Acórdão nº 46/14.1TBAMT.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 24 de Fevereiro de 2015
Magistrado Responsável | FERNANDO SAM |
Data da Resolução | 24 de Fevereiro de 2015 |
Emissor | Court of Appeal of Porto (Portugal) |
Processo n.º 46/14.1TBAMT.P1 Do 1.º Juízo do Tribunal Judicial de Amarante, onde deu entrada em 13/1/2014, entretanto extinto, pertencendo agora à Instância Local da mesma localidade, Secção Cível, J1, da Comarca do Porto Este.
*Relator: Fernando Samões 1.º Adjunto: Dr. Vieira e Cunha 2.º Adjunto: Dr.ª Maria Eiró Acordam no Tribunal da Relação do Porto – 2.ª Secção: I. Relatório B…, residente na Rua …, …, Amarante, instaurou a presente acção declarativa, com processo comum, contra C… e mulher D…, residentes no …, …, do mesmo concelho, pedindo que seja declarada a nulidade do contrato de mútuo, entre eles celebrado, e, em consequência, sejam os réus solidariamente condenados a restituírem-lhe a quantia de 21.069,03 €, acrescida dos juros de mora sobre o valor de 14.740,00 €, contados dia a dia, desde 13.01.2014 e até integral reembolso, à taxa legal de 4%.
Para tanto, alegou, em síntese, o seguinte: Emprestou, verbalmente, aos réus, a seu pedido, a quantia de 22.740,00 €, em 27/9/2004.
Os réus comprometeram-se a restituir aquela importância por meio de uma letra de câmbio e sucessivas reformas, por eles aceites, bem como a pagar as respectivas despesas e os juros que a instituição bancária lhe debitasse pelas correspondentes operações de desconto.
No entanto, os réus apenas procederam ao pagamento de 8.000,00 €, a título do capital mutuado, e de 1.000,00 €, a título de juros e encargos, nada mais tendo pago desde a última reforma, ocorrida em 5/12/2005.
Os réus contestaram, confessando parte dos factos alegados e aceitando a nulidade, mas alegando que apenas devem 13.740,00 €, por já terem pago 9.000,00 €, e sustentado que os juros só são devidos a partir da citação, concluindo pela sua absolvição na parte restante do pedido.
No despacho saneador foi a acção julgada parcialmente procedente, tendo sido decidido: - declarar nulo o contrato de mútuo celebrado entre o autor e os réus em 27/09/2004; - condenar os réus a restituírem, solidariamente, ao autor a quantia de €13.740,00 (treze mil, setecentos e quarenta euros), acrescida de juros de mora à taxa legalmente prevista, calculados desde a data da citação da acção (15/01/2014) até efectiva e integral restituição; - absolver os réus do demais peticionado.
Inconformado com este saneador-sentença, o autor interpôs recurso para este Tribunal e apresentou a sua alegação com as seguintes conclusões: “1.
A questão fulcral que se coloca neste recurso é saber qual a medida de restituição consagrada no Artº 289º do CC, como corolário da declaração de nulidade negocial do contrato de mútuo, verbal, celebrado entre as partes.
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Quanto aos FP, das als. A) a R), resulta que os RR.: a) – Acordaram pagar ao A. o empréstimo de 22.740,00 € concedido através de sucessivas letras de câmbios, tendo procedido à última reforma e pagamento parcial em 05.12.2005, nada mais pagando após essa data, apesar de diversas vezes interpelados pelo A. para o efeito; b) - Aceitaram pagar encargos, juros e despesas bancárias ao A.; c) – Em 05.12.2005, com essa última reforma, pagaram 1.000,00 € por conta dos encargos, juros e despesas bancárias; e d) – Aceitaram uma 5ª letra (a última), no valor de 11.000,00 €, com vencimento a 06.03.2006.
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A invocação da nulidade do mútuo como forma de não serem devidos juros antes da citação dos RR., e para que todas as quantias entregues por eles sejam deduzidas à quantia inicial em dívida, ou seja, mesmo os 1.000,00 € que aceitarem ser para pagamento de encargos – posição que a douta sentença acolheu -, configura um manifesto abuso de direito – Artº 334º do CC.
