Acórdão nº 3220/12.1TJVNF.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 08 de Setembro de 2014

Magistrado ResponsávelANA PAULA AMORIM
Data da Resolução08 de Setembro de 2014
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

CompMat-3220/12.1TJVNF.P1 Trib Jud Famalicão Proc.3220/12.1TJVNF Proc.836/14-TRP Recorrente: B… Recorrido: C… Santa Casa da Misericórdia de Lisboa -Juiz Desembargador Relator: Ana Paula Amorim Juízes Desembargadores Adjuntos: Rita Romeira Manuel Fernandes* * * *Acordam neste Tribunal da Relação do Porto (5ª secção judicial – 3ª Secção Cível) I. Relatório Na presente ação que segue a forma de processo ordinário em que figuram como: - AUTOR: B…, casado, NIF. ……….., residente na …, (Edf.º …), 1.º D, ….-… Vila Nova de Famalicão, - RÉUS: C…, casado, NIF. ……….., com domicílio na Rua …, .., ….-… …, SANTA CASA DA MISERICÓRDIA DE LISBOA – Departamento de Jogos - NIPC. ……….., com sede na Rua …, ., ….-… Lisboa formula o Autor o seguinte pedido:

  1. Declarar-se que o A. é titular da fração 01 da série 01 do n.º ….. da Lotaria Nacional, referente à extração ...ª de 2010 que ocorreu em 08.11.2010 e que tal fração foi premiada com o prémio no valor de € 120.000,00, condenando-se os RR. a reconhecer estes factos.

  2. Condenada a 2.ª R. a pagar ao A. o valor do referido prémio, (€ 120.000,00), acrescido dos juros vencidos e vincendos, calculados à taxa legal desde 11.11.2010, nesta data no montante de € 9.100,00.

  3. Na eventualidade de não proceder o pedido formulado em B) e subsidiariamente, condenado o 1.º R. a pagar ao A. o valor do referido prémio, (€ 120.000,00), acrescido dos juros vencidos e vincendos, calculados à taxa legal desde 11.11.2010, nesta data no montante de € 9.100,00.

Alegou para o efeito e em síntese que desde há vários anos que, todas as semanas adquire ao cauteleiro de rua, H…, residente no …, Bloco . – ..º Esq., ….-… …, uma fração da lotaria clássica com o n.º …... Tal compra é efetuada quando o vendedor de lotarias se desloca, às terças-feiras ao restaurante onde o A. trabalha – “D…”, sito em …, Vila Nova de Famalicão. Nos termos usuais, comprou, no dia 02.11.2010, a fração 01 da série 1 do n.º ….., correspondente à extração da lotaria clássica n.º ../2010 com a denominação “E…”. Essa extração ocorreu no dia 08.11.2010 e foi premiado com o 1.º prémio o número em causa – ….. - correspondendo a cada fração o montante de € 120.000,00.

Desconhecendo esse facto e não tendo sido alertado, por nenhuma forma, para o resultado desse sorteio, o A. deslocou-se, passados alguns dias da sua realização – mais concretamente no dia 11.11.2010 - e como usualmente, ao “F…”, propriedade do 1.º R., sito na Rua …, .., ….-… …. O 1.º R. é o mediador n.º ..-….. da 2.ª R. Aí, quem o atendeu, Sr. G…, verificou no sistema da 2.ª R., (terminal n.º ….), a fração detida pelo denunciante com o n.º ….., pelas 15H46M15S do referido dia 11 de novembro e informou-o que a mesma não se encontrava premiada. O A. aceitou essa indicação, desconhecendo, até hoje, o destino dado a esse título que deixou no identificado estabelecimento. Sabe, porém, que o mesmo, (fração 01 da série 01 do n.º …..), não foi apresentado a pagamento nem o respetivo prémio pago pela 2.ª R.

Decorridos alguns dias sobre a apresentação do título no respetivo sistema, foi informado pelo Sr. H… que a “cautela” que lhe havia comprado tinha sido premiada com o 1.º prémio, no valor de € 120.000,00. Facto que confirmou, através da consulta da “lista oficial de prémios” da SCML.

Refere, ainda, que apesar de ter participado o extravio e reclamado o respetivo prémio, junto desta entidade, o certo é que o mesmo não lhe foi pago. Argumentando a R. SCML que os prémios apenas são pagos contra a apresentação do título nos balcões do Departamento de Jogos, nos termos do art. 10.º/1 do regulamento da Lotaria Nacional. O A., embora tivesse adquirido o título premiado e o tivesse apresentado para verificação do prémio no mediador da SCML, não se encontra na posse do mesmo, por razões que não lhe são imputáveis e que lhe são totalmente alheias relacionadas com a deficiência do sistema de verificação da 2.ª R. ou na sequência de conduta pouco diligente do seu referido mediador. Verifica-se, assim, a necessidade do Tribunal declarar que o A. é titular da fração 01 da série 01 do n.º ….. da Lotaria Nacional - extração ...ª de 2010 - e que correu em 08.11.2010. Fração essa premiada com o prémio de € 120.000,00. Condenando os RR. a reconhecer esses factos e consequentemente, condenar a 2.ª R. a pagar o valor do prémio, acrescido dos juros à taxa legal, contados desde 11.11.2010 até efetivo pagamento, cujo montante ascende já a € 9.100,00. A 2.ª R. mantém na sua posse, sem causa justificativa, a quantia de € 120.000,00 correspondente ao prémio atribuído à fração do A. facto que se traduz em enriquecimento à custa deste, na mesma medida do seu empobrecimento e implica a obrigação de restituição, (art. 473.º do CC).

