Acórdão nº 00440/04 de Tribunal Central Administrativo Norte, 15 de Dezembro de 2009

Magistrado ResponsávelFrancisco Rothes
Data da Resolução15 de Dezembro de 2009
EmissorTribunal Central Administrativo Norte
  1. RELATÓRIO 1.1 A Administração alfandegária, na sequência de uma fiscalização à “Adega Cooperativa ” (adiante Contribuinte, Impugnante ou Recorrente), considerou, após aplicação de uma franquia para perdas, que existia uma divergência entre o saldo contabilístico e as existências físicas de aguardente em entreposto, motivo por que procedeu à liquidação a posteriori de Imposto sobre o Álcool e Bebidas Alcoólicas (IABA), no montante de € 24.724,13.

    1.2 A Contribuinte impugnou essa liquidação, pedindo ao Juiz do Tribunal Tributário de 1.ª instância de Braga que a anulasse, invocando como fundamentos a «violação do direito de audição», a «não fundamentação» e a «ilegalidade da liquidação» (() As partes entre aspas e com um tipo de letra diferente, aqui como adiante, constituem transcrições.

    ).

    Alegou a Impugnante, em síntese, o seguinte: – no âmbito do exercício do direito de audição, esclareceu que a diferença entre o saldo contabilístico e as existências físicas de aguardente não se devia a qualquer introdução no consumo, mas a perdas decorrentes do processo de produção (envelhecimento em cascos de carvalho), sendo que essa argumentação foi levada em conta pela Administração, mediante a aplicação de uma franquia, mas apenas quanto à última campanha, sendo que, relativamente ao «facto de apenas poder ser considerada a franquia relativamente ao último ano» não foi dada à Contribuinte a possibilidade de exercer o direito de audição, como o impunha o art. 60.º, n.º 1, alínea a), da Lei Geral Tributária; – o relatório final da inspecção e a decisão de liquidação enfermam de várias deficiências ao nível da fundamentação, quer por do respectivo texto não resultar o motivo da referida discrepância (perdas tributáveis, introdução no consumo ou outro) nem o dispositivo legal ao abrigo do qual foi feita a liquidação, quer por os valores constantes da liquidação não encontrarem correspondência com os valores apurados pela Administração; – o varejo por que foi apurada a aludida divergência não foi efectuado correctamente, não se tendo usado as técnicas e ferramentas adequadas quer na verificação das quantidades quer no apuramento do grau alcoólico; – por outro lado, não aceita que apenas se releve a franquia relativa ao último ano de campanha e não as franquias relativas às campanhas desde 1996/1997 – tanto mais que a Contribuinte, por lapso, não actualizou na contabilidade as perdas decorrentes do processo de envelhecimento das aguardentes – e, pelo menos em parte, a relativa à campanha em curso na data da inspecção; – acresce que a franquia foi calculada com base em valores errados, existindo discrepância entre os valores utilizados na liquidação e os que foram apurados pela Alfândega de Braga.

    1.3 A Juíza do Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga (() Entretanto, o Tribunal Tributário de 1.ª instância de Braga foi extinto, tendo-lhe sucedido na respectiva competência o Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga.

    ) proferiu sentença no sentido da improcedência da impugnação judicial.

    1.4 Inconformada com essa sentença, a Impugnante dele interpôs recurso para este Tribunal Central Administrativo Norte, que foi admitido, a subir imediatamente nos próprios autos e com efeito devolutivo.

    1.5 A Impugnante apresentou as alegações de recurso, que resumiu em conclusões do seguinte teor: « I. A Liquidação objecto de impugnação padece um vício de forma, já que não foi dada oportunidade à Recorrente de exercer o seu direito de audição prévia; II. O facto de apenas ter sido considerada na referida liquidação a franquia relativa à última campanha é um facto novo, em relação ao qual não foi dada à Recorrente a oportunidade de exercer o seu direito de audição prévia assim se violando o art. 60º, nº 3, da LGT; III. O acto tributário de liquidação não se encontra fundamentado de acordo com as exigências legais; IV. Antes do mais, não é perceptível em que norma de incidência é que a Administração tributária funda a liquidação; V. Por outro lado, o Relatório menciona valores distintos ao longo das suas páginas; VI. Assim, o Relatório e, consequentemente, a liquidação são imperceptíveis para o destinatário normal em virtude da deficiente fundamentação; VII. Em consequência, a liquidação é anulável por padecer de um vício de forma, tendo a sentença recorrida violado o art. 77º da LGT; VIII. O varejo que fundamentou a liquidação padeceu de diversas deficiências, com necessária interferência nos resultados do mesmo; IX. Não compete à Recorrente provar em que exacta medida é que as deficiências do varejo interferiram nos resultados, já que o varejo é invocado para sustentação do direito da Administração Tributária; X. Mesmo que assim não se entenda, resulta da prova produzida fundada dúvida sobre a existência do facto tributário; XI. A sentença recorrida violou os arts. 74º da LGT e 100º do CPPT; XII. Não tem razão o Juiz [do Tribunal] a quo ao entender que a franquia de imposto por perdas apenas é aplicável ao último ano de campanha; XIII. A Recorrente entende que as franquias devem ser aplicáveis aos anos em que não foram contabilizadas perdas, pois tal não contabilização deve-se a um lapso da Recorrente, pelo que a mesma não deve ser prejudicada pelo mesmo; XIV. Não deveria ter sido dado por não provado que a discrepância entre o saldo contabilístico [e as existências] se devia ao facto de a Recorrente não ter actualizado a contabilidade com as perdas, já que os depoimentos das Testemunhas António Pedro Guimarães Ponte e Maria Albina Ferreira impõem decisão diversa da recorrida; XV. Ao ter decidido pela não aplicação das franquias desde a campanha de 1996/1997, a sentença recorrida violou o art. 37º do CIEC, já que não existem razões de facto ou de direito que se oponham ao entendimento da Recorrente; XVI. A sentença recorrida é nula por omissão de pronúncia, já que não se pronunciou, quando devia fazê-lo, sobre a questão da inconstitucionalidade suscitada pela Recorrente; XVII. A interpretação dos arts. 7º e 37º do CIEC no sentido de permitirem a tributação por simples discrepância entre a contabilidade e as existências, assim se tributando um facto inexistente, terá de ser considerada inconstitucional por violação dos arts. 103º e 104º da CRP, dos quais decorre o princípio da capacidade contributiva, sendo a liquidação, em consequência, nula.

