Acórdão nº 2400/11.1TBFLG.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 02 de Março de 2015

Magistrado ResponsávelJOS
Data da Resolução02 de Março de 2015
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Sumário (da responsabilidade do relator): 1 – A violação de normas públicas regulamentares previstas no RGEU, por si só ou em si mesma, não atribui um direito subjetivo, mesmo que demonstrem uma ilicitude, pois sempre será necessário, para que o demandante, vizinho de quem construiu em violação daquele Regulamento, impeça ou modifique determinada construção ou venha a ser indemnizado, que demonstre os factos que preenchem as previsões do direito privado, seja o disposto no artigo 1346 ou o disposto no artigo 483, ambos do CC. 2 - E, seja pensando no disposto no artigo 483, seja, em especial, no artigo 1346, ambos do CC, sempre é exigível que ocorra e efetivamente se demonstre a existência de algum dano.

Processo 2400/11.1TBFLG.P1 Recorrentes – B… e C… Recorridos – D… e E… Relator: José Eusébio Almeida; Adjuntos: Carlos Gil e Carlos Querido.

Acordam na Secção Cível do Tribunal da Relação do Porto: 1 – Relatório 1.1 – Os autos na 1.ª instância D… e E… instauraram a presente ação contra B… e C… e pediram a condenação a a) reconhecerem que são proprietários e legítimos possuidores do prédio identificado no art. 3.º da petição; b) retirarem a parte traseira do telhado do anexo existente no prédio dos réus, junto ao dos autores, bem como o caleiro em plástico e o tubo galvanizado existentes na parede traseira do mesmo anexo, que propendem para o prédio dos autores; c) restituírem esse mesmo prédio, livre de pessoas e bens, abstendo-se da prática de qualquer ato que impeça ou diminua a utilização e a posse do prédio pelos autores e ainda a d) retirarem ou suprimirem as duas chaminés do anexo ou alterarem as mesmas para uma altura superior em 0,5 metros acima da parte mais elevada da cobertura do prédio dos autores.

Os autores, fundamentando as suas pretensões, alegaram (em síntese): - São donos do prédio identificado na petição e os réus igualmente donos do que aí, no art. 5.º, se identifica, prédios esses que são contíguos.

- Durante a ausência dos autores em França, em março de 2009, os réus construíram no limite norte do seu prédio, junto ao dos autores, um anexo, e a parte do telhado traseiro dele, tal como um caleiro existente na parte superior da parede traseira do anexo propendem para o prédio dos autores, ocupando o espaço aéreo deste.

- O anexo tem duas chaminés, cuja parte mais alta, por onde sai o fumo, fica a 2,15 m do solo, estando situadas a apenas 6 m da casa dos autores e tais chaminés encontram-se constantemente a deitar fumos, densos, escuros e com partículas e compostos orgânicos voláteis, obrigando os autores a terem as portas e as janelas fechadas e impedindo-os de estenderem a roupa no logradouro. Acresce – dizem - que as chaminés são ilegais.

O réus contestaram. Aceitaram terem procedido à construção do anexo, que – esclarecem – se situa na área do seu prédio e dentro dos limites – incluindo o espaço aéreo – do mesmo. Referem que as chaminés são de uma churrasqueira e de um forno, apenas utilizadas de quando em vez, não produzem fumos negros e foram construídas legalmente.

Os autos prosseguiram com o seu saneamento e a realização da audiência de julgamento. Foi proferida sentença que, decidindo a causa, julgou a ação parcialmente procedente e, do mais absolvendo os réus, condenou-os 1) a reconhecerem que os autores são proprietários do prédio identificado no item 3) dos factos provados e 2) “a procederem ao alteamento das chaminés constantes dos anexos referidos nos itens 9) e 12) dos factos dados como provados, para altura superior a 0,50m acima da parte mais elevada da cobertura (telhado) do prédio dos autores (caso o telhado dos autores seja em V invertido, devera´ ter-se em consideração para essa altura a base do mesmo), ou então, caso não seja possível, proceder a` sua retirada ou deslocação para a distância referida na norma constante do art. 113 do RGEU (10 metros da habitação dos autores)”.

1.2 – Do recurso: Inconformados, os réus vieram apelar. Restringindo o seu recurso ao ponto 2) da sentença e pretendendo a sua revogação, apresentam as seguintes Conclusões: 1 - O recurso tem por objeto a douta sentença, no que tange apenas à condenação dos réus a procederem ao alteamento das chaminés constantes dos anexos referidos nos itens 9) e 12) dos factos provados, para altura superior a 0,50m acima da parte mais elevada da cobertura (telhado) do prédio dos autores (caso o telhado dos autores seja em V invertido, devera´ ter-se em consideração para essa altura a base do mesmo), ou então, caso não seja possível, proceder a` sua retirada ou deslocação para a distância referida na norma constante do art. 113 do RGEU (10 metros da habitação dos autores).

2 - Os recorrentes discordam da decisão proferida sobre a matéria de direito, decisão que pelo presente recurso se impugna.

