Acórdão nº 1582/12.0JAPRT.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 25 de Fevereiro de 2015
Magistrado Responsável | ERNESTO NASCIMENTO |
Data da Resolução | 25 de Fevereiro de 2015 |
Emissor | Court of Appeal of Porto (Portugal) |
Processo comum colectivo 1582/12.0JAPRT da comarca do Porto, Vila Nova de Gaia, Instância Central, 3.ª Secção Criminal, J3 Relator - Ernesto Nascimento Acordam, em conferência, na 2ª secção criminal do Tribunal da Relação do Porto I. Relatório I. 1. Inconformado com a decisão sumária, proferida pelo relator, através da qual foi decidido rejeitar, por manifesta improcedência, o recurso que apresentara, reclama agora o arguido B…, para a conferência, ao abrigo do disposto no artigo 417.º/8 C P Penal, para que sobre ela recaia Acórdão.
I.2. Diga-se, desde já, que o instituto da reclamação da decisão sumária do relator para a conferência não pressupõe - o que à primeira vista se poderia ter como requisito natural - a discordância com os fundamentos do decidido.
Com efeito o que se pretende com este instituto, que chegou ao Processo Penal depois de introduzido quer no Processo Civil, quer no processado atinente ao Tribunal Constitucional, é que quem se sentir prejudicado e discordar do sentido da decisão sumária, possa obter a substituição da opinião singular do relator pela colegial do tribunal, não se visando alargar o âmbito do conhecimento a outras questões que o despacho não apreciou.
O que se visa com o instituto da reclamação nem sequer é tanto a impugnação da decisão sumária, o que é próprio dos recursos – mas antes a pretensão de substituição do órgão excepcional – o relator – pelo órgão normal – a conferência como tribunal colectivo, para proferir determinada decisão.
Se isto é rigorosamente assim, quanto ao objecto da decisão, o certo é que no caso concreto, pretende o reclamante direccionar tão só, a sua irresignação para o facto de “a decisão sumária conter em si mesma um lapso que marca toda a fundamentação” Isto com base, no facto de ali se ter entendido que o âmbito do recurso está delimitado à questão de saber se é caso de renovação da prova prestada em declarações para memória futura por parte da ofendida, quando como resulta da motivação do recurso, o que afirma o arguido é que a única prova existente - e que serve de fundamento ao Acórdão recorrido - são as declarações para memória futura, existindo entre elas e as declarações prestadas pelo arguido uma insanável contradição, pelo que no limite, perante duas versões contraditórias e não havendo qualquer outro tipo de prova, deve o arguido ser absolvido com base no princípio in dúbio pro reo, de resto ao invocar a apontada contradição, o arguido está a impugnar todas as declarações de parte prestadas sobre os factos até MAR2010, julgando não ser necessário a sua transcrição, a denotar a existência de erro notório na apreciação da prova, quando se confronta a dita contradição com um relatório de psicologia forense, a renovação de tal meio de prova apenas com a fundamentação aduzida no Acórdão se tornou necessária e, por isso além do pedido para renovação da prova pediu, ainda, a apreciação da contradição e da subsunção da mesma ao dito princípio geral da prova em processo penal.
Donde, nos debruçaremos, agora, sobre – e só sobre - as questões que foram suscitadas no recurso e objecto da antecedente decisão sumária – ainda que, naturalmente à luz da argumentação agora invocada.
I. 3. O enquadramento e o contexto da decisão sumária.
Inconformado com a sua condenação, pela prática de um crime de abuso sexual de crianças agravado, p. e p. pelos artigos 171.º/1 e 2 e 177.º/1 alínea b) C Penal, na pena de 6 anos de prisão, recorreu o arguido B… - pugnando pela correcção do Acórdão, pela renovação da prova prestada em declarações para memória futura por parte da ofendida, pela realização da audiência e pela sua absolvição - apresentando as conclusões que se passam a transcrever: 1. andou mal, o Tribunal a quo, na consideração da questão em causa e, mal assim, na decisão de condenar o arguido a uma pena de 6 anos; 2. o arguido confessou todos os factos praticados com a ofendida, sendo que nenhum está compreendido no espaço temporal e dentro da moldura do artigo 171.º C Penal; 3. a única prova existente e que serve de fundamento ao Acórdão ora recorrido são as declarações para memória futura prestadas pela ofendida; 4. o artigo 32.º/1 da Constituição Portuguesa prescreve que a todos devem ser garantidos todos os meios de defesa; 5. como tal e de acordo com os princípios da imediação e do contraditório e tendente à descoberta da verdade material e boa decisão da causa, deve ser renovada a prova no que se refere às declarações prestadas pela ofendida; 6. só assim se garante o plasmado na Constituição e se retira as devidas conclusões do que é ou não verdade, das declarações de ambos e através da solenidade e formalismo da sala de audiências se concretizará o princípio do imediatismo; 7. como tal requer-se que seja realizada a audiência para que se possa ouvir a ofendida e deste modo ser renovada a prova que constitui fundamento à decisão ora recorrida; 8. no geral o recorrente nega toda a factualidade dada como provada antes de 2011 por não haver qualquer prova para além das declarações da ofendida; 9. não podendo ser considerado aquilo que foi dado como provado após 23 de Março de 2010 uma vez que foi extinto o procedimento criminal; 10. não podendo ser utilizados esses factos para consubstanciar os factos passados e permitir que seja condenado alguém por factos que não podem ser alvo de procedimento criminal; 11. porque se é certo que o recorrente abusou da ofendida entre 2011 e Setembro de 2012, este facto não pode ser tido em conta e ser relevante para a decisão da questão em causa, nem a decisão em causa ser justiceira pelos factos confessados pelo recorrente e sobre os quais não se pode debruçar.
O MP, quer na 1.ª instância, quer neste Tribunal defendeu o não provimento do recurso.
Foi identificada, como questão suscitadas e a decidir, a de saber se, é caso de renovação da prova prestada em declarações para memória futura por parte da ofendida.
I.4. Passaremos agora a respigar o essencial da fundamentação da decisão sumária.
“Vejamos, então, para começar, a matéria de facto definida pelo Tribunal recorrido.
Factos provados 1. O arguido vive em condições análogas às dos cônjuges com C…, desde há cerca de 10 anos, tendo residido até mês de Setembro de 2012, na Rua …, …, r/c frente, …, Vila Nova de Gaia; 2. O agregado familiar era, até essa data, composto pelo arguido, pela sua companheira e pelos filhos desta, entre os quais, a D…, nascida em 23.03.1996; 3. Em data não concretamente apurada mas que se situa no ano de 2005, quando a D… tinha 9 ou 10 anos de idade, o arguido resolveu manter com ela relações sexuais, sempre que a ocasião o permitisse; 4. Em execução desse propósito e no período compreendido entre o ano de 2005 e Setembro de 2012, aproveitando-se do ascendente que sobre a menor tinha - sendo que esta o tratava como se seu pai fosse – resultante dos laços familiares que os uniam, da imaturidade da menor e da sua menor capacidade para compreender o significado e a gravidade de um envolvimento de cariz sexual, fruto da sua tenra idade, por diversas vezes e com periodicidade não concretizada mas regular, o arguido manteve com a mesma actos de cariz sexual, fazendo-a crer que tais actos aconteciam num contexto normal de afectos; 5. Assim, no decurso do ano de 2005, o arguido, nas ocasiões em que a menor ia para o seu quarto ver televisão e quando a mãe já havia adormecido, começava a acaricia-la, tocando-lhe sobre a roupa na zona dos seios e a na vagina, com as mãos; 6. A menor encolhia-se e fugia a correr para o seu quarto, de forma a evitar a continuação dessas carícias; 7. Não obstante o incómodo e a recusa manifestados pela menor na continuação desses comportamentos por parte do arguido, este persistiu nos seus intentos, repetindo tal actuação, em vários dias e até a D… atingir os 11 anos de idade; 8. A partir dessa altura, o arguido, aproveitando as alturas em que a sua companheira saía de casa e ficava a sós com a menor D…, levava-a, por várias vezes e em datas não concretamente apuradas, para o seu quarto, beijando-a em todo o corpo e acariciando-a na zona dos seios e na zona da vagina, com as mãos; 9. Em muitas dessas ocasiões, o arguido despiu-se, despiu toda a roupa da menor e abriu-lhe as pernas, tentando introduzir o seu pénis erecto na sua vagina, o que não lograva alcançar porque aquela impedia a penetração, fechando-as; 10. Nessas alturas, o arguido roçava o seu pénis erecto na vagina da menor, friccionando-o, até ejacular sobre a sua vagina ou a barriga, sempre sem utilizar preservativo; 11. Por diversas vezes, o arguido pediu à menor que introduzisse o seu pénis erecto na boca, o que a menor fez, pelo menos uma vez, em data não concretamente apurada; 12. Por diversas vezes, o arguido, depois de abrir as pernas da menor, beijou-a na vagina.
13. Noutras ocasiões, o arguido introduziu o pénis erecto no ânus da menor, parando quando esta se queixava que lhe doía; 14. A partir do ano de 2009 ou do ano de 2010, estes comportamentos ocorriam todas as semanas, principalmente aos fins-de-semana; 15. Por força e na sequência de uma dessas ejaculações que o arguido tinha para cima da vagina da menor, a D… engravidou, tendo vindo a descobrir essa gravidez no dia 12 de Setembro de 2012, já com 16 anos de idade, depois de ter sido consultada no Centro de Saúde, por apresentar vómitos e ausência de período menstrual, encontrando-se já com 10 semanas e dois dias de gestação; 16. A menor acabou por efectuar uma interrupção voluntária da gravidez, antes das 12 semanas de gestação, mais concretamente, em 26.09.2012, no Centro Hospitalar de Vila Nova de Gaia; 17. A mãe da menor, mesmo depois de ter conhecimento de que o arguido se envolveu sexualmente com a sua filha, continuou a contactar com aquele, sendo ainda, actualmente, sua companheira; 18. O arguido conhecia os laços familiares que o uniam à D…, bem como a idade da...
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