Acórdão nº 29/14.1TVPRT.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 15 de Setembro de 2015

Magistrado ResponsávelVIEIRA E CUNHA
Data da Resolução15 de Setembro de 2015
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

● Rec.29/14.1TVPRT.P1. Relator – Vieira e Cunha. Adjuntos – Des. Maria Eiró e Des. João Proença Costa. Decisão de 1ª Instância de 30/01/2015.

Acórdão do Tribunal da Relação do Porto Súmula do Processo Recurso de apelação interposto na acção com processo comum de declaração nº29/14.1TVPRT, da Instância Central Cível da Comarca do Porto.

Autora – B…, S.A.

Réu – Banco C…, S.A.

Pedido Que o contrato dos autos seja declarado nulo e, em consequência: a) Seja condenado o Réu na restituição à Autora da diferença entre os créditos e os débitos resultantes da sua execução e que por esta foram pagos, no valor de € 143.912,40, acrescidos de juros legais, até efectivo e integral pagamento; b) Seja condenado o Réu a reconhecer que a Autora não lhe deve as quantias que este lhe debitou, de € 13.422,50 e de € 14.712,33, respeitantes ao 19º e 20º trimestres de vigência contratual, nem os respectivos juros.

Tese da Autora Em 26/10/07, Autora e Réu celebraram um contrato, de acordo com o qual as partes se obrigaram a efectuar trimestralmente pagamentos recíprocos, em função de um montante nocional de € 1.500 000.

Os valores a pagar pela Autora ao Réu, a cada trimestre, com primeiro vencimento a 30/1/08 e último em 30/10/12, seriam determinados de acordo com a aplicação de uma taxa fixa, de 4,26%, sobre a dita importância nominal, caso a taxa Euribor a 3 meses não fosse igual ou superior a 5%, pois aí a taxa a vigorar seria de valor idêntica à da Euribor a 3 meses.

O Réu pagaria à Autora, trimestralmente e na mesma data da obrigação da Autora, o quantitativo correspondente à Euribor de taxa variável, sobre a já falada importância nominal.

Na execução do contrato, o Banco pagou à Autora € 8.990,42, pagando a Autora ao Banco Réu € 152.902,82, devendo-lhe ainda € 28.134,83.

O contrato dos autos não é um verdadeiro contrato de swap, ou permuta de taxas de juro, mas um acordo especulativo, à semelhança da aposta / jogo ilícito, não associado a quaisquer financiamentos ou obrigações que a Autora tivesse perante o Réu, que a ordem jurídica comina de nulidade.

Tese da Ré A Autora tinha, à data da contratação do swap de taxa de juro e teve durante toda a sua vida operações de financiamento contratadas a uma taxa variável e consequente exposição ao risco de variação da taxa de juro a que estavam contratados os financiamentos de que era devedora; o contrato de swap de taxa de juro dos autos teve assim um objectivo de cobertura de risco e o respectivo valor nocional não era uma cifra abstracta.

O contrato de swap não se manteve após a cessação dos financiamentos concedidos à Autora.

A Autora age em abuso de direito.

Sentença Na sentença proferida pela Mmª Juiz “a quo”, a acção, por via da inconsideração da invocada nulidade do contrato, foi julgada improcedente e, em consequência, o Réu absolvido do pedido.

Conclusões do Recurso da Autora: 1 – A sentença apelada violou diversas normas de direito probatório material, extraindo de prova legalmente inadmissível caracteres e características do contrato dos autos que o seu clausulado não faculta, devendo, quanto ao mesmo, manter-se apenas o que vem dado como provado nos pontos 3 a 6 do probatório.

2 – Com efeito, tendo o contrato dos autos sido reduzido a escrito, não é livre a prova sobre as declarações negociais ou sobre as convenções adicionais aos mesmos. Todavia, a sentença, olvidando os artºs 393º e 394º CCiv, nem tendo em conta o que prescreve o nº1 do artº 223º do mesmo Código, acolheu no probatório um conjunto de factos unicamente com base em prova testemunhal, que a impeliu à conclusão de que o contrato tinha subjacente um stock de dívida indexada à taxa Euribor a 3 meses e que o mesmo tinha como objectivo a protecção da Autora dessa mesma taxa de juro.

3 – Isto é, a sentença julgou a acção improcedente, com base em elementos contratuais que vão para além do conteúdo do contrato, devendo em concreto ser dado como “não provado” tudo quanto consta dos factos 29, 30, 34, 35, 38, 40, 43, 51, 52, 56, 64 e 65, constantes do probatório e que tiveram por fundamento prova testemunhal.

4 – Os factos em causa atestam uma realidade, objectivo de cobertura de taxa de juro relativamente a financiamentos subjacentes à taxa Euribor a 3 meses, que não tem qualquer adesão ou correspondência com o que se mostra efectivamente contratado, pois que nenhum dos elementos contratuais revelam, mencionam, estipulam, tão pouco referenciam a existência de um “activo subjacente” indexado à Euribor a 3 meses nem sequer induz, muito menos refere que o objecto e o objectivo do contrato fosse proteger a Autora dos comportamentos da taxa de juro.

