Acórdão nº 2645/15.5T8GDM.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 23 de Novembro de 2017

Magistrado ResponsávelMADEIRA PINTO
Data da Resolução23 de Novembro de 2017
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Procº nº 2645/15.5T8GDM.P1 Relator: Madeira Pinto Adjuntos: Carlos Portela José Manuel Araújo de Barros* Sumário:1 - O autor fundamenta a presente acção no instituto da responsabilidade civil extracontratual e no disposto na Lei nº 46/2006, de 28.08, que “Proíbe e pune a discriminação em razão da deficiência e da existência de risco agravado de saúde”, que foi regulamentada pelo DL nº 34/2007, de 15.02 e, no que agora interessa, entrou em vigor no dia seguinte ao da publicação no DR, Iª Série de 28.08- artº 17º da referida Lei.

2 - O autor não demonstrou, com factualidade suficiente, que tivesse sido alvo de práticas discriminatórias por parte do réu, a título de culpa deste, no relacionamento administrador/condómino que fundamentem a obrigação de indemnizar por danos não patrimoniais.

3 - As provadas e apontadas omissões por banda do réu, enquanto administrador do Condomínio e para com a pessoa do autor não configuram práticas discriminatórias em razão da deficiência deste (deficiência visual), que importem obrigação de indemnizar por danos não patrimoniais.

4 - Não resultou provado que a instabilidade, ansiedade e agravamento da saúde psíquica do autor decorresse directa e necessariamente das omissões do réu no âmbito dessa relação condómino/administrador do Condomínio, de acordo com o disposto no artº 563º CC, na interpretação adoptada pela nossa lei da formulação negativa da teoria da causalidade adequada, segundo a qual o facto que actuou como condição do dano deixa de ser considerado como causa adequada, quando para a sua produção tiverem contribuído decisivamente circunstâncias anormais, atípicas, excepcionais, extraordinárias ou anómalas, que intercederam no caso concreto.

* I- RELATÓRIO Autor – B….

Réu – C….

* 1.2 - Objeto do litígio:O autor intentou a presente ação declarativa pedindo a condenação do réu no pagamento de €7.500,00 (sete mil e quinhentos euros) a título de indemnização com base na responsabilidade civil, por danos não patrimoniais. Mais pediu o pagamento de juros vincendos à taxa legal contados desde a citação até integral pagamento. Para tanto alegou, em síntese, que o autor reside numa fração autónoma de prédio do qual o réu foi administrador. O autor sendo deficiente visual solicitou ao réu o envio digital de todos os documentos, o que o réu não cumpriu, causando-lhe danos morais.

O réu contestou, impugnando a matéria de facto alegada pelo autor, alegando, além do mais, que as irregularidades verificadas se deveram à sua inexperiência, não pretendeu humilhar ou descriminar o réu, nem o colocar em posição de desvantagem em face dos demais condóminos. A administração e o réu não tinham meios adequados.

Saneado o processo, sem audiência prévia ou prolação de despacho destinado a identificar o objecto do litígio e a enunciar os temas da prova, veio a ser realizada audiência final e proferida sentença, em 30.03.2017, que julgou improcedente a presente acção e absolveu o réu do pedido.

Na sentença foram considerados os seguintes Factos provados:

  1. O autor reside na fração Y do prédio sito na Rua …, n.º …, …, em … (artigo 1.º da petição inicial – matéria aceite).

  2. O réu foi administrador do condomínio do edifício identificado, no período de 18 de Janeiro de 2013 a 31 de Março de 2015 (artigo 2.º da petição inicial – matéria aceite).

  3. O autor em 2010 foi vítima de um AVC que afetou diretamente a visão, perda gradual e progressiva, ao nível do olho direito e de 80% ao nível do olho esquerdo (artigo 3.º da petição inicial, v. docs. de fls. 13-21).

  4. Em 2012 ficou com uma incapacidade permanente global de 99%, de acordo com o atestado médico de incapacidade multiuso (artigo 4.º da petição inicial e doc. de fls. 22).

  5. Em Julho de 2013, o autor foi vítima de AVC hemorrágico, que lhe provocou a cegueira (artigo 5.º da petição inicial e doc. de fls. 23).

  6. Em data não concretamente apurada, mas não posterior a 2014, o autor começou a circular com bengala para cegos, de óculos escuros e em regra acompanhado de 3.ª pessoa, face à incapacidade que lhe tolheu os movimentos e afetou todas as suas rotinas diárias (artigo 6.º da petição inicial).

  7. A deficiência visual implicou uma adaptação gradual em todos os atos do seu dia-a-dia (artigo 7.º da petição inicial).

  8. A 26 de Março de 2013, o autor enviou para “D…@iol.pt”, via email, uma comunicação de realização de obras; tal comunicação não foi afixada, pedidas explicações alegou problemas com email (v. artigos 9.º e 10.º da petição inicial e doc. de fls. 26 e 32).

  9. Na sequência de um assalto nas garagens do prédio, foi afixado no placard da entrada do prédio um aviso a informar todos os condóminos, o réu não comunicou ao autor via mail (artigo 11.º da petição inicial, fls. 27).

