Acórdão nº 261/14.8TYVNG.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 08 de Julho de 2015

Magistrado ResponsávelMANUEL DOMINGOS FERNANDES
Data da Resolução08 de Julho de 2015
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Processo nº 261/14.8TYVNG.P1-Apelação Origem: Comarca do Porto-V. N. Gaia-Inst. Central-2ª Sec.Comércio-J2 Relator: Manuel Fernandes 1º Adjunto Des. Caimoto Jácome 2º Adjunto Des. Macedo Domingues Sumário: I- O processo especial de revitalização (PER) visa a viabilização ou recuperação do devedor, recuperação essa agora elevada a fim essencial do CIRE, devendo o Tribunal, em sede de juízo quanto à homologação do plano de recuperação, ter em conta o favor debitoris e a finalidade do PER de revitalização do tecido empresarial, apenas sendo de obstar à violação de normas imperativas e a resultados de todo não autorizados pela lei.

II- Devem ter-se por não negligenciáveis as violações de normas imperativas que acarretem a produção de um resultado não permitido pela lei, influindo na decisão do PER.

III- Se um credor, com crédito reclamado e reconhecido, manifestou a sua vontade de participar nas negociações, mas não lhe foi dada essa possibilidade de participação, assim o deixando afastado do iter que levou à aprovação e homologação desse plano, ocorre violação não negligenciável da norma do art.º 17.º-D, n.º 6, do CIRE.

IV- O princípio da igualdade dos credores não proíbe ao plano de insolvência que faça distinções entre eles–proíbe apenas diferenciações de tratamento sem fundamento material bastante, sem uma justificação razoável, segundo critérios objectivos relevantes.

V- É, por isso, admissível, o estabelecimento, pelo plano de diferenciações no tratamento jurídico de situações que se afigurem, sob um ou mais pontos de vista, idênticas, desde que, por outro lado, apoiadas numa justificação ou fundamento razoável, sob um ponto de vista que possa ser considerado relevante.

VI- A ofensa, pelo plano, do princípio da igualdade dos credores constitui uma violação não negligenciável e, consequentemente, causa fundada de recusa da sua homologação.

*I-RELATÓRIO Acordam no Tribunal da Relação do Porto: B… com domicílio profissional na Rua …, nº …, Porto, veio instaurar o presente Processo Especial de Revitalização.

*Foi apresentada a lista provisória de credores.

Foram deduzidas impugnações, que foram decididas.

*Foi apresentado plano de recuperação.

*A Credora D… veio requerer a não homologação do plano de recuperação.

Para tanto, alegou, em síntese, que: - No dia 06/03/2014, o devedor veio instaurar o presente PER e a 13/03/2014 foi publicado no Portal Citius o anúncio relativo à nomeação do Administrador Judicial Provisório (AJP), tendo, nessa sequência, a credora informado o Sr. AJP da sua intenção de participar nas negociações; - A 27/05/2014, o devedor e o Sr. AJP acordaram a prorrogação do prazo para concluir as negociações por mais um mês, tendo sido tal requerimento publicado no Portal Citius a 28/05/2014; - O devedor, por email datado de 30/06/2014, comunicou o plano de revitalização à devedora; - Por correio registado, expedido no dia 30 de Junho de 2014, o Devedor, através da sua Ilustre Mandatária, enviou “o Plano de Recuperação da empresa, que resultou das negociações encetadas”, mais informando que “a votação é unicamente realizada por voto escrito, que deverá ser remetido e entregue ao Administrador Judicial provisório até ao dia 10 de Julho de 2014”; - sucede que as negociações com a credora não existiram, não tendo a credora sido contactada pelo devedor ou pelo AJP para esse efeito, tendo a credora apenas sido notificada do plano de recuperação; - tal comportamento não é legalmente admissível, tendo-se verificado a violação dos princípios da boa-fé negocial, da cooperação e da transparência; - o CIRE apenas prevê a classificação dos créditos como “garantidos e privilegiados”, os créditos “subordinados” e “comuns”, não sendo possível a classificação de outro modo; - sucede que o devedor divide os créditos noutras categorias que não as referias supra, dando tratamento diferente aos créditos comuns; - o que constitui violação do conteúdo do plano (artº 195º, nº 1, do CIRE), como violação do princípio da igualdade entre credores (cfr. artigo 194.º do CIRE), não se vislumbrando a referência às razões objectivas das diferenciações operadas entre credores comuns pelo referido plano; - não deve, portanto, o plano ser homologado; - Ainda que inexistissem as violações ao princípio da igualdade supra mencionadas, sempre teria o Plano de Revitalização de referir a expressa derrogação do referido princípio–o que também não aconteceu (cfr. artº 195º, nº 2, al. e), do CIRE); - pelo que deve ser rejeitada a homologação.

*Devidamente notificado veio o requerente pronunciar-se sobre o requerimento para recusa de homologação do plano apresentado, pugnando pela homologação, nos seguintes termos: - impugnou a generalidade dos factos alegados pela credora, alegando a inexistência de elementos probatórios que os suportassem; - mais indicou que a questão deste processo tem a ver com um estabelecimento comercial, que gira em nome individual, e não com a pessoa em si; - é manifesto que inexiste violação do plano em si.