    Neste termos e demais de direito, deverá o presente recurso ser considerado procedente, assim se fazendo Justiça».

    1.6 A Fazenda Pública (() Aqui representada pelo Director da Alfândega de Braga.

    ) não contra alegou.

    1.7 Recebidos os autos neste Tribunal Central Administrativo Norte, foi dada vista ao Ministério Público e a Procuradora-Geral Adjunta emitiu parecer no sentido de que deve ser negado provimento ao recurso.

    1.8 As questões sob recurso são as de saber: 1.ª - se a sentença enferma de nulidade por omissão de pronúncia sobre a invocada inconstitucionalidade (cf. conclusão com o n.º XVI); na afirmativa, 2.ª - se se os artigos 7.º e 37.º do Código dos Impostos Especiais de Consumo (CIEC), se interpretados no sentido de que a discrepância entre a contabilidade e as existências permitem a tributação da diferença violam os arts. 103.º e 104.º da Constituição da República Portuguesa (CRP), que consagram o princípio da capacidade tributiva, por permitirem a tributação de um facto inexistente (cf. conclusão com o n.º XVII); 3.ª - se o Tribunal a quo fez errado julgamento de facto, ao dar como não provado que a discrepância entre o saldo contabilístico e as existências se devia ao facto de a Contribuinte não ter actualizado a contabilidade com as perdas (cf. conclusão com o n.º XIV); 4.ª - se o Tribunal fez errado julgamento de direito · quando considerou que não foi violado o direito de audição prévia (cf. conclusões com os n.ºs I e II); · quando considerou não verificado o invocado vício de falta de fundamentação (cf. conclusões com os n.ºs III a VII); · quando considerou irrelevantes as invocadas deficiências do varejo e que recaía sobre a Contribuinte o ónus de demonstrar em que medida essas deficiências interferiram nos resultados (cf. conclusões com os n.ºs VIII e IX) ou, pelo menos, · quando não deu como verificada a fundada dúvida sobre a existência do facto tributário (cf. conclusões com os n.ºs X e XI); · quando considerou que a franquia de imposto por perdas apenas é aplicável ao último ano de campanha e não a todos anos em que, por lapso, não foram contabilizadas perdas (cf. conclusões com os n.ºs XII e XIII).

    * * *2. FUNDAMENTAÇÃO 2.1 DE FACTO 2.1.1 Na sentença recorrida o julgamento de facto foi efectuado nos seguintes termos: «Pelos documentos juntos aos autos, não impugnados, bem como do depoimento das testemunhas inquiridas e com relevância para o caso, considero provados os seguintes factos: 1. Na sequência da inspecção realizada pela Alfândega de Braga, em 28.6.2001, foi efectuada liquidação nº 2003/900.017, de 13.02.03, no valor de 24 724,13 €; 2. A impugnante procedeu ao seu pagamento em 20.03.2003; 3. Em 28.06.02 a Alfândega de Braga procedeu a uma acção de fiscalização à impugnante com o objectivo de verificar se estava a ser cumprido por esta o regime fiscal aplicável às bebidas alcoólicas (CIEC); 4. A impugnante é titular do estatuto fiscal de depositário autorizada com o n.º 1 500 305 919, com os entrepostos fiscais de produção nº 39914141, em Ponte da Barca e nº 39951683, em Arcos de Valdevez; 5. A actividade fiscalizadora consistiu num varejo ao entreposto de Ponte da Barca, para a inventariação física dos produtos sujeitos à taxa de IEC, em regime de suspensão; 6. A impugnante não apresentou contabilidade actualizada das existências em sistema de inventário permanente, com a indicação da sua proveniência, destino e elementos relevantes para a liquidação do imposto; 7. A impugnante forneceu aos serviços de inspecção inventário reportado a 31.12.2001, no qual constava, 30 900 litros de aguardente vínica a granel no entreposto, sem indicação do teor...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT