Acórdão nº 452/13.9TBAMT-A.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 30 de Abril de 2015

Magistrado ResponsávelJOS
Data da Resolução30 de Abril de 2015
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Apelação nº 452/13.9TBAMT-A.P1 – 3.ª Relator: José Fernando Cardoso Amaral (nº 232) Des. Dr. Trajano Amador Seabra Teles de Menezes e Melo (1º Adjunto) Des. Mário Manuel Batista Fernandes (2º Adjunto) Acordam na 3ª Secção Cível do Tribunal da Relação do Porto: I. RELATÓRIO Em 15-11-2013, o executado B… opôs-se à execução contra ele instaurada por C…, alegando, além do mais que ora para apreciação do presente recurso não interessa, que nada deve, pois a quantia exequenda foi totalmente paga, uma parte (no montante de 4.125,00€, correspondente a um cheque) em numerário e, outra parte (correspondente a outro cheque originalmente datado de 30-04-2008 mas alterado pelo exequente para 30-12-2008), “durante a segunda metade de 2008 e inícios de 2009, mediante a entrega de móveis que o D… [que seria o verdadeiro devedor, na tese explanada] e o exequente avaliaram em montante equivalente”, sendo que “o exequente considerou o cheque pago, tendo recebido os móveis em causa”, “só que nunca devolveu o respectivo original”.

Pediu, quanto a tal defesa, que a execução seja declarada extinta.

Liminarmente admitidos os embargos e notificado o exequente, veio este contestar, alegando, quanto ao pagamento, que ele é totalmente falso. A data do cheque, inicialmente de 30-04-2008, foi alterada para 30-12-2008 mas a pedido do executado e no interesse deste e por acordo entre as partes. Nunca este cheque lhe foi pago “por qualquer meio”, tanto que o mantém na sua posse[1]. Impugnou, assim, dizendo ser falsa, a factualidade relativa à invocada “entrega dos móveis” (itens 34º e 35º) e concluindo pela improcedência daqueles.

Proferido, em audiência prévia, o despacho saneador, prosseguiram os autos quanto ao “tema da prova” enunciado (“saber se o valor constante do título executivo se encontra pago”).

Realizou-se a audiência de julgamento, com prova gravada e nos demais termos que as actas descrevem, nela tendo sido tomadas declarações de parte ao executado/embargante e ao exequente/embargado e os depoimentos das testemunhas E…, D…, F…, G… e H….

Com data de 24-07-2014, foi proferida sentença (fls. 81 a 94), na qual se concluiu que “provou-se que por conta da dívida o embargado recebeu mobiliário no valor de, pelo menos, um dos cheques”, se afirmou que “o pagamento é uma forma de extinção das obrigações” e, assim, se decidiu “julgar os embargos parcialmente procedentes e, em consequência, determinar o prosseguimento dos autos executivos a que o presente processo está apenso para cobrança da quantia de 4.125,00€, acrescida de juros vencidos desde a data de vencimento do cheque datado de 30 de Maio de 2008”.

Por requerimento de 20-10-2014, o exequente/embargado arguiu, perante o tribunal de 1ª instância, nulidade por ser inaudível o depoimento de quatro das testemunhas ouvidas na audiência de 27-06-2014 (fls. 79 e 80, onde consta ter sido realizada a gravação), só sendo perceptíveis as perguntas que lhes foram dirigidas.

Entretanto, o mesmo exequente/embargante, por requerimento de 22-11-2014 (fls. 104 a 130), dizendo-se inconformado com a sentença, dela interpôs recurso, também da matéria de facto, terminando com estas “conclusões” rematadas com um “requerimento”: “I - Ocorrem manifestas e sérias deficiências na gravação dos depoimentos das testemunhas prestados em audiência (2.ª sessão de julgamento) que teve lugar no dia 27.06.2014, particularmente visíveis quanto às testemunhas D…, F…, G… e H…, porquanto várias partes do respectivo depoimento se apresentam completamente imperceptíveis, maxime, no que concerne às respostas dadas às perguntas formuladas pela Mm.ª Juíza e pelos mandatários das partes; II - As falhas registadas na gravação impedem a cabal reapreciação da matéria de facto pelo Tribunal superior, ao mesmo tempo que constituem um obstáculo intransponível para a parte impugnante quanto ao cumprimento do ónus de alegação especial previsto pelo art. 640º do CPC, que vê assim arredado o seu direito de recurso sobre a matéria de facto legalmente consagrado.

III - Uma vez que as deficiências apontadas à gravação dos depoimentos referidos dizem directamente respeito à matéria que se pretende impugnar e ver alterada, ou seja, a que resulta da alínea d) dos factos provados, encontra-se impossibilitado o direito do recorrente à sua impugnação e a correspondente possibilidade de reexame da matéria de facto a efectuar pelo Tribunal ad quem em sede de recurso.

IV – O que constitui nulidade processual, nos termos do disposto no art. 195º, nº1 do CPC, uma vez que se trata de uma irregularidade susceptível de influir no exame e decisão da causa.

V – A presente nulidade já foi igualmente arguida (20.10.2014) junto do tribunal a quo, dentro do prazo de 10 dias a contar do momento em que a gravação lhe foi disponibilizada (13.10.2014), não tendo até ao momento recaído qualquer decisão definitiva sobre a arguida nulidade.

