Acórdão nº 27/14.5TVPRT.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 28 de Outubro de 2015

Magistrado ResponsávelSOUSA LAMEIRA
Data da Resolução28 de Outubro de 2015
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

RECURSO de APELAÇÃO Nº 27/14.5TVPRT.P1 Relator: Sousa Lameira (nº ) Adjuntos: Dr. Oliveira Abreu (n.º) Dr. A. Eleutério (n.º) Acordam no Tribunal da Relação do Porto I – RELATÓRIO 1- No Tribunal da Comarca do Porto, Porto – Inst. Central - 1ª Secção Cível - J1, a Autora B…, S.A.

intentou a presente acção declarativa de processo comum contra o réu Banco C…, S.A., alegando que o contrato celebrado entre ambos não é um verdadeiro contrato de swap, ou de permuta, de taxa de juros, mas sim um contrato especulativo, que não visa a cobertura de risco nem é derivado de uma qualquer realidade primária, redundando numa total abstracção que o degrada em mera aposta e que o esvazia de objecto, sendo por isso nulo (artigos 1285º e 280º do Código Civil).

De facto, os pagamentos recíprocos trimestrais fixados no contrato tiveram em conta um “montante nocional” de € 1.000.000,00 (um milhão de euros), valor que não está associado a quaisquer financiamentos ou obrigações que a Autora tivesse perante o Réu, não estando associado a qualquer realidade económico-financeira, a qualquer exposição ou contingência financeira da Autora, inexistindo qualquer derivação ou cobertura de risco.

Por força da execução financeira do mencionado contrato, e já considerando a compensação de créditos e débitos em cada trimestre, o Réu pagou à Autora a quantia de € 3.099,89 e a Autora pagou ao Réu à quantia de € 58.386,53, pelo que o saldo é de € 55.286,64 a favor do Réu, montante que a Autora pretende que lhe seja restituída, por aplicação do disposto no art. 289º do Código Civil.

Conclui pedindo, que se julgue a acção procedente e, em consequência, pedindo que seja declarado nulo o contrato celebrado entre ambos em 6 de Outubro de 2008 (relativo a um produto financeiro que o Réu comercializava sob a denominação de swap, na modalidade de permuta de taxa de juros), contrato que foi reestruturado em 25 de Março de 2010, com as legais consequências, nomeadamente, a restituição à Autora do valor global resultante da diferença entre os créditos e os débitos relativos à sua execução, no montante de € 55.286,64, acrescido de juros legais até efectivo e integral pagamento.

2 – Citado regularmente citado, o Réu apresentou contestação.

Alegou, em síntese, que o contrato celebrado não é meramente especulativo, uma vez que o valor nocional fixado não é um valor abstracto, mas sim um valor resultante da vontade da Autora em reduzir a sua exposição ao risco de subida da taxa de juro para uma parte da sua dívida remunerada (superior a € 1.000.000,00).

De facto, a celebração do contrato teve como activo subjacente um conjunto de financiamentos da Autora, contratados junto de outros Bancos, indexados à Euribor 3 Meses, que totalizavam um valor claramente superior a € 1.000.000,00, quer no momento da contratação, quer durante toda a vida do contrato, facto que foi aliás debatido nos vários contactos/reuniões que tiveram lugar, entre os representantes da Autora e do Réu, em datas anteriores à celebração do contrato (e sua reestruturação), tendo igualmente o Réu dado cumprimento às obrigações de informação ao cliente, legalmente previstas.

Por fim, o Réu invocou a existência de abuso de direito por parte da Autora, na modalidade de venire contra factum proprium, na medida em que vem agora invocar vícios contra uma realidade (operação de swap) que foi conscientemente negociada, contratada e efectivada em Outubro de 2008 e renegociada e reconfirmada em Março de 2010, que se manteve em execução durante mais de 3 anos e que terminou em 08/01/2012.

Concluiu no sentido da total improcedência da acção e sua consequente absolvição do pedido.

3 – A Autora respondeu à matéria de excepção reiterando os fundamentos e factos plasmados na petição inicial, reafirmando que a causa de pedir dos presentes autos nunca se colocou ao nível da omissão do dever de informação ou de incumprimento contratual do Réu, mas sim ao nível do carácter abstracto e meramente especulativo do contrato dos autos, o que não é afastado pelo facto da Autora deter responsabilidades financeiras, maioritariamente até noutras instituições bancárias, como alega o Réu.

4 – O processo prosseguiu termos, e foi elaborado despacho saneador-sentença, que julgou a acção improcedente e, em consequência, absolveu o réu Banco C…, S.A. do pedido.

