Acórdão nº 164/03.1TABGC-C.G1.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 29 de Janeiro de 2015

Magistrado ResponsávelJOS
Data da Resolução29 de Janeiro de 2015
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Apelação nº 164/03.1TABGC-C.G1.P1 – 3.ª Relator: José Fernando Cardoso Amaral (nº 207) Des. Dr. Trajano Amador Seabra Teles de Menezes e Melo (1º Adjunto) Des. Dr. Mário Manuel Batista Fernandes (2º Adjunto) Acordam na 3ª Secção Cível do Tribunal da Relação do Porto: I. RELATÓRIO Nos autos de Execução Comum pendentes na Comarca de Bragança em que é exequente B…, SA e executado C…, apresentou aquela um requerimento (fls. 2 a 5) no qual alegou ter sido penhorado (fls. 7-8) em 27-09-2011 o direito e acção deste na herança aberta por óbito de sua mãe D…, que do acto foram notificados (em 27-09-2011, conforme fls. 9 a 16) os co-herdeiros bem como (em 20-02-2012, conforme fls. 17) o cabeça de casal sem que oposição alguma houvesse sido por qualquer destes deduzida, mas que, por escritura de partilha de 15-03-2013 (fls. 19 a 34), de má fé, sem conhecimento nem intervenção sua e quebrando a relação de confiança e cooperação judicial, foram adjudicados ao mesmo 27/40 indivisos de um prédio urbano (verba 4) sito em Avintes, VN de Gaia, com que ficou preenchido o seu quinhão (não tendo tido prosseguimento o seu requerimento de 12-09-2013 no sentido de lhe ser adjudicado o quinhão hereditário), pediu ao tribunal se dignasse: a) declarar que a escritura pública de partilha é ineficaz e inoponível em relação ao exequente; b) determinar o prosseguimento da execução, seguindo-se os ulteriores termos ao pedido de adjudicação do quinhão hereditário; c) nomear fiel depositário de todos os bens que compõem a herança; d) ordenar o cancelamento de todos os registos realizados na sequência da partilha.

A tal requerimento respondeu o cônjuge viúvo, meeiro, herdeiro e cabeça de casal E… (fls. 38 a 42), alegando que a sucessão legítima e inerente partilha (no caso, anterior ao requerimento de adjudicação) não envolvem qualquer acto de disposição, tendo este acto carácter meramente declarativo e não constitutivo ou translativo (pois a aquisição hereditária não decorre de recíprocas alienações e aquisições entre os co-partilhantes, sendo cada herdeiro considerado, desde a abertura da herança, sucessor único dos bens que lhe foram atribuídos). Aceitando, embora, que a partilha constitui acto modificativo ou de conversão dos vários direitos a uma simples quota (indeterminada) de um todo (determinado) em direito exclusivo a uma parcela do todo, entende, no caso concreto, que, da partilha, não resultou qualquer determinação que se possa confundir com acto de oneração ou disposição de bens penhorados ineficaz em relação ao exequente, porquanto o quinhão hereditário do executado, que era de 1/25 avos, foi preenchido (e até excedido) com a quota de 27/40 avos indivisos do imóvel descrito na verba 4, tendo então, ele e os demais herdeiros – em que não se inclui o exponente – que o receberam em compropriedade prometido entre si proceder à divisão do prédio, pelo que, por efeito da partilha, o direito do executado a um quinhão hereditário da herança indivisa foi convertido num direito de compropriedade sobre certo e determinado imóvel que à mesma pertencia e de valor até superior ao seu quinhão, não havendo qualquer alienação nem oneração, pelo contrário ocorrendo aquisição pelo executado de bem imóvel além do seu quinhão, assim resultando até facilitada a satisfação do crédito exequendo e reforçada a respectiva garantia.

Concluiu pelo indeferimento do requerido e que a execução deve prosseguir apenas contra o património do executado tal como resultou determinado pela operação de partilha, convertendo-se a penhora do direito e acção por partilhar em penhora do direito partilhado e adjudicado.

Notificado o executado para prestar esclarecimentos, veio este informar que não deu conhecimento à execução da intenção de outorgar a escritura de partilha porque não percebeu, pelas notificações anteriores, que, em razão dos seus termos, tal dependia de prévia informação ou autorização; só percebeu que, na sequência de tais notificações, apenas estava impedido de alienar ou onerar bens de sua propriedade com eventual prejuízo da exequente; não percebeu nem percebe ainda que estivesse impedido de outorgar a partilha quando dela resultou um aumento do seu património pessoal; também não deu conhecimento aos demais herdeiros da falta de qualquer autorização nem a representou como necessária.

Ao que a exequente replicou que ele foi notificado e, por isso, tinha conhecimento da penhora efectuada do direito e acção, que, com a partilha, houve flagrante prejuízo, pois, apesar de alegar que lhe foram adjudicados bens de valor superior ao do seu quinhão, houve bens subvalorizados e influência na correcta determinação do valor, assim diminuído, do seu quinhão hereditário.

Após, conforme fls. 47 a 50, foi, com data de 11-04-2014, proferida decisão que declarou inoponível à exequente a partilha em causa e determinou o prosseguimento da execução sem alteração da penhora efectuada como se esta não existisse.

