Acórdão nº 1579/14.5TBVNG.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 08 de Julho de 2015

Magistrado ResponsávelANA PAULA AMORIM
Data da Resolução08 de Julho de 2015
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Testamento-1579/14.5TBVNG Proc. 389/15-TRP Recorrente: B… Recorrido: C…-Juiz Desembargador Relator: Ana Paula Amorim Juízes Desembargadores Adjuntos: Rita Romeira Manuel Fernandes* * *Acordam neste Tribunal da Relação do Porto[1] ( 5ª secção judicial – 3ª Secção Cível ) I. Relatório Na presente ação que segue a forma de processo ordinário em que figuram como: - AUTOR: C…, residente na …, n.º …., …, Vila Nova de Gaia; e - RÉ: B…, residente na Rua …, n.º …, …, Vila Nova de Gaia pede o Autor a título principal, a anulação de dois testamentos celebrados por D… em 14/03/2011 e 12/12/2011 e uma cessão gratuita de quinhão hereditário celebrada em 18/07/2012.

Alegou para o efeito e em síntese, a incapacidade da testadora e cedente para compreender o alcance do que declarou e tratarem-se de negócio usurários.

A título subsidiário pede que se declarem nulas as disposições testamentárias ao abrigo do disposto no artigo 2194.º, do C. C..

-A Ré contestou, defendendo-se por exceção e por impugnação.

Por exceção, suscita a litispendência, porque no incidente de habilitação o Autor veio em incidente de intervenção espontânea opor-se à cessão.

Impugna os factos alegados a respeito da falta de capacidade da testadora e cedente.

-Elaborou-se o despacho saneador, com enunciação do objeto da ação e temas de prova.

-Realizou-se o julgamento, mantendo-se válida e regular a instância.

-Proferiu-se sentença com a decisão que se transcreve: “ Pelo exposto, julga-se totalmente procedente a presente ação e, em consequência declaram-se anulados os negócios referidos em 3), 4) e 7), dos factos provados.

Custas pela Ré”.

- A Ré veio interpor recurso da sentença.

-Nas alegações que apresentou a apelante formulou as seguintes conclusões: 1º. Foi peticionado nestes autos anulação de dois testamentos e uma escritura de cessão com base em dois facto, a saber: a incapacidade da D… em querer e entender declarado e ainda por ser um negócio usurário, sendo que subsidiariamente, deveriam ser anulados com base no art. 2194º do Cód. Civil.

  1. Após julgamento, não se provou essa incapacidade de querer e entender da outorgante, mas julgou-se procedente a usura, nos termos do art. 282º n. 1 do Cód. Civil.

  2. Daí que, entende a Ré que o Tribunal, livremente e arbitrariamente entendeu passar uma esponja nas vontades da D… e, decidiu o que fazer com os seus bens, nada interessando o que aquela queria e pretendia fazer com os mesmos, quando não tinha herdeiros legitimários.

  3. Dos factos provados e da sua fundamentação, resulta evidente que a D… estava lucida e queria aqueles atos notariais, o que a levou a outorgar os mesmos, neste sentido vid. sentença que refere “Dos factos provados, não conseguimos retirar que, quer em relação aos testamentos, quer em relação à cessão gratuita do quinhão hereditário, a já falecida outorgante dos mesmos sofresse dessa incapacidade. Desde logo, se assim fosse, poderia ter sido detetada por quem redigiu tais negócios e nada disso se suscitou pois foram lavrados. Por outro lado, mesmo que tal incapacidade pudesse existir e não fosse detetável a terceiros, o certo é que, face à factualidade provada, não vemos que a mesma sofresse dessa incapacidade. Não há um qualquer facto que demonstre que a falecida não tivesse capacidade para entender e alcançar o teor do que estava a realizar.” (negrito nosso).

  4. Porém, apesar do referido em 4º, dá como provado, também, que: “…existe um quadro físico da falecida que demonstra que é uma pessoa frágil e dependente e de terceiros.” e “Alguém, com idade entre os setenta e cinco e setenta e sete anos, com aqueles problemas físicos e dependente totalmente de terceiros para poder sair do local onde a coloquem, está numa situação de inferioridade.” …“Temos deste modo uma situação de inferioridade de D…, um atuação consciente da Ré no sentido de criar ainda mais dependência daquela em relação a si, criando certamente um fortíssimo receio de ficar sozinha sem ninguém a cuidar de si.”… “…a obtenção de benefícios patrimoniais sem qualquer justificação pois aceita-se que a doente doasse bens, dinheiro à Ré, numa proporção aceitável mas não que se despojasse de todo o seu património para alguém que só conheceu cerca de dois anos antes de falecer.”, concluindo pelo preenchimento do referido no art. 282º n. 1 do Cód. Civil e, anulando todos os três atos notariais.

  5. No entendimento da Ré, a sentença proferida padece dos seguintes vícios: a) – Errada aplicação do art. 282º n. 1 do Cód. Civil aos testamentos; b) – Existir contradição entre a fundamentação para a não anulação por incapacidade e a fundamentação para anulação como negócio usurário e os depoimentos prestados; c) – Não existe qualquer benefício excessivo ou usurário; d) – Contradição entre factos provados e decisão; e) – Violação do Principio da Confiança e da Igualdade.

