Acórdão nº 833/15.3SMPRT.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 12 de Julho de 2017

Data12 Julho 2017
ÓrgãoCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Rec. Penal. n.º 833/15.3SMPRT.P1 Comarca do Porto Instância Local Acordam, em Conferência, na 2ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto.

I-Relatório.

No Processo Comum singular n.º 833/15.3SMPRT da Secção Criminal, Juiz 2, da Instância Local do Porto, da Comarca do Porto, foi proferido o seguinte Despacho, datado de 23.02.2017: «O Tribunal é competente.

A fls. 70-71 veio a assistente B...

deduzir acusação particular contra C..., imputando a este a prática de: • Um crime um crime de injúria, p. e p. pelo art. 181º do CP, • Um crime de difamação, p. e p. pelo art. 180, do CP; • Um crime de ameaça, sem qualquer indicação da disposição legal aplicável.

O MP a fls. 75 acompanhou a acusação particular deduzida pelos factos subsumíveis a um crime de injúria, p. e p. pelo art. 181º, n.º 1, do CP.

*Vejamos.

Como resulta do disposto no artigo 311º., n.º 1, do CPP, “recebidos os autos no tribunal, o presidente pronuncia-se sobre as nulidades e outras questões prévias ou incidentais que obstem à apreciação do mérito da causa, de que possa desde logo conhecer”; e se “o processo tiver sido remetido para julgamento sem ter havido instrução, o presidente despacha nomeadamente no sentido: a) de rejeitar a acusação, se a considerar manifestamente infundada” (n.º 2), entendendo-se como tal a acusação que não contenha a narração dos factos (n.º 3, al. b)), se não indicar as disposições legais aplicáveis (n.º 3, al. c)) ou se os factos não constituírem crime (n.º 3, al. d)).

Como é sabido, no nosso ordenamento jurídico-processual o objecto do processo penal é fixado pela acusação ou, quando esta não exista, pelo despacho de pronúncia, sendo o objecto do processo penal que delimita os poderes de cognição do tribunal. É a este efeito que se chama vinculação temática do tribunal e é nele que se consubstanciam os princípios da identidade, da unidade ou indivisibilidade e da consunção do objecto do processo penal, ou seja os princípios segundo os quais o objecto do processo deve manter-se o mesmo desde a acusação até ao trânsito em julgado da sentença. (vide, Figueiredo Dias, in Direito Processual Penal, vol. I, pág. 145.) Ora, nos termos do disposto no art. 283º, n.º 3, do CPP, aplicável por força do estatuído no art. 285º, n.º 3, do citado diploma legal, a acusação contém, sob pena de nulidade, e para o que agora nos interessa, “a narração, ainda que sintética, dos factos que fundamentam a aplicação ao arguido de uma pena ou de uma medida de segurança, incluindo, se possível, o lugar, o tempo e a motivação da sua prática, o grau de participação que o agente neles teve e quaisquer circunstâncias relevantes para a determinação da sanção que lhe deve ser aplicada” (al. b).

Posto isto, e relativamente ao alegado crime de ameaça, a acusação deduzida mostra-se manifestamente infundada desde logo e para além do mais, por ausência da disposição legal aplicável.

Acresce que, nos termos do art. 49º do CPP, quando o procedimento criminal depender de queixa do ofendido, como acontece no crime de ameaça (art. 153º, n.º 2, do C.P.), é necessário que essa pessoa dê conhecimento do facto ao M.P., para que este promova o processo penal.

É, pois, necessário que o ofendido apresente queixa contra determinada pessoa, para que o M.P. possa promover o processo.

Essa manifestação de vontade constitui a base, o pressuposto, a condição para que o processo penal possa iniciar-se e prosseguir – vide art. 49º, do C.P.P. e arts. 113º, 114º e 115º, do C.P.

Ora, o ofendido constituído assistente apenas tem legitimidade para deduzir acusação nos termos do prevenido no art. 285º, do CPP no caso de crimes particulares e já não quando se tratam de crimes de natureza semi-pública, onde tal legitimidade é conferida ao Ministério Público. – vide, ainda, arts. 283º, 284º e 285º, todos do C.P.P.

Assim, sempre careceria a ofendida/assistente de legitimidade para deduzir acusação pelo referido crime de ameaça.

Vejamos agora.

Alega-se na acusação particular que: “No dia 29 de outubro de 2015, pelas 17h30, por razões de segurança, a assistente colocou um gancho em forma de “S” no portão de acesso à “ilha” onde habita a assistente, e depois entrou na sua casa.

Cerca de 10 minutos depois, a assistente ouviu um barulho, saiu de casa, e constatou que o portão estava aberto sem o gancho, mas como percebeu que o arguido tinha entretanto chegado, foi tocar à sua porta – casa ..

A assistente perguntou-lhe pelo gancho/arame e este referiu que portão devia estar aberto proferindo-lhe, ainda, as seguintes expressões, em voz alta e tom intimidatório: “filha da puta, sai daqui sua vaca, porque dou-te duas estaladas nessa cara que te fodo já, olha o carro dos teus amantes, vocês têm os dias contados”.

O arguido agiu de modo livre e esclarecido com o propósito de ofender a assistente na sua honra e consideração, o que conseguiu.

O arguido pretendeu que a assistente se sentisse humilhada, envergonhada e triste, o que conseguiu.

O arguido agiu com dolo.

Ora, a assistente é pessoa educada, sensível e recatada.

Na verdade, a assistente passou noites sem dormir, com receio que o arguido concretizasse o seu intuito de atingir a sua integridade física ou contra a vida.

A assistente tomou tranquilizantes e outros medicamentos.

A conduta do arguido causou à assistente forte abalo psíquico, sobretudo pela vergonha, perturbação e medo, desgosto, vexame, dissabores e tristezas por que passou e tem passado.” Vejamos.

Dispõe o art. 180º, n.º 1, do C.P. que, “Quem, dirigindo-se a terceiro, imputar a outra pessoa, mesmo sob a forma de suspeita, um facto, ou formular sobre ela um juízo, ofensivos da sua honra ou consideração, ou reproduzir uma tal imputação ou juízo, é punido com pena de prisão até 6 meses ou com pena de multa até 240 dias”.

Por sua vez, o art. 181º do CP, prevê que: "Quem injuriar outra pessoa, imputando-lhe factos, mesmo sob a forma de suspeita, ou dirigindo-lhe palavras, ofensivos da sua honra ou consideração, é punido com pena de prisão até 3 meses ou com pena de multa até 120 dias.” Os valores protegidos pelas normas incriminadoras são precisamente a honra, a dignidade e consideração que todo o indivíduo, considerado como o homem médio, reputa como essenciais para uma vida sã e respeitável em sociedade.

Ora, a distinção entre o crime de difamação e o crime de injúrias assenta precisamente no facto de as imputações ofensivas da honra e consideração serem feitas perante terceiros sem a presença do ofendido, caso em que estamos perante um crime de difamação, ou perante o ofendido, caso em que estamos perante um crime de injúrias.

Assim, perante os factos alegados, aqueles objectivamente imputados à conduta do arguido são susceptíveis de integrar um crime de injúria p. e p. pelo art. 181º, n.º 1, do C.P. e não o invocado crime de difamação (art. 180º, do CP).

Acresce que, a acusação particular no que concerne à factualidade susceptível de integrar a tipicidade subjectiva do crime de injúria – dolo...

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