Acórdão nº 4562/13.4TBMAI.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 10 de Março de 2015

Magistrado ResponsávelHENRIQUE ARA
Data da Resolução10 de Março de 2015
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

PROC. N.º 4562/13.4TBMAI.P1 Do 4º Juízo Cível do Tribunal Judicial da Maia.

REL. N.º 975 Relator: Henrique Araújo Adjuntos: Fernando Samões Vieira e Cunha*ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO: I.

RELATÓRIO “B…, Lda.”, com sede na Rua …, n.º .., …, Marco de Canavezes, intentou contra “C…, S.A.”, com sede na Rua …, n.º …, Maia, acção declarativa de condenação, em processo comum e sob a forma ordinária, pedindo que esta seja condenada a pagar-lhe a quantia de 20.119,24 €, acrescida de juros contados desde a citação até integral pagamento, alegando, em síntese, o seguinte: - A Autora, que se dedica à actividade de fabrico e comércio de produtos têxteis, vendeu à empresa inglesa “D…”, em Setembro de 2012, diversas mercadorias, no valor total de 20.119,24 €, tendo contratado com a Ré, que é uma empresa transitária, o transporte dessas mercadorias para o seu cliente; - No entanto, a mercadoria não chegou ao seu destino, constando que a mesma terá sido furtada durante o transporte terrestre.

A Ré contestou dizendo: - A responsabilidade do transportador está limitada a 8,33 unidades de conta por quilograma de peso bruto em falta, de acordo com o n.º 3 do artigo 23º da Convenção CMR; - Quem fez o transporte da mercadoria foi a empresa “E…, Lda.”, que a Ré contratou para o efeito; - A Ré transferiu, mediante contrato, o risco do exercício da sua actividade e a responsabilidade que deriva desse mesmo exercício para a Companhia de Seguros F….

Finalizou esse articulado requerendo a intervenção provocada de “E…, Lda.” e da Companhia de Seguros F…, o que foi admitido por decisão proferida em 24.10.2013 (v. fls. 65/66).

A E…, no articulado de fls. 70 e seguintes, refere: - Em caso de furto ou roubo de carga, existe uma franquia de 10% de indemnização, com um limite mínimo de 5.000,00 €; - A mercadoria foi vendida em condições CIF, o que significa que os riscos inerentes ao transporte da mercadoria correm por conta do comprador, pelo que só este tinha legitimidade para reclamar qualquer indemnização pela perda da carga; - Sem prejuízo, a indemnização a receber pela Autora está limitada ao valor correspondente a 8,33 direitos de saque especial, por quilograma de peso bruto em faltam acrescido de juros à taxa de 5%.

A interveniente “E…, Lda.” também contestou, alegando que: - Os seus serviços foram, de facto, contratados pela Ré, com vista ao transporte de mercadoria, por via terrestre, para o Reino Unido; - A viagem foi iniciada em 28.09.2012 e decorreu normalmente até às 21 h do dia 02.10.2012; - Nesse momento, o condutor teve de proceder a uma paragem obrigatória, em …, nas proximidades de Londres, atento o limite máximo de horas de condução e o nível de cansaço decorrente das longas horas de viagem; - O local da paragem foi uma rua urbana, bem iluminada, constituída por edifícios e estacionamento de ambos os lados, com elevado movimento; - O condutor jantou dentro do veículo e nele pernoitou, depois de o ter trancado; - Quando se levantou para fazer uma ronda ao camião, reparou que o encerado do semi-reboque estava golpeado e a porta do lado direito aberta, tendo desaparecido grande parte do material transportado; - Participou o sucedido às autoridades locais; - A conduta do motorista obedeceu à diligência que a situação concreta demandava, pelo que a responsabilidade da chamada encontra-se limitada a 8,33 unidades de conta por quilograma de peso bruto em falta.

O Autor, a fls. 136/137, reagiu contra “a excepção da ilegitimidade activa deduzida pela Ré F…”.