3 - Salvo devido respeito por opinião contrária, não se concorda porquanto, consideram os recorrentes que: a) O Tribunal a “quo” não possui competência para aplicação das normas constantes do RGEU, diploma legal a que se socorreu o para condenar os réus no pedido que condenou; b) Atenta a matéria dada como provada e não provada infra descrita, verifica-se que não resultaram provados os pressupostos contemplados pelo normativo 1346 do C.C. onde se estriba o Tribunal para também sustentar a condenação no referido pedido; c) A subsunção da factualidade apurada nos autos, não permite concluir que os réus exercem o seu direito excedendo os limites impostos pela boa fé; d) Ao condenar os réus no pedido em causa, a sentença violou as normas fixadas nos artigos 160 e 161 RGEU e os artigos 1305 1346 e 1347 do Código Civil.

4 - O Tribunal “a quo” para dar os factos como provados e não provados supra transcritos, atendeu aos factos provados por acordo das partes e a` prova documental e fundou a sua convicção na análise critica e conjugada dos documentos juntos aos autos, designadamente nas fotografias e ainda na análise crítica dos depoimentos das várias testemunhas, prestados em sede de audiência de julgamento.

5 - Salvo o devido respeito por opinião contrária, da prova produzida em audiência de julgamento e, aliás, na esteira da interpretação dos factos dados como provados e dos factos dados como não provados, assentes na sentença, consideram os réus que o Tribunal “a quo” deveria ter concluído pela improcedência total dos pedidos e absolver os réus na plenitude.

6 - No raciocínio formulado pelo Tribunal “a quo”, encontra-se subjacente para a condenação dos réus nos termos sobreditos, a apreciação da ilegalidade ou não das referidas chaminés, o que o Tribunal fez recorrendo-se do Regulamento Geral das Edificações Urbanas, constante do DL. 38382/1951 de 7 de agosto, mais concretamente da norma invocada pelos autores na sua P.I., ié, do art. 113, Capitulo VI.

7 - Entendeu o Tribunal que, pese embora os artigos 160 e 161 do referido RGEU atribuírem competência apenas às Câmaras Municipais para a sua aplicação e consequente execução, o Tribunal pode tomar as providências necessárias para fazer respeitar o Regulamento, na esteira do vertido no Acórdão do Tribunal da Relação de Évora, datado de 17/11/2011.

8 - Os Réus não perfilham tal entendimento, sendo antes entendimento dominante, o entendimento contrário. Ou seja, que a aplicação do RGEU, devera´ ser feita apenas por via administrativa e que aqui deveria ter sido atendido o vertido naqueles seus referidos artigos 160 e 161, dos quais resulta, sem qualquer sombra de dúvida, tal entendimento, pelo que o Tribunal “a quo”, não poderia nem deveria ter-se socorrido de tal Regulamento para sustentar a condenação, no que à matéria das chaminés e do forno diz respeito.

9 - Salvo o devido respeito, o RGEU não confere direitos subjetivos aos proprietários dos imóveis, não podendo as respectivas normas ser invocadas por particulares para a sua proteção, face a outros particulares, havendo o reconhecimento e aplicação das normas de concretizar-se pela via administrativa.

10 - De salientar ainda que, nos próprios autos encontra-se provado documentalmente, que a esse nível houve intervenção da Câmara Municipal e a mesma não se opôs, nem obstaculizou a` obra realizada pelos réus, conforme notificação da Câmara Municipal … (documento n.º 14) - que não foi posta em causa em audiência de julgamento-, da qual resulta quanto às obras realizadas, consistentes nas referidas chaminés dos anexos referidos em 9) e 12) dos factos provados, que “pelo que não estando as obras em causa sujeitas a licenciamento, foi a mesma arquivada”.

11 - Conforme referido, o Tribunal sustentou o seu entendimento da possibilidade de aplicação por si do RGEU, estribando-se no douto Acórdão do Tribunal da Relação de Évora, datado de 17/11/2011, contudo no modesto entender dos réus nem por este ponto poderia sustentar essa aplicação, pois que, daquele acórdão resulta inequívoco que pode o Tribunal tomar as providências necessárias para fazer respeitar tal regulamento, desde que se verifiquem três requisitos, a saber: “II- Para que ao particular seja reconhecido o direito de pedir a demolição de obra que infrinja normas de direito público, mister será que se verifiquem três requisitos: - ilicitude da conduta por violação de norma legal destinada a proteger interesses alheios; - existência de danos; e que esses danos se inscrevam no circulo de interesses privados que a norma violada visava proteger”.

12 - Facto é que, no presente caso, não se verificam os referidos requisitos, nomeadamente o requisito da existência de danos e o requisito de que esses danos se inscrevam no circulo de interesses privados que a norma violada visa proteger, aliás em momento algum da douta sentença se verificam ou consideram como provados quaisquer danos para os autores.

13 - A condenação nos termos sobreditos resulta de uma aplicação do direito aos factos provados em violação das normas fixadas nos artigos 160 e 161 do RGEU.

14 - Doutro passo, o Tribunal “a quo” sustenta ainda a condenação dos réus, considerando que não se pode olvidar o...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT