Acórdão nº 175/14.1T8PNF.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 13 de Abril de 2015

Magistrado ResponsávelPAULA LEAL DE CARVALHO
Data da Resolução13 de Abril de 2015
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Procº nº 175/14.1T8PNF.P1 Apelação Relator: Paula Leal de Carvalho (Reg. nº 826) Adjuntos: Des.Rui Penha Des. Maria José Costa Pinto Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação do Porto: I. Relatório O Digno Magistrado do Ministério Público intentou a presente ação especial de reconhecimento da existência de contrato de trabalho contra B…, SA, pedindo que a ação seja julgada procedente, por provada, e por via disso, seja reconhecido que o contrato que a Ré assumiu e mantém com a alegada “trabalhadora” C… em 19.03.2014 é um contrato de trabalho de trabalho por tempo indeterminado.

Arrolou prova testemunhal.

A Ré contestou impugnando aceitando uns factos e impugnando outros, concluindo, pelas razões que invoca, que o vínculo contratual existente consubstancia u contrato de prestação de serviços e não um contrato de trabalho. Sob a epígrafe de defesa por “Excepção”, alega que: a ação especial de reconhecimento da existência de contrato de trabalho prossegue apenas o interesse privado de que é titular o alegado trabalhador, constituindo a ação em causa violação dos princípios da autonomia privada e liberdade contratual (art. 405º do Cód. Civil) e sendo inconstitucional por violação do princípio do Estado de Direito Democrático, na sua vertente da segurança jurídica e do princípio da confiança, da liberdade de escolha do género de trabalho, da igualdade, do direito de ação e livre desenvolvimento da personalidade, previstos, respetivamente, nos arts. 2º, 47º, nº 1. 13º, 20º, nºs 1 e 4, 26º, nº 1 e 27º, nº 1, da CRP; entendimento contrário, que atribuísse ao MP o poder de promover a presente ação em representação e no interesse próprio ou de terceiro determinaria a incompetência material do Tribunal do Trabalho.

Conclui no sentido da procedência da “exceção inominada de inconstitucionalidade”, declarando-se, consequentemente, extinta a extinção a instância e a ré dela absolvida ou, caso assim se não entenda, no sentido da total improcedência da ação, com a sua absolvição do pedido.

Juntou prova documental e arrolou testemunhas.

Foi proferido despacho saneador, com dispensa da enunciação dos temas da prova, ordenado o cumprimento do art. 186º-l, nº 4, do CPC e designada data para julgamento.