VI – Analisado o teor da redacção do novo n.º 3 do art.º 155 do NCPC apenas consta que “A gravação deve ser disponibilizada às partes, no prazo de dois dias…”., não constando daquele normativo qualquer imposição à parte de requerer a gravação em dois dias após a sessão de julgamento. Essa obrigação deverá ser entendida como um dever do próprio Tribunal em disponibilizar.

VII - O aqui recorrente não interveio em nenhum outro acto praticado no processo posteriormente à audiência, e assim, só pôde ter tomado conhecimento da nulidade existente quando lhe foi entregue o registo magnético da prova produzida em audiência a fim de preparar as alegações da apelação.

VIII - Nos termos do Decreto-Lei n.º 39/95, de 15.2, a gravação é feita, em regra, com equipamento existente no Tribunal e executada por funcionários de justiça arts. 3º, nº1 e 4º do citado Decreto-Lei Se ocorrerem anomalias na gravação, dispõe-se no referido DL que se, em qualquer momento, se verificar que foi omitida qualquer parte da prova ou que esta se encontra imperceptível proceder-se-á à sua repetição sempre que for essencial ao apuramento da verdade (art. 9º).

VIX - Se outro fosse o entendimento, ele colidiria até com os novos princípios fundamentais no novo CPC, que visam sobretudo um novo paradigma: o da descoberta da verdade material em detrimento das questões de forma.

X – o legislador previu a intervenção OFICIOSA do Juíz no sentido de no decurso do primeiro ano subsequente à entrada em vigor da Lei n.º 41/2013, de 26 de Junho corrigir ou convidar a parte a corrigir o erro sobre o regime legal aplicável por força da aplicação das normas transitórias previstas na presente lei e promover a superação de qualquer equívoco na prática ou omissão de actos processuais em que se verifique que a parte agiu em erro sobre o conteúdo do regime processual aplicável. Vide art.º 3 do supra citado dispositivo legal.

XI - A entender-se, por mera hipótese académica, que a parte teria o prazo de dois dias para requerer o suporte informático, o que deveria ter acontecido após a audiência de julgamento do dia 27/06/2014, a parte, porque se tratava de um processo declarativo enxertado num outro executivo datado de 2013, agiu pensando na anterior lei que não previa essa obrigação, pelo que ao abrigo do normativo supra invocado na conclusão anterior e porque estaríamos dentro do ano que o legislador entendeu por bem fixar, sempre o Mm.º Juiz do Tribunal a quo poderá aplicar a lei anterior que não fazia qualquer referência a tal obrigação, adequando assim o regime processual aplicável.

XII -Esta nulidade importa a anulação do acto viciado (art. 195º, nº 1 do CPC), na parte em que influencia a decisão da causa, bem como dos subsequentes actos daquele dependentes, designadamente, da decisão da matéria de facto e da douta sentença recorrida (art. 195º, nº 2 do CPC).

Sem prescindir, XIII -Resulta dos factos provados que o cheque referido em a) ii) dos factos provados foi pago ao exequente mediante a entrega de móveis que um tal D… e o aqui exequente avaliaram em montante equivalente ao do cheque. Vide alínea d) dos factos provados XIV - Tais factos, na humilde perspectiva do aqui recorrente, não são consubstanciadores da datio in solutio, uma vez que os mesmos não cumprem o disposto no artigo 342º, nº 2, do Código Civil, XV - Incumbia ao aqui recorrido o ónus de alegação e de prova dos factos reveladores de que operaram o pagamento da quantia inserta no cheque melhor descrito em a) ii) dos factos provados por via da entrega ao recorrente dos referidos móveis (artigo 342º, nº 2, do Código Civil).

XVI - Entre as causas de extinção das obrigações além do cumprimento figura a dação em cumprimento (artigo 523º do Código Civil). O conceito de dação em cumprimento consta do artigo 837º do Código Civil, segundo o qual, a prestação de coisa diversa da que for devida, embora de valor superior, só exonera o devedor se o credor der o seu assentimento.

XVII - Os factos provados revelam que para pagamento do aludido cheque foram entregues móveis de valor equivalente, mas não revelam por quem e a que título foram os mesmos entregues, nem tão pouco a vontade do recorrente a propósito dessa entrega.

XVIII - Incumbia ao executado/oponente e ora recorrido a prova de que entregou ao recorrente os móveis para cumprimento parcial da obrigação exequenda com o consentimento do último, mas não cumpriu integralmente tal ónus.

XIX - Dos factos mencionados sob a alínea d) apenas resulta que alguém (pois não ficou provado quem) durante a segunda metade de 2008 e inícios de 2009, para pagamento de um cheque, entregou ao recorrente móveis com o valor equivalente ao do referido cheque. Eles revelam, por isso, que o recorrente recebeu coisa diferente da quantia equivalente a quatro mil cento e vinte e cinco euros (valor do cheque), ou seja, móveis, para pagamento da quantia mencionada sob a alínea a) ii); XX - Todavia, não revelam o acordo entre o recorrente e o recorrido no sentido da alienação dos móveis com vista a exonerar aquele, no todo ou em parte, da obrigação de restituição da quantia mencionada...

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