5 – Apelou a Autora B…, S.A, nos termos de fls. 231 a 353, formulando as seguintes conclusões: 1ª- A decisão em recurso entendeu – eventualmente mal, mas V. Exas. dirão – não ser necessária a produção de prova adicional, nomeadamente testemunhal, e decidiu do mérito da causa sem que tivesse havido lugar a audiência de julgamento, limitando-se a “tomar posição” sobre duas teses jurisprudenciais acolhidas pelo Supremo Tribunal de Justiça relativamente à consequência jurídica a assacar à constatação de que determinado contrato de swap de taxa de juros não tem como subjacente uma posição económica subjacente, decidindo pela sua validade.

  1. - Relativamente ao momento da tomada da decisão – i.e., à circunstância de ter sido de imediato decidido o mérito da causa – a Recorrente parte do pressuposto, em face do argumentário vazado na fundamentação da Sentença, de que o Tribunal a quo considerou adquirido que, efectivamente, não existia qualquer relação entre o contrato dos autos e os financiamentos contraídos pela Autora, e, ao tê-lo feito, fê-lo bem, pois que nada nos contratos dos autos permite concluir por qualquer relação entre financiamento e swap.

  2. - Caso assim não se entenda, i.e., caso se considere que a Sentença recorrida foi tirada no pressuposto de que “não interessava” para o sentido da decisão descortinar se existia ou não um risco exógeno ao contrato de swap, então deverá ser anulada a decisão a quo e determinada a realização de prova sobre pontos de facto que se mostram controvertidos para o bom juízo da causa.

  3. - Ao contrário do que entende a Sentença, a conclusão pela autonomia do contrato de swap, que é sinalizada pela doutrina, bem como a referência a valor nocionais hipotéticos não significa que o ordenamento jurídico permita a celebração de contratos de swap com objectivos puramente especulativos, como é o caso dos autos.

  4. - Com efeito, a referência a um capital nocional hipotético é correcta apenas e na medida em que, no âmbito e por força de um contrato de swap, nomeadamente de taxa de juros, não existe troca dessa cifra (a própria Sentença o diz: “o capital, por se tratar de uma realidade hipotética ou nocional, nunca chega a ser trocado”), i.e., não há que confundir autonomia com abstracção.

  5. - Ou seja, ainda que se reconheça, como se reconhece, a natureza jurídica autónoma do contrato de swap em face do que lhe é subjacente, não se admite outra conclusão relativamente à abstracção (no sentido em que pode não existir tal subjacente) que não seja a de que o contrato visa, unicamente, a pura e dura especulação, que é proibida e sancionada com nulidade nos termos que propugnamos.

  6. - Quanto à especulação enquanto objecto do contrato de swap é pacífico que a mesma sempre existirá, desde logo porque na gestão de risco há sempre especulação, pois que se prevê uma evolução incerta e toma-se a decisão com base nessa projecção com o objectivo de obter ganhos ou reduzir perdas.

    Coisa distinta, porém, é à exposição consciente e deliberada às incertezas do mercado, com a intenção de adquirir um benefício económico sem que exista qualquer background.

  7. - Nesse caso, estar-se-ia a cindir a cobertura de risco da especulação ao contrário do que é defendido pela própria Sentença. Daí que só é lícita a especulação conquanto que exista cobertura de risco e ambas sejam “simétricas” uma da outra.

  8. - A especulação pura é associada à contratação de swaps sem que exista uma posição creditícia cujo risco se pretenda cobrir, antes se operando num vácuo financeiro – nesses casos, como é o dos autos, o valor nocional não corresponderá a uma posição financeira susceptível de ser influenciada por flutuações do mercado como uma taxa de juro, mas sim uma cifra abstracta com a qual as partes decidiram jogar sem outro objectivo que não a pura especulação.

  9. - Ora, não resulta provado que, ao contrário do excepcionado pelo banco Réu, tivesse existido qualquer objectivo de gestão de risco com a celebração do contrato de swap, tendo até o Tribunal a quo entendido – mal ou bem, o Tribunal ad quem o dirá – não ser necessário produzir prova adicional, não obstante ter dado como provado, no que contende com a relação de indiferença entre o swap e os financiamentos existentes os o que se pode ler no parte inicial dos pontos de facto 10 e 12 do probatório.

  10. - Tais factos demonstram a inexistência de qualquer relação entre o swap e os financiamentos invocados pela Ré, sendo suficientes, na perspectiva da recorrente, para que se afirme se tibiezas que não existiu qualquer relação entre as operações de financiamento a que aí se alude e o contrato de swap.

  11. - O contrato...

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