Acórdão nº 730/13.7PJPRT.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 25 de Novembro de 2015

Magistrado ResponsávelCASTELA RIO
Data da Resolução25 de Novembro de 2015
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Na 1ª Secção Judicial / Criminal do TRP acordam em Conferência os Juízes no Recurso Penal 730/13.

7PJPRT.P1 vindo do Juiz 5 da Secção Criminal da Instância Local do Porto da Comarca do Porto após extinção da 2ª Secção do 3º Juízo Criminal do Tribunal Criminal do Porto Submetido o Arguido B… [1] a JULGAMENTO por Tribunal SINGULAR em Processo COMUM, a AUDIÊNCIA culminou na SENTENÇA [2] que o condenou em 2 meses de prisão substituídos ut art 43-1 do CP por 60 dias de multa a 5 € diários que, caso não seja paga, cumprirá tais 2 meses de prisão ut art 43-2 do CP, pela autoria material pelas 00:30 de sábado 25-5-2013 do acusado crime doloso de tráfico de menor gravidade de 1,590 grama de canábis (resina) p.p. pelo art 25-a da LEP - DL 15/93 de 22/1 - com atenuação especial da pena abstracta ut art 73-1-a-b do CP por «menoridade penal» do art 4 do DL 401/82 de 23/9, nas custas crime sendo 2 UC de taxa de justiça e 11 UR de honorários cfr arts 513 e 514 do CPP e 8-9 do RCP de 2012, mais, o perdimento a favor do Estado e para destruição da droga apreendida cfr arts 35, 36 e 62-6 da LEP, ademais, a restituição ao Arguido de objectos e quantia monetária apreendida por não se ter apurado sua proveniência ilícita, a final, o envio de BRC à DSICrim e de certidão cfr art 64 da LEP.

Inconformado com o decidido, em tempo o MINISTÉRIO PÚBLICO interpôs RECURSO pela Declaração de interposição com MOTIVAÇÃO a fls 118-139 rematada com as sgs 25 CONCLUSÕES [3]: 1. Incide o presente recurso sobre o teor da douta decisão que condenou o arguido B… pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes de menor gravidade, p. e p. pelo art. 25º, nº 1, a), do DL nº 15/93, de 22.01.

  1. Impugna-se a decisão proferida sobre a matéria de facto fixada, nos termos dos arts. 412º, nº 3, als. a), b) e c), e nº 4, do CPP.

  2. O tribunal a quo deu como provado (ponto 2 da matéria de facto provada), que: - “(…) o arguido B… detinha duas embalagens de canábis (resina) com o peso líquido de 1,590g (…), que o arguido destinava a ser consumido por si e, ainda, pelo seu primo, C…, sendo que tal produto foi adquirido pelo arguido apenas com dinheiro seu”.

  3. Contudo, face à prova produzida em audiência de julgamento, máxime às declarações do arguido e da testemunha C…, tidas por credíveis pelo tribunal a quo, e consequentemente por este valoradas de forma positiva, resulta provado um quadro factual mais complexo do que o constante do citado ponto 2, dos factos dados como provados na douta sentença.

  4. Assim, e para além dos factos que integram já o acervo dos factos tidos como provados na douta sentença, deveriam constar ainda, como provados, os subsequentes: - a canábis adquirida pelo arguido era sua exclusiva propriedade; - o arguido não pretendia dividir a canábis com o primo C…; - o arguido pretendia fumar a canábis com o seu primo, partilhando o consumo “do charro”.

  5. Da correcção da matéria de facto dada como provada, nos termos propugnados, decorrem implicações ao nível da qualificação jurídica da conduta do arguido.

  6. Não se provou que a droga detida pelo arguido se destinasse a ser “traficada” (no sentido de comercializada, vendida a terceiros com intuito lucrativo).

  7. O arguido reconheceu que, embora o seu primo (a testemunha C…) o tivesse acompanhado aquando da compra do produto estupefaciente, este foi adquirido apenas por si, com o seu dinheiro e era sua propriedade exclusiva.

  8. Contudo, quando detalhou a sua intenção, o arguido declarou: pretendia fazer um “charro e fumava-mos os dois” (ele e o primo, a testemunha C…).

  9. Do acervo fáctico corrigido resulta pois uma situação de consumo partilhado de estupefacientes, já que a canábis detida pelo arguido era para seu consumo pessoal e para consumo partilhado com o seu primo.

  10. Ora tal conduta é, considerando que o bem jurídico protegido pelo tipo de tráfico de estupefacientes de menor gravidade, p. e p., pelos arts. 21º e 25º, do DL nº 15/93, de 22.01, é a saúde pública, atípica.

  11. A mencionada atipicidade resulta do facto de a conduta desenvolvida pelo arguido se revelar inapta para agredir o bem jurídico tutelado pela incriminação.

  12. É que “Quando estiver perfeitamente circunscrito e for diminuto o âmbito das pessoas a quem a droga for transmitida fica excluído o perigo de dano para a saúde pública, ou este é completamente subalternizado em detrimento do interesse da saúde individual. A conduta do cedente da droga, pressuposta a aceitação do recebedor, só pode ser entendida como auxílio a uma conduta autolesiva”.

