n.º …, …, …, ….-… Lousada.

*I. Relatório.

  1. O presente recurso insere-se numa acção declarativa de condenação mediante a qual o Autor pretende obter indemnização quanto aos danos que sofreu em acidente de viação, no qual foi interveniente um veículo seu, mas conduzindo pela sua esposa, tendo pedido a condenação da Ré a pagar-lhe a quantia de €36.070,00, (trinta e seis mil e setenta euros), acrescida de juros à taxa legal em vigor, desde a data de citação.

    No final foi proferida sentença a condenar a Ré a pagar ao Autor a quantia global de €19.266,00 (dezanove mil, duzentos e sessenta e seis euros), acrescida de juros de mora vencidos e vincendos, à taxa legal das obrigações civis. Juros devidos desde a citação até efectivo e integral pagamento quanto ao dano relativo ao valor da reparação, que foi fixado em €9.266,00 euros e desde a data da sentença quanto ao restante montante de €10.000,00 euros.

    Esta última quantia foi fixada para indemnizar o Autor relativamente à privação de uso quanto ao veículo acidentado.

  2. É desta decisão que a Autora recorre, tendo, no final das alegações, formulado as seguintes conclusões: «1- O Tribunal recorrido fez uma incorrecta valoração e apreciação do depoimento da única testemunha que foi ouvida relativamente aos alegados prejuízos sofridos pelo Autor decorrentes da paralisação ou da impossibilidade do uso do PH – o seu cônjuge D….

    2- De acordo com essa testemunha, era ela, e não o Autor, quem utilizava o PH.

    3- No que toca ao prejuízo da privação do uso, o depoimento do cônjuge consubstanciou-se numa descrição das utilidades que ela, e não o Autor, retirava da utilização do PH.

    4- Assim, é inequívoco que mal esteve o Tribunal a quo ao dar como provado o facto identificado pela alínea CC) dos factos dados como provados, pelo que essa alínea deverá ser retirada de tal elenco.

    5- Ao arbitrar uma indemnização a título de privação de uso de veículo no valor de €10.000,00, o Tribunal Recorrido o art. 562º, 564º, nº1 e 566º nº3 do Código Civil.

    6- Atendendo à jurisprudência mais recente dos Tribunais Superiores, é necessário que o lesado alegue e prove que sofreu prejuízos com a paralisação do veículo, ou seja, que demonstre que a privação do uso teve uma repercussão negativa na sua esfera patrimonial.

    7- Ora, no caso dos autos não ficou demonstrado que o Autor sofreu qualquer dano decorrente da impossibilidade de utilização do PH, uma vez que não resultou provado que o Autor utilizava o mesmo, e por isso, nada tem a ora Recorrente que indemnizar o Autor a este título.

    8- Assim não se entendendo, tendo em conta o lapso de tempo decorrido entre o acidente e a reparação do PH, o facto de o mesmo não ser utilizado diariamente, assim como que o Autor não o utilizava, a indemnização a arbitrar não deve ser superior a € 2.000,00.

    Termos em que deve a douta Sentença recorrida ser revogada e substituída por outra nos termos supra expostos.

    Assim decidindo, …».

  3. A recorrida contra-alegou, pugnando pela manutenção da decisão sob recurso, argumentando preliminarmente que o recurso deve ser rejeitado por não respeitar as exigências processuais para a impugnação da matéria de facto e, quanto ao prejuízo sofrido pelo Autor, sustenta que a utilização do veículo era feita em prol do agregado familiar não sendo relevante quem em concreto o utilizava.

    1. Objecto do recurso.

      Face ao que ficou relatado, as questões a analisar neste recurso são duas: Em primeiro lugar, cumpre verificar se deve ser declarada não provada a matéria constante da al. cc) dos factos provados.

      Esta alínea tem esta redacção: «E era com ele que o A. se deslocava, v. g., para ir aos médicos, fazer exames clínicos, obter bens essenciais como alimentos em supermercados ou hipermercados, perto da sua casa ou onde fossem mais baratos».

      Em segundo lugar, se a questão não ficar prejudicada pela resposta dada à questão anterior, cumpre averiguar qual a quantia adequada a indemnizar o Autor pela privação do uso do veículo, se os €10.000,00 euros fixados na sentença ou a quantia de €2500,00 euros proposta pela Ré.