Na audiência de julgamento, e na qual estiveram presentes o MP, a referida C… e a ilustre mandatária da Ré, com procuração com poderes especiais, foi tentada a conciliação das partes, no âmbito do que se exarou em ata o seguinte: “Em obediência ao disposto no artº 186º-O nº 1 do C.P.Trabalho, pela Mmª. Juíz foi declarada aberta a audiência de partes e tentada a concliação entre as mesmas, tendo pela Ilustre Mandatária da Sociedade B…, SA., munida de poderes especiais para o acto e pela Srª. Enfermeira C… sido dito o seguinte:-------------------------- Que acordam que a relação contratual existente entre ambas se desenvolve desde o início nos seguintes termos:----------------------- 1º- A Srª. Enfermeira C… faz os turnos que pretende e no período que pretende, comunicando previamente à B…, SA as suas disponibilidades ou indisponibilidades podendo trocar livremente os turnos com outros enfermeiros da B…, SA que também prestam serviços à B…, S.A .----------------------------------------------------------- 2º- Para efectuar tais trocas não carece de qualquer autorização da B…, SA nem tem que justificar o motivo das mesmas, tendo já feito trocas sem sequer ter avisado a B…, SA.. As trocas são feitas directamente com os enfermeiros.---------------------------------------- 3º- Se não pode comparecer a um turno não tem a obrigação contratual de justificar a ausência.------------------------------------------- 4ª - Por se encontrar a realizar Mestrado com especialidade em medico-cirurgica a Srª. Enfermeira C…, em Outubro de 2014 manifestou à B…, SA a sua indisponibilidade temporária para prestar a sua actividade, não lhe tendo sido, por esse motivo, atribuídos turnos desde aquela data, situação que se mantém actualmente, sendo que lhe voltarão a ser atribuídos turnos a partir do momento em que comunicar a sua disponibilidade para os realizar à B…, SA.--------------------------------------------------------------- 5º- Aufere uma quantia pecuniária valor/hora pelos serviços prestados sendo os valores auferidos mensalmente variáveis e dependentes do número de horas efectivamente prestados, nada recebendo nos meses em que não presta a sua actividade.-------------------------------------------------------------- 6º- Não aufere subsídio de Natal nem de férias.------------------------ 7º- Não está sujeita ao poder disciplinar da B…, SA..-------------------- 8º- Não obedece a ordens da B…, SA tendo que seguir somente as orientações da Direcção Geral de Saúde, exercendo as suas funções com total autonomia.----------------------------------------------- 9º- Não desempenha a sua actividade em regime de exclusividade com a B…, SA, pois tem um contrato de trabalho com a Escola Secundária …, com um período normal de trabalho de 17 horas semanais e presta também serviços no Hospital Particular … em regime de prestação de serviços.-------------------------------------- 10º- O atrás referido verifica-se desde o início da relação contratual entre as partes (19-03-2014), entendendo as partes que a mesma relação configura um contrato de prestação de serviços tal como decorre do contrato celebrado. --------------------------------- As partes declaram assim estar conciliadas nos termos e para os efeitos do artº 186º-O do C.P.Trabalho porquanto ambas as partes quiseram celebrar um contrato de prestação de serviços e é nesses precisos termos que se desenvolve a relação contratual que mantém, estando portanto de acordo em que a relação contratual em causa não é um contrato de trabalho mas sim um contrato de prestação de serviços e que tal acontece desde o seu início. ------------------------------------------------------------------------------ As partes requerem assim a homologação do presente acordo.----**De seguida foi dada a palavra ao Digno Magistrado do Ministério público, que no uso da mesma disse o seguinte: --------------------- O Estado, através de órgão seu, verificou a existência de indícios duma situação de prestação de actividade aparentemente autónoma em condições análogas às do contrato de trabalho relativamente à Trabalhadora C…. e relativamente à Ré.-------------- Consequentemente, no âmbito do quadro normativo contra-ordenacional levantou o respectivo auto e no âmbito do quadro jurídico-civil remeteu esse auto ao Ministério Público para propositura da competente acção.---------------------------------------- O Ministério Público, no âmbito da competência própria e dando expressão a interesses, interesses esses defendidos pelo legislador como interesses públicos, intentou a presente acção.---- A relação material controvertida estabeleceu-se pois entre o Estado e a Ré e, não sendo a Trabalhadora parte dessa relação material controvertida, embora a decisão a afecte ou possa afectar, não tem poder de "per si" dispor como bem entende dessa mesma relação.---------------------------------------------------------------- Daí que se entenda que o Tribunal tem o poder/dever de decidir a pretensão formulada acolhendo-a ou negando-a, pelo que a Trabalhadora carece de legitimidade para por termo ao processo mediante transacção pois é de todo em todo estranha e contrária ao pedido formulado com a aceitação de factos cuja veracidade o Tribunal tem obrigação de averiguar.--------------------------------------- Entende-se que na óptica do legislador a declaração de vontade da Trabalhadora ainda que corresponda ou traduza uma vontade livre e esclarecida ou que seja determinada pela defesa dos seus interesses necessita de ser compatibilizada com interesses públicos.--------------------------------------------------------------------------- Nestes termos, e face ao exposto, manifesta-se oposição à homologação da transacção.------------------------------------------------***Seguidamente, a Mm.ª Juiz proferiu o seguinte:------------------------D E S P A C H OFace à posição do Digno Procurador da República e das demais partes nesta acção a questão que desde logo importa decidir consiste em saber se pode ou não haver transacção no âmbito desta acção especial de reconhecimento da existência de contrato de trabalho, questão tanto mais pertinente quanto é certo que o Digno Procurador se opõe à homologação do acordo alcançado entre a sociedade B…, SA e a Srª. Enfermeira C…, no que respeita a considerarem a relação contratual em causa nestes autos como um contrato de prestação de serviços desde o seu início.----------- Sendo este tipo de acção intentada pelo Ministério Público coloca-se desde logo a questão de saber em que qualidade age, se em defesa do interesse da "trabalhadora" referenciada nos autos ou/ e se age igualmente no interesse público de combate à utilização indevida do contrato de prestação de serviços em relações de trabalho subordinado, em conformidade com o disposto nos artºs. 1º e 3º nº 1 al. p) do Estatuto do Ministério Público aprovado pela Lei Nº47/86 de 15/10, republicado pela Lei 60/98 de 27/8 e alterado pelas Leis 42/2005 de 29/8, 67/2007 de 31/12, 52/2008 de 28/8, 37/2009 e 20/7, 55-A/2010 de 31/12 e 9/2011 de 12/4.

Com efeito, determina o artº 1º do mencionada Estatuto que "o Ministério Público representa o Estado, defende os interesses que a lei determinar, ... defende a legalidade democrática nos termos da Constituição e da Lei" competindo especialmente conforme resulta do artº 3º nº 1, além do mais, "p) exercer as demais funções conferidas por lei".-------------------------------------------------- Ora, conforme aliás é notado no douto acordão do Tribunal da Relação de Lisboa de 24-09-2014 proferido no âmbito do processo Nº 1050/14.5TTLSB.L1/4 disponível em www.dgsi.pt, entre as funções conferidas ao Ministério Público por lei conta-se, nos termos dos artºs. 186º- K e 186º - L do C.P.Trabalho, a propositura desta acção...

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