    [4] 14. A existir qualquer lesão do bem jurídico protegido a mesma mostra-se insignificante, irrelevante e, consequentemente, a conduta lesiva tem-se por lícita.

  13. Não se pode ignorar que a categoria fundamental do tipo de ilícito tem uma função de garantia, que resulta do princípio democrático “nullum crimen, nulla poena sine lege”: é apenas crime o que se encontra legalmente tipificado.

  14. Sendo que “todos os tipos incriminadores têm de ser interpretados como contendo uma cláusula restritiva (implícita) de inadequação social, a qual conduziria a excluir do tipo de ilícito todas as acções que não “caem notoriamente fora da ordenação ético-social da comunidade.”[5] 17. Cumpre pois introduzir no tipo de ilícito uma “cláusula restritiva de inadequação social.” 18. É que, “Partindo da aceitação de que o tipo legal de crime não constitui a descrição valorativamente neutra de uma determinada forma de conduta, e que não basta à decisão sobre o seu preenchimento o desempenho pelo juiz de uma tarefa de subsunção silogístico-formal, importa indagar face ao caso concreto se a razão de ser que inspira a norma se cumpre aí.

    ” [6] 19. Do antedito decorre que devem ser removidas do âmbito de aplicação da norma incriminadora condutas que, embora formalmente típicas, não adquirem verdadeira dignidade penal considerando o bem jurídico tutelado.

  15. Temos então que a conduta do arguido, descrita no quadro factual provado corrigido, embora preencha integralmente os elementos objetivos do tipo de crime previsto nos arts. 21º e 25º, do DL nº 15/93, de 22.01, não agride o bem jurídico protegido (saúde pública), configurando a prática de uma conduta atípica (situação de consumo partilhado).

  16. Deve, em consequência, o arguido ser absolvido da prática do crime de tráfico de estupefaciente de menor gravidade, p. e p. pelos arts. 21º e 25º, do DL nº 15/93, de 22.01.

  17. Dado que não se encontra especificado no relatório pericial o grau de pureza da substância estupefaciente, fica contudo prejudicada a imediata subsunção dos factos, quer ao crime de consumo, p. e p. pelo art. 40º, nº 2, do DL nº 15/93, de 22.01, quer à contraordenação consagrada nos artigos 2°, nºs1 e 2 e 28° da Lei n° 30/2000, de 29 de Novembro.

  18. A sentença recorrida enferma, então e pelos motivos expostos, ainda do vício de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, previsto no artº 410º, nº 2, al. a) do CPP, por preterição do princípio da investigação e da descoberta da verdade material, do que resulta a necessidade de reenvio, nos termos do art. 426º, nº 1 e 426º-A, ambos do CPP, do processo para novo julgamento, posto que os autos não possuem os elementos necessários à decisão da causa.

  19. Ao conter uma apreciação incorreta da prova produzida, da qual decorreu uma incorreta fixação dos factos provados, violou a douta decisão recorrida o art. 127º, do CPP e, concomitantemente, o disposto nos arts. 21 e 25º, nº 1, a), e 40º, estes do DL nº 15/93, de 22.01, bem como os artigos 2°, nºs1 e 2 e 28° da Lei n° 30/2000, de 29 de Novembro.

    Padece ainda a decisão em crise do vício previsto no artº 410º, nº 2, al. a) do CPP.

  20. Em consequência deverá o tribunal “ad quem”: - revogar a douta sentença recorrida; - fixar a matéria de facto nos termos atrás propugnados; - absolver o arguido da prática de um crime de tráfico de estupefacientes de menor gravidade, p. e p. pelos arts. 21º e 25º, nº 1, a), do DL nº 15/93, de 22.01; - decidir pelo reenvio do processo à primeira instância, para que seja realizado o necessário exame pericial complementar ao produto estupefaciente, com o propósito de aferir do seu grau de pureza, tendo em conta o disposto no art. 40º, nº 2, do DL nº 15/93, de 22.01, e nos artigos 2°, nºs1 e 2 e 28° da Lei n° 30/2000, de 29 de Novembro .

    ● Nestes termos, e nos demais de direito, que V. Exas. … se dignarão suprir, deve ser julgado procedente o presente recurso, alterada a douta sentença no que concerne à decisão sobre a matéria de facto e, estabelecido novo quadro fáctico, ser absolvido o arguido da prática de um crime de crime de tráfico de estupefacientes de menor gravidade, p. e p. pelo art. 25º, nº 1, a), do DL nº 15/93, de 22.01, e reenviado o processo à primeira instância» [7].

    ADMITIDO o Recurso a subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito suspensivo para este TRP ut arts 399, 401-1-a, 406-1, 407-2-a, 408-1-a e 427 do CPP por Despacho a fls 140 notificado a Sujeitos Processuais inclusive nos termos e para os efeitos dos arts 411-6 e...

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