Por fim, alega que admitindo-se por mera hipótese a possibilidade da procedência dos argumentos da 2.ª R., o A. pretende a condenação do 1.º R. no pagamento do valor do prémio que deixou de receber, pois independentemente de ter ocorrido deficiência no terminal n.º …. colocado pela 2.ª R. no seu mediador, (1.º R.), verificou-se conduta culposa deste, pois, por si ou através de funcionário, apesar de a ter verificado no sistema, não informou o A. que a fração da lotaria já identificada se encontrava premiada. Nem lhe facultou o registo dessa operação como estava obrigado, (al. i) do art. 7.º da Portaria n.º 313/2004). Não tendo, assim, agido com a diligência que lhe estava imposta, o que constitui infração grave, (n.º 3 do art. 10º da mesma Portaria). Não cumprindo a sua obrigação prevista, nomeadamente, na al. d) do n.º 1 do art. 6.º e als. e) e i) do art. 7.º, ambos da Portaria n.º 313/2004 e no art. 19.º da Portaria n.º 1016/2010. Facto que levou a que o A. se desinteressasse pela manutenção, em seu poder, do respetivo título e assim, ficasse impedido de receber o prémio de € 120.000,00 a que tem direito.

-Citados os Réus contestaram.

-A Ré Santa Casa da Misericórdia de Lisboa excecionou a incompetência material do tribunal, alegando, em síntese, que a análise e decisão da situação fáctica descrita pelo Autor compete aos tribunais da jurisdição administrativa, nos termos do art. 26º do Regulamento da Lotaria Nacional, pelo que deverá ser absolvida da instância.

-Na Réplica o A. sustentou a competência do tribunal judicial.

-Proferiu-se sentença com a decisão que se transcreve: “Nesta conformidade, e por tudo quanto fica exposto, julgo verificada a incompetência em razão da matéria deste Tribunal Judicial de Comarca de Vila Nova de Famalicão, declarando competente o Tribunal Administrativo, com sede na área de Lisboa, absolvendo, assim, os Réus da instância.

Custas a suportar pelo Autor”.

-O Autor veio interpor recurso da sentença.

-Nas alegações que apresentou o apelante formulou as seguintes conclusões: 1- O recorrente não pretende impugnar qualquer deliberação do júri da extração, deliberação deste júri sobre reclamação ou ato do Departamento de Jogos.

2- Não tem aqui aplicação o art. 26.º da Portaria 1016/2010.

3- Os pedidos que o apelante formulou são claros e a recorrida SCML é uma pessoa coletiva de direito privado como a própria reconhece.

4- Não se encontra em causa, nos presentes autos, qualquer ato praticado pela SCML a “coberto de poderes de autoridade” do âmbito do direito administrativo e que permita a aplicação do regime específico da responsabilidade do Estado.

5- O recorrente o que pretende é a condenação dos recorridos no reconhecimento da sua titularidade da fração da lotaria identificada na petição e a peticionada condenação no pagamento do prémio é, diretamente, consequência desse reconhecimento.

6- A ré SCML atua, aqui, como qualquer particular, sem poder especial de autoridade e, muito menos, ao abrigo de normas de direito público e a relação jurídica material – tal como é invocada – assenta, exclusivamente, em regras de direito privado.

7- Também é manifesto que não é impugnado qualquer ato administrativo, ou seja, o apelante não reclamou qualquer responsabilidade civil administrativa.

8- O que está em causa nos autos é um litígio de natureza “privada” ou “jurídico-civil” e não um litígio emergente de relações jurídico administrativas, este sim, disciplinado por normas de direito administrativo.

9- Tal como defende o Douto Acórdão do STJ, (19-10-2004 - Revista n.º 3001/04 - 7.ª Secção - Neves Ribeiro (Relator) *, Araújo Barros e Oliveira Barros), na fixação da competência do tribunal em razão da matéria, deve ser atendida a natureza da relação jurídica material em debate na versão apresentada em juízo e a este propósito há que ter em conta a causa de pedir e o(s) pedido(s).

10- Onde se refere que: “Para a determinação da natureza, pública ou privada, da relação litigiosa...

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