Ao sanear o processo, a Mmª Juíza julgou improcedente a excepção da ilegitimidade activa invocada pela interveniente F… – fls. 140/141.

Foi proferido despacho a identificar o objecto do litígio e a enunciar os temas de prova.

Realizou-se o julgamento, após o que se lavrou a sentença, na qual se julgou improcedente a acção.

A Autora não se conformou com essa decisão e recorreu.

O recurso foi admitido como de apelação, com efeito devolutivo.

Nas alegações de recurso, a apelante pede que se revogue a sentença e se dê provimento à acção, alinhando, para o efeito, as seguintes conclusões: 1. No presente caso, não se verificou circunstância que o transportador não podia evitar e a cujas consequências não podia obviar, susceptíveis de afastar a responsabilidade do transportador (artigo 17º, n.º 2, da Convenção CMR).

  1. O semi-reboque foi assaltado quando estava parado numa rua, nas proximidades de Londres, na localidade de …, e não num parque vigiado.

  2. O transportador internacional de mercadorias em semi-reboque de lona, potencia e facilita, manifestamente, o furto de mercadorias no seu interior, pois basta um qualquer rasgão na lona para a mercadoria transportada ficar exposta e poder ser subtraída.

  3. O risco de furtos junto a uma estrada, no estrangeiro, durante a noite, é um dado da experiência comum que uma empresa de transporte e os seus motoristas não podem ignorar.

  4. Impondo-se-lhe, por isso, adoptar um mínimo de cautelas, quer na utilização do veículo mais adequado (semi-reboque hermeticamente fechado), quer na escolha de um local de estacionamento seguro (fechado e vigiado), quer na adopção de dispositivos adequados a prevenir ou a alertar a introdução de estranhos no interior do veículo ou o acesso destes à mercadoria guardada.

  5. Em qualquer caso, competia às Rés demonstrar que no caso concreto não existiam tais parques guardados e fechados ou que por qualquer outra razão não lhes foi possível utilizar tais parques, bem como invocar hipotéticas causas válidas para a não utilização de semi-reboque com o compartimento de carga hermeticamente fechado.

  6. A posição da sentença recorrida ao sustentar, em abstracto, que a actuação do motorista no caso concreto de não abandonar a carga se afigura como uma actuação prudente e que corresponde à diligência exigível, leva a uma inaceitável diminuição do grau de diligência exigível do transportador, bem como a uma total desconsideração dos interesses igualmente relevantes dos expedidores e seguradoras.

  7. E está, de forma indirecta, a desobrigar o transportador da sua responsabilidade atendendo aos defeitos do veículo de que este se serve para a execução do transporte, e que viola o disposto no artigo 17º, n.º 3, da Convenção CMR.

  8. No transporte internacional de mercadorias, da conjugação dos artigos 17º, nºs 1 e 2 e 8º, n.º 1, da Convenção CMR, resulta verdadeira presunção de culpa do transportador.

  9. A culpa por violação do dever de guarda da mercadoria durante o trajecto seguido pelo camião tem de ser apreciada de acordo com o critério definido no artigo 487º, n.º 2, do Código Civil, aplicável ex vi do artigo 799º do mesmo diploma, pela diligência de um bom pai de família, em face das circunstâncias do caso.

  10. Mais ainda que a carga era composta por têxteis e o veículo revestido por lona, material vulnerável e removível, pelo que a Ré devia ter considerado que era alto o risco de furto, tal como aconteceu, com grande facilidade, visto que a actuação dos autores do furto não permitiu ao motorista despertar sequer do seu sono! 12. No caso sub judice não pode considerar-se imprevisível o furto das mercadorias retiradas de um semi-reboque coberto por lona estacionado numa rua, numa localidade situada no estrangeiro durante a noite.

  11. A recorrida devia ter optado por um semi-reboque composto por um material mais resistente à agressão, uma vez que a mercadoria seria facilmente furtada (como efectivamente aconteceu), não tendo o motorista dado logo conta do mesmo, pelo que apenas quando...

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