    A – Errada aplicação do art. 282º n. 1 do Cód. Civil aos testamentos: 7º. O art. 282º n. 1 do Cód. Civil não é de aplicação aos negócios jurídicos unilaterais não receptícios, como o é um testamento, apenas se aplicando aos negócios jurídicos bilaterais, neste sentido vid. Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de datado de 27 de maio de 2010, in www.dgsi.pt que nos refere, sem margem para dúvidas o seguinte: “A questão a decidir no recurso é a de saber se, perante a matéria de facto dada como provada, se pode concluir que o testamento deve ser anulado, de acordo com o disposto no artigo 282º do Código Civil. …no caso concreto este artigo não tem aplicação, pois, como já se referiu, o testamento é um simples negócio unilateral.” (negrito nosso).

  6. Mais a mais quando o douto acórdão referido na sentença ora em crise refere-se a uma situação de coação moral e não de usura (vid. Acórdão do STJ de 22 de maio de 2003 referido na sentença).

  7. Posto que, por uma errada aplicação do Direito aos presentes autos, ainda que se entenda ser de anular a citada escritura, por usura, sempre seriam válidos os testamentos, dado que o instituto previsto no art. 282º n. 1 do Cód. Civil não se aplica aos testamentos, logo, dever-se-á alterar a sentença recorrida, por um douto Acórdão que valide tais testamentos.

    B – Contradição entre a fundamentação para a não anulação por incapacidade e a fundamentação para anulação como negócio usurário e os depoimentos prestados; 10º. De acordo com a matéria de facto dada como provada e respetiva fundamentação para não anular os atos notariais por incapacidade, a mesma é contraditória para com os fundamentos para a procedência da usura, sendo que, para tal, não leva em linha de conta dos depoimentos prestados.

  8. Aqui chegados teremos que verificar o preenchimento dos três requisitos para se verificar a usura (1º. situação de inferioridade; 2º. atuação consciente do declaratário ou de terceiro e 3º. excesso ou injustiça no proveito), sendo que deveremos apreciar de forma diferenciada os testamentos (negócio unilaterais) da escritura (negócio bilateral), assim: Testamentos: 12º. Quando á situação de inferioridade, o Tribunal preencheu a mesma com a dependência física da D…, alegando uma paralisia do membro inferior esquerdo, porém, nos autos, nada nos refere se existe paralisia total ou parcial e se é ao nível dos membros superiores ou inferiores ou de ambos.

  9. Por outro lado, atento os depoimentos prestados, verificamos que essa dependência de movimentação, apesar de existir, não era limitativa da sua vontade e do seu querer, pois, estando na posse plena das suas faculdades mentais, nada a impedia de realizar aqueles atos, a favor da Ré ou de terceira pessoa.

  10. E, conjugando os depoimentos prestados em sede de julgamento, que levaram o Tribunal a não anular os atos notariais, com base na incapacidade de entender e querer, a decisão acerca da peticionada usura teria que ser outra pois, para dar como provada a situação de inferioridade, teria que dar como provada a incapacidade de querer e entender tais atos notariais.

  11. Mas mais, atentos os depoimentos, verificamos que a falecida D… era uma pessoa lúcida, vigorosa, determinada, na plena posse das suas faculdades mentais, logo, em nada inferiorizada, pelo que, a decisão deveria ser diversa da sentenciada nos autos, isto atento os depoimentos das testemunhas do Autor, Srª. E…; Srª F…, Srª G… (esposa do Autor) e Srª H…, cujas transcrições referidas nas alegações aqui damos por incluídas, para os devidos e legais efeitos.

  12. Depoimentos esses corroborados pelas testemunhas, Dr. I…, Enf. J… e K…, cujas transcrições referidas nas alegações aqui damos por incluídas, para os devidos e legais efeitos, ou seja, todos referem uma pessoa vigorosa e mandona, logo, em nada inferiorizada pela sua situação física.

  13. Pelo que, o primeiro dos três requisitos da usura não se encontra preenchido, logo, por uma contradição insanável entre a fundamentação da sentença e a decisão e entre a prova produzida e a decisão, que leva a uma errada aplicação de Direito, dever-se-ia ter-se absolvido a Ré (nesta parte) e, em consequência validar-se tais testamentos, mas continuando, 18º. Prosseguindo para o segundo requisito da usura, nunca poderia o Tribunal a quo ter decidido como decidiu pois, sendo ambos testamentos, não existe qualquer prova da intervenção da Ré na elaboração, pressão ou realização dos mesmos para obter para si um benefício, logo, não se encontra presente o segundo requisito, mais a mais quando os desconhecia, não tendo o Autor feito prova em contrário, nem sequer alegado tal na sua douta P.I.

  14. O que leva a uma pergunta como poderia a Ré tirar proveito de algo que desconhecia, daí que, face á ausência de factos e/ou matéria dada como provada, a verdade é que ambos os testamentos deveriam ter sido dados como válidos e, consequentemente, improcedentes os autos, pois, falta, desde logo, o segundo requisito, dado que, sem os conhecer, a Ré não poderia ter forçado a falecida D… á sua realização.

  15. Por fim, o terceiro requisito que, ainda que se dê como provados os dois anteriores, não conseguimos atingir como o...

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