Acórdão nº 191/14.3JELSB.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 26 de Maio de 2015
Magistrado Responsável | MARIA DOS PRAZERES SILVA |
Data da Resolução | 26 de Maio de 2015 |
Emissor | Court of Appeal of Porto (Portugal) |
Processo n.º191/14.3JELSB.P1 Acordam, em conferência, no Tribunal da Relação do Porto I – RELATÓRIO: Nos presentes autos de processo comum, com intervenção do tribunal coletivo, foi submetido a julgamento o arguido B…, tendo sido proferido acórdão que o condenou, pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes, do tipo previsto e punível pelo artigo 21.º, n.º 1, do DL 15/93 de 22-01, na pena de 5 anos de prisão efetiva.
*Inconformado com o acórdão condenatório, o arguido interpôs recurso, extraindo da motivação as seguintes CONCLUSÕES 1.
O recorrente não se conforma com a douta decisão condenatória, que comporta vários e graves erros in judicando, que determinaram a sua injusta condenação e a aplicação de uma pena também ela desadequada e desproporcional.
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Por isso mesmo a recorrente pretende um novo juízo de apreciação, agora por parte deste Venerando Tribunal ad quem, enfatizando a importância de proceder à ministração dos necessários remédios jurídicos quer em matéria de facto, quer em matéria de direito.
IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO 3.
Impugna-se determinantemente os pontos 1 e 2 dos factos provados no Acórdão recorrido, por nenhuma prova, direta ou indireta, ter sido produzida em audiência de julgamento que permita demonstrar que o recorrente alguma vez contactou o tal indivíduo C…, que ambos combinaram que o indivíduo enviar-lhe-ia de forma dissimulada em lata de ananás de conserva, e em caixa própria e saco de plástico transparente, cocaína, e ainda que haviam combinado que o recorrente iria proceder à venda dessa substância a diversos consumidores e vendedores, na área desta Comarca.
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Em nenhum momento e em nenhum elemento probatório constante dos autos ou produzido em audiência de julgamento, se demonstra uma qualquer comunicação entre o recorrente e o tal indivíduo C…, exceto a existência da própria encomenda que vinha endereçada ao recorrente e de onde constava o seu número de telemóvel.
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O douto Tribunal a quo comete o erro lógico de concluir que o recorrente combinou previamente com o indivíduo C… todos os factos relevantes que foram àquele imputados, simplesmente com base na ocorrência dos mesmos.
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A mais basilar lógica dedutiva permite-nos afirmar que o facto de um evento existencial ocorrer de determinada forma não é bastante, nem suficiente, nem sequer resultado natural de que as coisas haviam sido previamente combinadas exatamente como ocorreram.
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Uma tal dedução, em processo penal, só será admissível quando suportada em meios de prova que, mesmo indiretamente, permitam ao julgador formular tal conclusão.
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Não é legítimo nem aceitável que o julgador, partindo do facto da encomenda com cocaína vir endereçada ao recorrente e ter sido enviada por um indivíduo identificado como C…, tenha “construído” um facto anterior, simplesmente por suspeitar que um é decorrência lógica de outro. Não é! 9. A acusação não conseguiu provar o constante no ponto 1, e tão-pouco o douto Tribunal a quo deu credibilidade às declarações do recorrente em audiência de julgamento, segundo o qual a receção da encomenda havia sido pedida por um amigo, E….
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Também a companheira do recorrente, D…, relatou que no dia seguinte à detenção do recorrente, o tal indivíduo E… se deslocou à sua residência, perguntando pelo seu companheiro e pela sua encomenda.
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O douto Tribunal a quo não podia ter concluído o facto constante no ponto 1, apenas e só por considerar não credíveis as declarações do arguido e o depoimento de E….
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Terá, porventura, fundado a sua convicção por ter também fundado a convicção que o recorrente sabia que a encomenda continha estupefaciente, “já que quando os inspetores se identificaram, o arguido de imediato deixou cair a encomenda, negou que o telemóvel ……… que vinha no endereço da encomenda lhe pertencia” [1].
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Em razão da verdade, a (eventual) circunstância do recorrente saber que a encomenda continha produto estupefaciente não é minimamente demonstrativo que havia sido o recorrente a combinar com o indivíduo C… o envio da mesma, e muito menos demonstrativo é que ambos haviam previamente combinado o modo de dissimulação do produto estupefaciente ou ainda que o recorrente tenha combinado vende-lo posteriormente.
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Dentro do poder legal concedido ao julgador de apreciar livremente a prova, com recurso às regras de experiência comum e às razões de ciência, jamais se poderia admitir como objetivamente seguro o constante do ponto 1 da matéria de facto provada.
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Estamos já familiarizados com a “corda sufocante” de uma linha de orientação jurisprudencial que nestes casos se reporta ao seguinte argumento: o Tribunal a quo não demonstrou no Acórdão recorrido qualquer dúvida quanto a esse facto, e portanto não pode o Tribunal de recurso substituir-se ao julgador que confrontou os meios de prova apresentados, e fez uso da imediação para livremente apreciar a prova produzida.