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Devendo pois esses 1.000,00 € não serem deduzidos à quantia mutuada de 22.740,00 €, mas apenas os outros 8.000,00 €, devendo a restituição a ordenar, quanto ao capital, ser de 14.740,00 €.
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Finalmente, tendo ficado provado que: a) – Os RR. – neste caso o R. marido – obrigou-se a pagar ao A. em 06.03.2006 a última letra aceite, de 11.000,00 €, e não o fez; b) – E que, após 05.12.2005, os RR. foram diversas vezes interpelados pelo A. para lhe pagarem o que estava em dívida – Als. M) e P), 6.
Teremos que concluir que, a partir de, pelo menos, 06.03.2006, o os RR. passaram a ser possuidores de má fé da quantia mutuada, ainda não restituída, no valor de 14.470,00 €, sendo portanto devidos juros de mora a partir dessa data.
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O que resulta da melhor interpretação e aplicação dos Artºs. 289º, nºs. 1 e 3, Artº 1270º, 1271º e 212º do CC.
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Interpretação e aplicação que a douta sentença não observou, além de ter violado o Artº 334º do CC – Artº 639º, nº 2, als. a) e b) do CPC.
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Sendo que, os juros que o A. peticionou na p.i. eram moratórios, e não remuneratórios.
TERMOS EM QUE, Deve a douta sentença ser revogada e substituída por douto Acórdão deste Tribunal, que, mantendo a declaração de nulidade do mútuo, condene os RR. a restituírem solidariamente ao A. a quantia de 14.470,00 €, acrescida de juros de mora à taxa legal de 4%, desde 06.03.2006 e até efectiva e integral restituição, Assim se fazendo JUSTIÇA.” Não foram apresentadas contra-alegações.
Admitido o recurso como apelação, com subida imediata, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo, foi o mesmo remetido a este Tribunal que manteve o modo de subida e o efeito fixados pela 1.ª instância.
Tudo visto, cumpre apreciar e decidir o mérito do presente recurso.
Sabido que o seu objecto e âmbito estão delimitados pelas conclusões do recorrente (cfr. art.ºs 635.º, n.º 4 e 639.º, n.ºs 1 e 2, ambos do actual CPC, aqui aplicável), não podendo este Tribunal de 2.ª instância conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que sejam de conhecimento oficioso, e tendo presente que se apreciam questões e não razões, as questões que importa dirimir consistem em saber: 1. Se existe abuso de direito por parte dos réus na invocação da nulidade para não pagarem os encargos e os juros acordados; 2. E se os juros de mora são devidos desde data anterior à citação, mais precisamente a partir do vencimento da letra da última reforma – 6/3/2006.
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Fundamentação 1. De facto No saneador, com valor de sentença, recorrido, foram dados como provados os seguintes factos: A) No dia 27/09/2004, o autor entregou aos réus, após solicitação do réu marido, a quantia de € 22.740,00.
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Como forma de pagamento desse empréstimo, autor e réus acordaram que o primeiro emitisse e sacasse à sua ordem uma letra de câmbio no valor do capital mutuado, que os réus aceitaram, letra essa com data de emissão de 27/09/2004 e com data de vencimento no dia 27/01/2005.
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Mais acordaram autor e réus que tal letra seria apresentada a desconto bancário pelo autor, suportando os réus os custos e despesas dessa apresentação, e que, na data do seu vencimento, a letra seria sucessivamente reformada pelos réus através da subscrição de novas letras, com sucessivas amortizações de capital, até que o capital mutuado se verificasse integralmente pago.
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Autor e réus estabeleceram ainda que estes pagariam, a título de juros, pelo empréstimo concedido, o valor que a instituição bancária onde o autor procedesse ao desconto das sucessivas letras, debitasse ao autor a título de juros pelas sucessivas operações de desconto.
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Neste contexto, na altura do seu vencimento, os réus procederam à reforma da primeira letra de câmbio...
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