Acórdão nº 4091/07.5TVPRT.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 23 de Fevereiro de 2015

Magistrado ResponsávelCARLOS QUERIDO
Data da Resolução23 de Fevereiro de 2015
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Processo n.º 4091/07.5TVPRT.P1 Sumário: I. A força do “caso julgado” manifesta-se em duas vertentes: i) por um lado, a questão decidida não pode ser de novo reapreciada [excepção dilatória (ou efeito negativo) do caso julgado]; ii) por outro lado, o respeito pelo conteúdo da decisão anteriormente adoptada implica que não possa haver decisão posterior que a contrarie [autoridade (ou efeito positivo) do caso julgado].

  1. Vigora no processo civil, o princípio da concentração da defesa na contestação, do qual decorrem os regimes da preclusão e da eventualidade, o que significa que o demandado deve incluir e esgotar na contestação todos os argumentos de defesa de que disponha. Não o fazendo e sendo proferida decisão que venha a transitar em julgado, fica impedido de invocar, mais tarde, noutro processo, os meios de defesa que tenha omitido na contestação.

  2. A autoridade (ou efeito positivo) do caso julgado não pode ser posta em causa com a invocação de fundamentos omitidos pelas partes no processo onde foi proferida a decisão transitada que as passou a vincular.

  3. A relação especificada dos bens comuns a que se reporta artigo o artigo 1419.º, n.º 1, alínea b), do CPC não é abrangida pelos efeitos do caso julgado da sentença que decretou o divórcio por mútuo consentimento, não ficando precludida a possibilidade de qualquer dos cônjuges vir a reclamar a partilha de um bem comum omitido na referida relação.

  4. No entanto, à referida relação deverá ser atribuído um particular valor probatório: o cônjuge que ulteriormente vier a negar a existência, a qualificação ou o valor de um bem incluído na lista assinada por ambos é que tem o encargo da prova de que este existe, de que não lhe deve ser reconhecida tal qualificação ou atribuído aquele valor.

    Acordam no Tribunal da Relação do Porto I. Relatório B… intentou a presente acção declarativa comum na forma ordinária, em 22 de Novembro de 2007, contra C… e D…, formulando os seguintes pedidos: a) que seja o réu C… condenado a pagar à A. a quantia de € 325.465,63, acrescida dos juros de mora vencidos desde a citação até integral e efectivo pagamento, calculados à taxa que em cada momento vigorar; b) que seja o mesmo réu condenado a pagar à A. a quantia correspondente à diferença, se existir, entre o valor peticionado na alínea anterior e metade do valor pelo qual forem avaliadas as 130.500 acções de que era titular na sociedade E…, Lda à data de 12 de Outubro de 2004, a liquidar em incidente de liquidação; c) que sejam a escritura de cessão de quota de 22 de Dezembro de 1998 e o instrumento de ratificação de 12 de Outubro de 2004 declarados ineficazes em relação à A. para efeito do disposto no art. 610º do Código Civil e, consequentemente, que seja declarado que a A. tem direito a fazer-se pagar pelas forças das 130.500 acções representativas do capital social da sociedade E…, S.A. de que é titular o réu D…, as quais, por isso, poderão ser penhorados no património deste, até efectivo e integral pagamento do crédito da A. sobre o réu C… peticionado nas alíneas anteriores, incluindo os juros vencidos e vincendos até efectivo e integral pagamento.

    Como fundamento da sua pretensão, alegou a autora em síntese: em 8 de Julho de 1998, contraiu matrimónio com o réu C…, que foi precedido de convenção antenupcial através da qual estipularam o regime da comunhão geral de bens, sendo que, aquando da celebração do casamento, este era titular de uma quota no capital social da sociedade C…, Ldª com o valor nominal de 83.510.000$00 (correspondente a € 416.546,12), por a haver adquirido a seu pai, por escritura de cessão outorgada no dia 13 de Maio de 1992, pelo preço de 4.410.000$00 (correspondente a € 21.996,99); o pai dos réus, por escritura celebrada no dia 22 de Dezembro de 1998, invocando os poderes de representação que lhe haviam sido conferidos pelo réu C… através de procuração outorgada no dia 13 de Maio de 1992 (na qual o referido demandado constituiu os seus pais como seus procuradores, conferindo-lhes poderes para, qualquer um deles, alienar e ceder pelo preço e condições que entender e a quem lhe aprouver a referida quota), cedeu a quota de que aquele era titular ao réu D…, pelo preço declarado de 4.500.000$00 (que, todavia, não foi recebido pelo réu C…), sendo que nesse ato notarial se procedeu ao aumento de capital e à transformação da sociedade, tendo a quota titulada pelo réu C… sido convertida em 130.500 ações com o valor nominal de 130.500.000$00 (€ 650.931,26); no dia 28 de Janeiro de 2000, intentou, juntamente com o réu C…, uma acção declarativa comum na forma ordinária contra D…, F… e G…, sendo que, por acórdão de 22 de Junho de 2004, o Tribunal da Relação do Porto decidiu declarar ineficaz a cessão de quota feita por F…, em alegada representação de C…, a D…, declarando ainda pertencerem aos aí autores (a ora autora e o ora réu C…) 130.500 acções nominativas de E…, S.A.. e bem assim ordenou o cancelamento do registo feito quanto àquela transmissão e dos que dela dependam; por instrumento lavrado no Cartório Notarial de Paredes a 12 de Outubro de 2004, o ora réu C… ratificou em todos os seus termos a escritura de cessão de quota de 22 de Dezembro de 1998, tendo os réus na referida acção desistido do recurso que haviam interposto para o STJ do aludido acórdão do Tribunal da Relação, o qual transitou, assim, em julgado; ao ratificar aquele negócio sem ter recebido o respectivo preço, o réu C… causou ao casal um prejuízo de montante correspondente ao valor que as referidas 130.500 acções (de que era titular e que constituíam um bem comum do casal) tinham à data daquela ratificação e que era, pelo menos, equivalente ao seu valor nominal de 130.500.000$00 (correspondente a € 650.931,26), sendo que, em razão do regime em que a autora se encontrava casada com o réu C…, teria, pois, direito a metade desse valor; o réu C… ratificou a cessão de quota outorgada por seu pai com o intuito de subtrair ao património conjugal as referidas 130.500 acções, para, desse modo, evitar ter de as partilhar com a ora autora na sequência do decretamento do divórcio do casal, que veio a ocorrer no dia 29 de Novembro de 2004, sendo certo que, excepção feita a essas acções, aquele não possuía quaisquer bens penhoráveis nem era titular de quaisquer direitos cuja penhora e execução permitisse a esta ver satisfeito o seu crédito indemnizatório.

    Citado, o réu C… apresentou contestação, na qual alega em síntese: contraiu matrimónio com a autora, sob o regime de comunhão geral de bens, casamento esse que veio a ser dissolvido na sequência de processo de divórcio que instaurou contra esta, sendo certo que somente aceitou a conversão do divórcio em mútuo consentimento porque a autora reconheceu que não existiam quaisquer bens comuns a partilhar e implicitamente que nenhum direito tinha sobre a participação social em discussão nos presentes autos; o negócio de cessão da quota da sociedade “E…, Ldª, que, em 13 de Maio de 1992, lhe foi transmitida pelo seu pai, não passou de um instrumento jurídico de que este se serviu para o tornar “formalmente” sócio da sociedade familiar, sendo que a sua intenção não foi a de transmitir onerosamente qualquer participação social no capital da sociedade, mas a de colocar formalmente a quota em nome do réu com o intuito de evitar que pudesse haver lugar ao pagamento do imposto sucessório, caso sucedesse, entretanto, algo a algum dos progenitores; por força da aludida cessão de quota, a intenção dos pais do contestante foi apenas a de conferir-lhe uma espécie de “mandato” consubstanciado no dever de o contestante manter a titularidade da quota em seu nome, mas com a obrigação de a “retransmitir” ao pai, ou a quem este indicasse, logo e quanto o progenitor assim o entendesse e exigisse, sendo que, para esse efeito, no próprio dia da escritura de cessão da quota, o contestante outorgou uma procuração aos pais para estes alienaram a quota que tinham acabado de declarar ceder-lhe, dotada de poderes que abrangiam a possibilidade de a participação ser “retransmitida” aos próprios cedentes, seus pais; nessa mesma data, foi celebrado um contrato promessa de cessão de quotas mediante o qual o contestante prometeu ceder aos seus pais a aludida quota, sendo certo que foram os seus pais quem continuou a gerir a sociedade e a exercer os direitos sociais inerentes à mesma, tudo se passando como se a quota declarada ceder continuasse a pertencer-lhes; quando, em 12 de Outubro de 2004, ratificou todos os termos da cessão de quotas que o seu pai tinha efectuado em 22 de Dezembro de 1998, ao abrigo da representação conferida na aludida procuração, limitou-se a cumprir a obrigação que tinha assumido, perante os pais, enquanto mero titular fiduciário da quota; com a ratificação da cessão de quota não teve qualquer intenção de prejudicar a autora, com quem já verbalmente havia, muitos meses antes, acordado a partilha de todos os bens e em que tinha ficado combinado que esta nada teria a ver com a quota, sendo certo que esta sabia que o contestante era um mero fiduciário dessa participação social, que nada tinha pago por ela aos pais tendo assumido a obrigação de a retransmitir a estes ou a terceiros quando e desde que os progenitores o exigissem, e bem assim que essa ratificação não mais constituía do que o cumprimento de uma obrigação emergente inclusivamente do mencionado contrato de promessa de cessão de quotas; caso assistisse à autora o direito a que se arroga, sempre o estaria a exercer em manifesta violação dos ditames da boa-fé, contra o acordo que tinha celebrado com o contestante e ainda em contradição com aquilo que declarou na tentativa de conciliação (de inexistência de bens comuns a partilhar) onde foi convertido em mútuo consentimento o divórcio litigioso.

    Por seu turno, o réu D… apresentou contestação na qual, desde logo, se defende por excepção peremptória, advogando ter caducado o direito da autora propor a presente acção, no que tange ao pedido de impugnação...

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