  10. O autor enviou mail para D…@iol.pt a 7 de Fevereiro de 2014 comunicando além do mais: «pedir o favor que a partir de hoje 7-02-2014, que todas as afixações, nomeadamente convocatórias, atas de reuniões de assembleias gerais de condóminos e do Bloco, quer ordinárias, quer extraordinárias, relatórios e contas, orçamentos anuais, orçamentos para inovações, avisos, alertas, obrigações, e tudo o mais que seja de interesse, me sejam enviados por correio eletrónico, para o seguinte endereço (…) Estes pedidos são feitos, dado que sou portador de deficiência visual comprovada e atestada, sendo como único e exclusivo meio para leitura. (…)» (doc. de fls. 28) (artigo 12.º da petição inicial).

  11. No final de Fevereiro de 2014, o réu afixou autorização para festa de carnaval, na Gelataria E…, sita na Rua …, n.º .., no placard da entrada do prédio, que se iria realizar a 3 de Março de 2014 (artigo 13.º da petição inicial e fls. 29).

  12. Tal informação não foi remetida ao autor (artigo 14.º da petição inicial).

  13. Em data não concretamente apurada, mas no final de Maio ou início de Junho e 2014 foi afixada nova autorização para evento a realizar pelo estabelecimento Gelataria E…, sito na Rua …, n.º .. (artigo 15.º da petição inicial e fls. 30).

  14. Apesar de ambas estarem assinadas pelo réu, nenhuma desta informação foi enviada ao autor (artigo 16.º da petição inicial).

  15. Em Janeiro de 2014, o réu deslocou-se à residência do autor munido das atas n.ºs 90 e 92, solicitando a sua assinatura (artigo 17.º da petição inicial).

  16. O réu entregou as atas ao autor, mas posteriormente o autor veio a constatar que a ata 92 que a posteriori foi junta ao processo judicial que correu termos nos Julgados de Paz do Porto com as respetivas assinaturas, tinha sido alterada e a percentagem constante das mesmas não era igual (artigo 19.º da petição inicial, dls. 37 e ss, admitido no artigo 16.º da contestação).

  17. Na ata entregue ao autor para assinar a percentagem era de 48,33% (Doc. 12), na ata junta ao processo a percentagem é de 51,13% (Doc. 13), para além desta alteração, sucede que o autor esteve presente nas duas assembleias, na geral e na que respeita ao Bloco …, onde reside, ata 92, onde passou uma folha para todos os presentes assinarem (artigo 20.º da petição inicial e artigo 16.º da contestação).

  18. O réu não recolheu a assinatura do autor, nem sequer lhe perguntou se podia assinar (artigo 21.º da petição inicial e artigo 16.º da contestação).

  19. Em 04/04/2014 o autor foi informado via email da convocatória para a reunião extraordinária da assembleia de condomínio a realizar no dia 26 de Abril de 2014, assembleia em que o autor por motivos de doença não esteve presente (artigo 22.º da petição inicial).

  20. Em 3 de Maio de 2014 a ata foi enviada por email para o autor; contudo, não foram enviados os anexos (lista de presenças e lista de votos), enviaram a lista de pagamentos (artigo 23.º da petição inicial e fls. 43 e ss).

  21. Considerando estar a ser alvo de discriminação, o autor solicitou ajuda ao provedor para a deficiência (artigo 24.º da petição inicial).

  22. Em 28 de Abril de 2014, foi enviada carta pela Associação F… (…), com o seguinte teor: «Venho a pedido do n/ sócio B…, residente na Rua …, … - …º, …, solicitar que em cumprimento do estabelecido na Lei 46/2006 e do dec. Lei 34/2007 não sejam cometidos atos de discriminação em razão da Deficiência e, possa, ser o N/ Sócio e V/ Condómino, informado de forma acessível, sobre toda a documentação do Condomínio, por e-mail, conforme já foi por ele solicitado em 7 de fevereiro de 2014, assegurando, desta forma, o seu acesso à informação, como os demais condóminos, sob pena de poder vir a ser apresentada queixa por incumprimento junto do INR (…)» (v. artigo 26.º da petição inicial e fls. 46).

  23. Em Junho de 2014, G…, advogado e provedor do deficiente, dirigiu ao réu comunicação com o seguinte teor «Em nome do m/constituinte, Exm.º Senhor B…, solicito toda a documentação referente a assuntos do condomínio sejam remetidos para o email (….). Com V. Ex.a sabe o m/constituinte é uma pessoa cega, mas por isso mesmo a lei protege-o. (…) É do conhecimento de V. Ex.ª, (…) no seu lugar de garagem infiltrações de água (…) A convocatória para a realização de assembleia a realizar no dia 20/21 de Junho p.p. além de não respeitar o formalismo próprio das assembleias extraordinárias, não está datada (…). Atentamente, Porto 13 de Junho de 2014» (artigo 27.º da petição inicial e fls. 49).

A)’ Em Julho de 2014, G…, reuniu com o réu (artigos 28.º da petição inicial e 14.º da contestação) B)’ A deficiência visual de que o autor é detentor, é ostensiva perante qualquer pessoa que consigo priva, para além do mesmo passar a usar óculos escuros, bem como a bengala para cegos, muitas das vezes é orientado por terceira pessoa (artigo 31.º da petição inicial).

C)’ O réu enviou para o autor a ata n.º 94, mas sem anexos (artigo 33.º da petição inicial).

D)’ Em Dezembro de 2014, o réu deslocou-se à residência do Autor, pelas 21:30h, mais uma vez para recolher a assinatura do autor em como recebia a ata, o réu que no dia 30 de Dezembro recebe pelo correio registado com AR, as atas que no dia anterior lhe haviam pedido para assinar (artigo 34.º da petição inicial).

E)’ O...

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