Adoptou, para tanto, o tribunal a quo, em fundamentação do assim julgado, o entendimento expresso no Acórdão do STJ, de 29-05-2012, adiante referido, de cujo texto, aliás, transcreveu longo extracto.

Inconformado, o co-herdeiro cabeça de casal E…, interpôs recurso para esta Relação, concluindo assim as suas alegações: “

  1. A partilha hereditária tem natureza declarativa, não constituindo acto de disposição ou oneração dos bens herdados, limitando-se a materializar, em bens certos e determinados, a composição do quinhão hereditário na herança indivisa.

  2. A aceitação da herança ou a partilha não tem cariz atributivo no sentido de que ela atribui ao herdeiro um direito que lhe seja estranho e que ainda não lhe pertencia, mas apenas uma natureza declarativa ou certificativa no sentido de que declara e torna certo um direito que já existia.

  3. Não existe pois qualquer acto derivado de alienação ou oneração, nos termos do artigo 819º do CC, ou seja um acto atributivo de um direito ex novo, mas sim a definição e concretização de um direito pré-existente na esfera jurídica subjectiva do Executado.

  4. A Recorrida requereu a adjudicação do quinhão hereditário do Executado em momento posterior ao daquela definição jurídica operada pela partilha, não se podendo dizer por forma alguma que aquela partilha e concretização do direito sobre bem determinado lesou qualquer interesse da Recorrida que não tinha manifestado ainda interesse na adjudicação direta do direito e acção então penhorado.

  5. O direito do Executado após concretização na partilha - de compropriedade sobre bem imóvel nº 4 da relação de bens - foi valorizado acima do valor do quinhão que lhe pertencia.

  6. A lei civil apenas pretende proteger os interesses da execução, através da figura da ineficácia.

  7. A Recorrida sequer alegou que com a partilha efetuada hajam sido lesados quaisquer concretos interesses próprios ou interesses da execução, o que a Recorrida teria de concretizar, pois a lei civil não impede que a partilha seja efetuada, obrigando à permanência de todos os interessados na indivisão.

Normas jurídicas violadas: - artº 819º do Código Civil Termos em que, deve o presente recurso ser julgado procedente e, em consequência ser revogado o despacho recorrido e substituído por outro que ordene o prosseguimento da execução exclusivamente contra o património do Executado, convertendo-se a penhora do direito e acção em penhora do concreto bem imóvel adjudicado para preenchimento do quinhão hereditário.” Nas contra-alegações, a exequente defendeu a confirmação do decidido, concluindo: “1. A partilha feita depois de o Exequente haver penhorado o direito do Executado a uma herança indivisa é um acto de disposição que, nos termos do art° 819° do Código Civil, é ineficaz ao exequente, 2. Penhorado o direito do Executado à Herança, não pode esse direito ser afectado, relativamente ao Exequente, por actos de disposição a que seja estranho.

  1. Ao não ter intervenção na partilha, a Exequente foi prejudicado, na medida em que foram atribuídos aos bens valor inferior ao do direito penhorado.

  2. O Executado e demais co-herdeiros, designadamente o Recorrente, atribuíram aos bens da herança um valor muito inferior ao de mercado.

  3. Em relação aos prédios rústicos - verbas 8 a 17 que foram adjudicados aos Recorrente e as verbas 18, 19 e 20 adjudicadas às irmãs do Executado - foram considerados os valores patrimoniais tributários, muito abaixo do seu valor real.

  4. O imóvel atribuído ao Executado foi sobrevalorizado, resultando da promessa de divisão de coisa comum, consignada na mesma escritura, que lhe ficava destinado o artigo de menor valor, apesar de também lhe ter sido atribuído um valor que não corresponde ao real.

  5. A ser considerada eficaz, a partilha seria gravemente lesiva dos interesses da execução, sancionando uma conduta que visou apenas salvaguardar os bens da herança e os interesses dos herdeiros em prejuízo da Exequente.” O recurso foi admitido por despacho de 08-07-2014 (fls. 128) como de apelação, com subida imediata, em separado e efeito meramente devolutivo, tendo o Tribunal da Relação de Guimarães declarado ser territorialmente incompetente e ordenado a remessa para o do Porto.

Corridos os Vistos legais, cumpre decidir, uma vez que nada a tal obsta.

  1. QUESTÕES A RESOLVER É pelas conclusões que, sem prejuízo dos poderes oficiosos, se fixa o thema decidendum e se definem os limites cognitivos deste tribunal – como era e continua a ser de lei e pacificamente entendido na jurisprudência (artºs 5º, 608º, nº 2, 609º, 635º, nº 4, 637º, nº 2, e 639º, nºs 1 e 2, do CPC).

    Em vista das apresentadas, a questão consiste em saber se, em caso de penhora do direito à herança, a posterior partilha, à revelia do processo executivo e do credor exequente, é ineficaz em relação a estes, por força do artº 819º, do CC.

  2. FACTOS PROVADOS Relevam os relatados, cuja prova emerge dos próprios autos.

  3. APRECIAÇÃO/SUBSUNÇÃO JURÍDICA Com o falecimento da mãe do aqui executado C…, extinguiu-se a sua personalidade (artº 68º, nº 1...

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