5 – A causa de pedir foi construída pela Apelante no sentido da alegação e demonstração de que o contrato dos autos – conformados pelos documentos particulares outorgados entre as partes – havia sido celebrado sem qualquer relação com realidades que lhe fossem subjacentes, para tanto tendo sido invocado que o contrato dos autos se tratava de um contrato meramente especulativo.

6 – Contestou o Banco Réu excepcionando que o contrato dos autos estava associado a diversas operações financeiras e que o seu objectivo era precisamente a gestão do risco inerente às mesmas, o que veio, “contra legem”, a ser dado como provado com base no depoimento das testemunhas D…, E…, F…, G… e H…, conforme consta da fundamentação da sentença.

7 – Ora, para que se pudesse ter o contrato como um verdadeiro contrato de “swap” de taxa de juro (não meramente especulativo) era mister que, dos termos do mesmo constasse a realidade subjacente de que derivaria (Ac.R.L., pº 2587/10.0TVLSB.L1-6).

8 – Tal como nesse aresto se defende, as omissões dos respectivos clausulados são alegação, prova e fundamento bastante para se decidir que os mesmos não são verdadeiros “swaps”, antes um negócio por via do qual as partes acordaram pagar ou receber montantes pecuniários consoante a evolução das taxas de juro e por referência a um capital abstracto.

9 – Teria de se encontrar no contrato dos autos, formalizado por escrito, a estipulação sobre qual o risco coberto pelo mesmo, i.e., qual o seu objecto. Nada constando dos elementos documentais, claro se torna que, pela interpretação dos conteúdos contratuais, o que é o bastante, os mesmos não visavam cobrir qualquer risco exógeno, pelo que o risco é criado pelo próprio contrato (risco endógeno).

10 – A prova da alegação de que o contrato dos autos é meramente especulativo encontra-se feita por via documental, única via aliás admitida para tanto, na medida em que a questão do risco nele teria de vir regulada por se tratar de elemento essencial do mesmo (trata-se do seu objecto).

11 – Pelo que andou mal a sentença “a quo” ao procurar declarações negociais ou convenções adicionais ao contrato dos autos com recurso à prova testemunhal, impondo-se por via disso a modificação da matéria de facto, devendo ser dados como não provados os factos nºs 29, 30, 34, 35, 38, 40, 43,51, 52, 56, 64 e 65.

12 – “A contrario”, e aplicando as mesmas regras legais que determinam a resposta negativa a tais factos, deve, atento o teor dos documentos contratuais do acordo sub judice (pois é só nesses que se pode ir buscar o sentido e alcance do negócio) dar-se como provado que: i) O contrato dos autos não estava associado a financiamentos ou obrigações que o Autor tivesse perante o Réu; ii) Que não existia objectivo de gestão e cobertura de risco no contrato celebrado; iii) Que o montante nocional inscrito no contrato - € 1.500.000,00 – não tinha qualquer correspondência a exposição ou contingência da Autora.

13 – No pressuposto fundado de que será operada a alteração à matéria de facto, convocam-se as várias hipóteses de enquadramento que vêm sendo desenhadas pela doutrina e jurisprudência sobre o tratamento que o direito dá aos contratos de “swap” meramente especulativos, destacando-se a nulidade por i) violação da ordem pública; ii) falta / ilicitude de objecto; iii) excepção de jogo.

14, 15 – Como fundamento primeiro da nulidade do contrato invoca-se que o contrato dos autos, enquanto meramente especulativo, é violador da ordem pública – cf. Ac.S.T.J., pº 531/11.7TVLSB-L1.S1 (…).

16 – Noutra perspectiva, tratando-se de contrato de mera especulação, reconduzida à categoria de jogo, tal terá consequências ao nível da respectiva dignidade jurídica, já que a função dos contratos de “swap” de taxa de juro é a cobertura do risco, sendo tal proposição essencial na análise da sua licitude.

17 – Quando estamos a falar da função da cobertura de risco temos por claro que deve tratar-se de um risco real, isto é, ligado a qualquer aspecto financeiro ou económico e não um risco meramente forjado para efeitos de obtenção de algum resultado financeiro.

18 – Analisado o contrato dos autos, constata-se porém que o mesmo não visa a cobertura de risco, antes o cria, pelo que o mesmo, desacompanhado que está da sua função, é nulo por prosseguir um fim contrário à lei e por falta de causa – artºs 280º e 281º CCiv, não sendo por isso o interesse do credor na prestação digno de protecção legal – artº 398º nº2 CCiv.

19 – Ao mesmo tempo, continuamos a pugnar por que o contrato meramente especulativo pode e deve ser interpretado à luz do artº 1245º e ser considerado um jogo ilícito e nulo, na esteira do Ac.R.L. de 21/3/13, já identificado.

20 – (…) 21 – A relevantíssima dicotomia criação vs. cobertura de risco vale tanto para a circunstância de o contrato de “swap” não ter inerente qualquer realidade financeira, como nas situações em que, independentemente dessa existência, o risco resulta do próprio clausulado, isto é, das fórmulas encontradas pelas partes para dividir o risco da operação contratada.

22 – Nessa medida, e independentemente da questão de saber se existe ou não um subjacente ao contrato de “swap” (vale por dizer, independentemente da alteração da matéria de facto por que se propugna) este será nulo quando o seu clausulado se demonstre, como é o caso, manifestamente desequilibrado (criando e...

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