*O Sr. AJP veio também pugnar pela homologação do plano.

Para tanto alegou, em síntese, que: - inexiste qualquer disposição legal que obrigue ao AJP (ou ao requerente do PER) que proceda à negociação do plano, com intervenção unitária dos credores, não sendo proibida a negociação inicial com alguns credores, prosseguindo depois a negociação com os demais credores; - foi o que sucedeu neste processo, iniciando-se as negociações com o credor C…, prosseguindo depois as negociações com outros credores; - é esta a natureza que tem que tem de ser interpretada a comunicação feita à ilustre mandatária da credora, datada de 30/16/2014; - é inequívoca a recusa da credora em participar em qualquer negociação; - inexiste qualquer violação não negligenciável das regras procedimentais; - existe uma confusão entre o que seja um comerciante–ainda que em nome individual–e a pessoa singular, considerada fora do comércio; - caso assim não fosse, este Tribunal seria incompetente, pois não lhe cabe aferir de revitalização de pessoas singulares; - os créditos de natureza não comercial apenas subsistiam por se tratar de um crédito prestado a terceiro em contrato de crédito hipotecário; - inexistem diferenciações operadas no plano quanto a credores comuns.

*Fixada a matéria factual foi, a final, proferida decisão que recusou a homologação do plano de recuperação apresentado.

*Não se conformando com o assim decidido veio o requerente interpor o presente recurso concluindo as suas alegações pela forma seguinte: A – Versa o presente recurso a aliás douta, decisão que recusou a homologação do plano de revitalização que havia merecido o voto favorável da maioria legalmente necessária à aprovação daquele plano de recuperação; B - Assentou tal decisão nas vertentes que se assinalam: · Violação, cometida ao aqui Recorrente–rectius, ao Senhor Administrador Judicial Provisório-, das regras procedimentais, que emergiriam da estatuição legal objectivada n artigo 17.º- D, n.º 10 do CIRE; e · Violação do princípio de igualdade entre os credores, imposto pelo artigo 194.º, n.º 1 do CIRE.

Tudo pelos fundamentos que melhor são referidos na decisão sob recurso.

C – Preceitua o n.º 10 do artigo 17.º - D do CIRE que “Durante as negociações os intervenientes devem actuar de acordo com os princípios orientadores aprovados pela Resolução do Conselho de Ministros n.º 43/2011, de 25 de Outubro”, importando, desde já, realçar que os ditos princípios orientadores impõem-se a todos os intervenientes … não apenas ao devedor; D - No entender do Recorrente, são aqueles princípios orientadores os seguintes: “Segundo Princípio–Durante todo o procedimento, as partes devem actuar de boa-fé, na busca de uma solução construtiva que satisfaça todos os envolvidos; Terceiro Princípio–Deve ser garantida uma abordagem unificada por parte dos credores, que melhor sirva os interesses de todas as partes; Quarto Princípio–Os credores envolvidos devem cooperar entre si e com o devedor de modo a concederem a este um período de tempo suficiente para obter e partilhar toda a informação relevante e para elaborar e apresentar propostas para resolver os seus problemas financeiros; Nono Princípio – As propostas de apresentadas e os acordos realizados durante o procedimento, incluindo aqueles que apenas envolvam os credores, devem reflectir a lei vigente e a posição relativa de cada credor.” É neste quadro que deverá decorrer a tentativa de lograr obter a adequada solução para a questão colocada; E - No que tange à matéria de facto dada por assente, não pode o aqui Recorrente aderir ao que foi vertido ao n.º 5–no que concretamente se refere à prévia definição do plano com o credor C… -, por não resultar provado que assim fosse; F - E, muito menos, com o sentido e finalidade que foram assumidos pelo Julgador, quando, no último parágrafo da pág. 12 da decisão em recurso, afirma: “Contudo, já no caso do Credor C…, este foi contactado tendo com este definidos termos do plano que ira ser submetido à votação (cfr. Número 5 dos factos provados)”; G - Nenhuma dúvida tem o Recorrente em aderir ao entendimento do Mer.mo Juiz a quo quanto à normalidade da actuação consistente na obtenção o prévio acordo com o Credor C…, dada a essencialidade do voto deste para a provação do plano, por ser esse o normal comportamento do devedor em situação similar, pois que sem o acordo deste credor resultaria a inviabilidade do plano, no que tange à sua aprovação; H - Mas discorda o Recorrente do entendimento sufragado na decisão recorrida no que toca `”desconsideração” da posição do credor D… … e, muito menos, com a qualificação que é feita quanto à actuação do Recorrente e do AJP, em termos de ser subsumida a violação não negligenciável das regras comportamentais legalmente impostas em sede de CIRE.

Na verdade, não se vislumbra- mesmo atidos ao conteúdo da comunicação de 30 de Junho., em que foi dado conhecimento ao credor em questão da proposta de plano–pudesse ter sido coarctado qualquer direito...

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