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Ora, o problema reside na inexistência de qualquer prova que viabilize tal convicção, e como é consabido “a livre apreciação da prova não pode ser entendida como uma operação puramente subjetiva, emocional e, portanto, imotivável”[2].
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O facto dado como provado no ponto 1 não é suportado de forma suficiente por nenhum elemento de prova nem pela análise global de todos os elementos de prova, não assenta verdadeiramente numa regra comum da lógica e é ainda infirmada por declaração e depoimento que sugerem um sentido diverso do seu conteúdo, pelo que foi violada a presunção de inocência do recorrente.
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Neste sentido, deverão V. Exa. dar como não provado todo o teor constante no ponto 1 da matéria provada no douto Acórdão recorrido, bem como dar como não provado que o teor do ponto 2 havia sido acordado pelo recorrente (“conforme acordado”).
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No ponto 3 dos factos provados da douta decisão recorrida pode ler-se: “No dia 4 de junho de 2014, pelas 15h40, o arguido B… recebeu, através do serviço CTT Expresso, na sua habitação sita na Rua …, n.º .., Porto, a encomenda que lhe estava endereçada e na qual constava o seu n.º de telemóvel – ………, contendo a cocaína enviada pelo tal C… assinando para o efeito a lista de distribuição emitida por aqueles correios”.
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Como está abundantemente fundamentado no Acórdão recorrido e plasmado nos Autos, e ainda como promanou da prova testemunhal produzida em audiência de julgamento, o recorrente não recebeu através do serviço CTT Expresso a referida encomenda.
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Quem procedeu à entrega da encomenda foram os Inspetores da Polícia Judiciária, identificados com coletes dos CTT Expresso.
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Exala da fundamentação do Acórdão recorrido, os inspetores F… e G…, “fazendo-se passar por funcionários do CTT Expresso, entregaram a encomenda ao arguido”.
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Atente-se nos depoimentos dos Senhores Inspetores da Polícia Judiciária: Ficheiro 20150126102535_13904762_2871451.wma Depoimento do Inspetor H… – A partir de 00:18:21 Fomos fazer a entrega, como se fossem os CTT.
… Eles disponibilizaram lá um casaco para um dos inspetores Foi-se lá bater à porta para a entrega da encomenda.
Depoimento do Inspetor F… – A partir de 00:27:00 Não foi a polícia judiciária que chegou. Fui eu e um colega, com os coletes dos ctt, abordamos a casa… aquilo tem duas entradas, uma de cada lado da casa.
Inicialmente veio – acho que era a companheira – que nos disse que a entrada era pelo outro lado e fomos recebidos aqui pelo sr. B….
Nós estávamos com a encomenda, dissemos que tínhamos uma encomenda para o senhor, pedimos-lhe a identificação, ele foi buscar o bilhete de identidade, confirmamos que era ele, ele assinou o registo dos CTT, com tinha recebido a encomenda, pôs a hora e a partir desse momento fizemos a detenção do arguido.
Inspetor G… – A partir de 00:48:48 Fizemo-nos passar pelos CTT, ele recebeu a encomenda e inclusive assinou o documento. Após receber, nós identificamo-nos como elementos da PJ e pronto, foi cumprida a busca que entretanto tinha sido emitida.
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Conforme tentaremos demonstrar em sede própria, esta ação encoberta do OPC, a que os senhores Inspetores gostam de apelidar de “entrega controlada”, levanta sérios problemas de proibição de prova em processo penal.
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Mas para que essa questão possa ser apreciada por V. Exas. torna-se necessário que resulte da matéria de facto provada o que realmente aconteceu: uma entrega controlada, uma ação encoberta, enfim, a ação de agentes policiais não identificados enquanto tal mas sim como funcionários do CTT Expresso.
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Tal facto, mais do que certo e mesmo admitido em sede de fundamentação, não consta da factualidade provada.
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Pelo que também aqui considera o recorrente deverem V. Exas. alterar a decisão recorrida, dando como provado que o arguido B… recebeu, através dos Inspetores da PJ que se fizeram passar por funcionários do CTT Expresso, a encomenda com produto estupefaciente.
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A prova produzida em julgamento não permite imputar ao recorrente os factos descritos nos pontos 16, 17 e 19.
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Em processo penal são admissíveis todas as provas que não forem proibidas por lei (artigo 125.º do CPP).
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Por isso, tem-se considerado admissíveis as presunções judiciais, as quais se materializam nas “ilações que o julgador tira de um facto conhecido para firmar um facto desconhecido” (artigo 349.º do Código Civil, ou seja, nas presunções judiciais o tribunal vale-se de certo facto conhecido e das regras da experiência para concluir que aquele denuncia a existência de outro facto.
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O Tribunal a quo não teve acesso à prova direta dos factos em causa (pontos 1, 16, 17 e 19), e, diga-se, também não estava na posse de factos conhecidos que lhe permitissem, após o exercício de aplicação das regras da experiência, dá-los como provados.
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Isto porque, os únicos elementos probatórios produzidos em julgamento quanto aos factos em causa apontam no sentido oposto: as declarações do arguido e o depoimento de D….
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Atentemos na seguinte transcrição das declarações do recorrente e no depoimento da sua companheira: Ficheiro 20150126102535_13904762_2871451.wma Declarações do...
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