    2. Fundamentação.

  4. Impugnação da matéria de facto.

    1 – A matéria que a Ré pretende ver declarada não provada é esta: «E era com ele que o A. se deslocava, v. g., para ir aos médicos, fazer exames clínicos, obter bens essenciais como alimentos em supermercados ou hipermercados, perto da sua casa ou onde fossem mais baratos».

    Verifica-se que a mesma resulta dos factos alegados nos artigos 63.º e 64.º da petição inicial onde o Autor referiu o seguinte: «63.º E era com ele que o A. se deslocava para ir aos médicos, fazer exames clínicos, obter bens essenciais como alimentos em supermercados ou hipermercados perto da sua casa onde fossem mais baratos, atenta as suas dificuldades financeiras e do seu agregado familiar, beneficiando inclusive das promoções que com frequência são efectuadas nos mesmos.

    64.º Facto que deixou de fazer em consequência do acidente dos autos, com inerente prejuízo da sua saúde e das suas finanças pois, ou recorria a médicos particulares ou ao mercado tradicional onde os produtos são mais caros, com evidente prejuízo económico para o Autor».

    2 – A argumentação da Recorrente consiste em afirmar que não era o Autor quem utilizava o veículo, mas sim a esposa e baseia-se nas declarações da própria esposa do Autor.

    O Autor contrapõe que a sua esposa prestou declarações no sentido de se entender que o veículo era usado por ambos os cônjuges para satisfação das necessidades domésticas do casal.

    3 – Vejamos o que disse a testemunha D…, esposa do Réu.

    Referiu (minuto 09:56 e 17:50) que o veículo sinistrado era o único carro que «tínhamos» e que «pediram» algum dinheiro para o compor (minuto 11:15); que na altura do sinistro tinha vindo a casa para dar um medicamento ao seu filho que se encontrava doente (minuto 16:22) e que se servia do veículo para ir trabalhar, «ali perto», dois ou três dias por semana, consoante as encomendas, com uma sua prima que possui uma doçaria (minuto 16:22 e 20:03), passando, após o sinistro, a deslocar-se a pé, cerca de 15 minutos, para a doçaria e regresso a casa, inclusive para fazer o almoço (minuto 20:28, 20:44).

    À pergunta «Usavam o veículo mais para quê?», respondeu «para fazer compras, para ir com o filho ao médico, qualquer coisas, para fazer a vida normal…» (minuto 18:01) e que a falta do carro causou transtorno (minuto 24:14).

    À pergunta, «Depois, como é que se arranjaram?», disse que consoante necessitava foi pedindo um veículo emprestado aos seus irmãos e a pessoas amigas (minuto18:15), tendo referido (minuto 18:37) que se porventura tivesse, nessa altura, o seu carro teria «feito mais coisas» do que fez enquanto o carro esteve parado, situação que durou cerca de dois anos (minuto 24:22).

    Disse que foi o seu marido, na altura desempregado, quem conseguiu obter dinheiro emprestado junto de pessoas amigas para reparar o veículo (minuto 19:28).

    4 – Apreciação.

    Face ao teor do depoimento da esposa do Autor e do alegado nos referidos artigos 63.º e 64.º da Petição inicial, deve manter-se a matéria de facto impugnada, pelas seguintes razões: Quando o Autor se refere a si mesmo, como pessoa prejudicada pela privação do uso do veículo, fá-lo referindo-se ao seu agregado familiar, identificando-se também como pessoa casada.

    Resultou também provado que era o único veículo que possuía e foi também referido pela testemunha (esposa) que durante a privação do uso do veículo chegaram a pedir veículos emprestados.

    Pode, pois, concluir-se que quando o Autor se refere nos autos à privação do uso do veículo refere-se não só a uma privação que suportou a título estritamente pessoal, mas também enquanto membro de um agregado familiar que dispunha apenas daquele veículo.

    Ora, o Autor, como membro daquele agregado familiar tinha deveres para com os restantes elementos, desde logo o dever de colocar o veículo ao serviço da economia doméstica, pelo que a utilização do veículo servia os interesses do agregado, fosse ele, em concreto, conduzido pelo Autor ou pela esposa, pois, no âmbito de uma economia doméstica todos os seus membros são afectados solidária e reciprocamente pela acção dos restantes (por exemplo, se é a esposa...

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