Acórdão nº 1962/09.8TVPRT.P2 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 04 de Maio de 2017
Magistrado Responsável | PAULO DIAS DA SILVA |
Data da Resolução | 04 de Maio de 2017 |
Emissor | Court of Appeal of Porto (Portugal) |
Recurso de Apelação - 3ª Secção Processo n.º 1962/09.8TVPRT.P2 Comarca do Porto Porto - Instância Central - J7 Relator: Paulo Dias da Silva 1.º Adjunto: Des. Teles de Menezes 2.º Adjunto: Des. Mário Fernandes Acordam no Tribunal da Relação do Porto1. RelatórioNa Instância Central Cível do Porto - J7, do Tribunal da Comarca do Porto, “B…, S.A.”, com sede na Estrada de Oeiras, 2740-135 Porto Salvo, instaurou a acção declarativa sob a forma de processo ordinário contra “C…, S.A.”, com sede no …, Lote .., Apartado ..., Portimão, contra “D…, S.A.”, com sede na Rua …, …, ….-… Póvoa de Varzim e contra “Construções E…, S.A.”, com sede em … - …, …, ….-…, Vila Nova de Famalicão.
*Por decisão exarada em 04.01.2016 o Senhor Juiz a quo indeferiu o pedido de dispensa do pagamento da taxa de justiça subsequente formulado pelas partes.
*Não se conformando com a decisão proferida, as recorrentes “Construções E…, S.A.” e “D…, S.A.”, vieram interpor o presente recurso de apelação, em cujas alegações concluem da seguinte forma: I. O presente recurso abrange a decisão proferida em 04.01.2017 no processo supra identificado, que indeferiu o pedido de dispensa de pagamento da taxa de justiça remanescente.
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Foram pagas todas as taxas de justiça no montante máximo das tabelas em vigor, para a prática de todos os actos processuais nos autos, num total que ultrapassa os €10.000,00, ao longo do processo que foi até ao Supremo.
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E pretende agora o Tribunal que todas as partes paguem mais €33.843,60, para cujo pagamento foram notificadas.
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O que significa um total de €101.530,80! V. A acrescer aos valores já pagos.
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Pelo que assim, no entender da decisão em recurso o valor pelo serviço prestado pelos Tribunais, neste processo, é de mais de €112.000,00! VII. E fundamenta tal decisão de forma parca e escassa, por um lado, pois apenas refere a sua alegada complexidade, sendo certo que todas as causas sujeitas ao tribunal são por natureza, complexas, pois caso contrário não seria necessária a intervenção do tribunal; que o processo foi até ao Supremo, sendo certo que qualquer processo de valor a €30.000,00 e outros, também podem ir; que teve recurso para o Tribunal Constitucional, sendo certo que foi paga a competente taxa de justiça e que as recorrentes desistiram desse recurso.
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Além disso, o próprio M.P. considera que o processo não é particularmente volumoso (7 volumes), e que poderia considerar-se uma dispensa parcial da taxa remanescente.
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O julgamento realizou-se em 4 sessões, o que não é nada de anormal ou extraordinário.
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As partes, designadamente, as Recorrentes tiveram um comportamento processual isento de censura.
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Aliás, a posição defendida pelas aqui Recorrentes não era de todo descabida pois obteve procedência nas duas primeiras instâncias.
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Tendo o Supremo decidido em sentido totalmente diverso, num acórdão muito breve.
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Consideramos que a decisão em recurso viola o principio do artigo 20º da CRP de que “A todos é assegurado o acesso ao direito e aos tribunais para defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos, não podendo a justiça ser denegada por insuficiência de meios económicos”, XIV. E que consagra assim, o direito de acesso ao direito e à tutela jurisdicional efectiva (n.º 1) que constitui uma garantia imprescindível na protecção de direitos fundamentais, sendo ele mesmo um direito fundamental.
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Mas mais do que um direito fundamental, é um princípio estruturante do Estado de Direito.
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O pagamento por parte das Recorrentes de um valor de mais de €112.000,00 de custas processuais (tendo em conta o que pode vir a lhes ser repercutido em termos de custas de parte) por uma acção judicial que teve por objecto a interpretação de uma cláusula contratual, e as suas consequências em termos de obrigações para as partes contratantes, ainda que o valor da acção fosse de €1.628.721,48, não justifica por si só a aplicação cega e infundada, como consideramos ter sido o caso, dos valores máximos previstos no RCP.
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Aliás, é consabido que esse não pode ser o único critério a ter em consideração na fixação do valor das custas processuais, ao abrigo do disposto no nº 7 do artigo 6º do RCP.
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Aliás, já por diversas vezes o Tribunal Constitucional foi chamado a apreciar a conformidade constitucional de normas de custas judiciais que fixavam o valor das taxas de justiça apenas segundo o critério do valor da acção, não as indexando à complexidade do processo e/ou não permitindo que nos casos de simplicidade do processado o valor das taxas apurado por aquele critério pudesse ser reduzido a um valor adequado (por último o Acórdão n.º 508/2015, insolvência www.tribunalconstitucional.pt [3]).
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É que entendemos que os demais fundamentos da decisão em recurso caem, conforme já expusemos.
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É certo que na decisão em recurso é feita referência ao volume e complexidade do processo em causa, mas sem fundamentação plausível, como já referimos, pelo que, na verdade e em rigor, a decisão entendeu dar efectiva prevalência ao critério do valor da causa.
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O Tribunal Constitucional tem entendido com frequência, designadamente nos Acórdãos n.ºs 352/91, 1182/96 e 521/99, que o legislador dispõe de uma larga margem de liberdade de conformação em matéria de definição do montante das taxas.
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Mas também tem assinalado que «essa liberdade não implica que as normas definidoras dos critérios de cálculo sejam imunes a um controlo de constitucionalidade, quer no que toca à sua aferição segundo regras de proporcionalidade, decorrentes do princípio do Estado de Direito (artigo 2.º da Constituição), quer no que respeita à sua apreciação à luz da tutela constitucional do direito de acesso à justiça (artigo 20.º da Constituição); em qualquer dos casos, sob a cominação de inconstitucionalidade material».
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No Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 421/2013, citando o Acórdão n.º 227/2007 do mesmo Tribunal, que já referimos supra, afirmou-se que «Os critérios de cálculo da taxa de justiça, integrando normação que condiciona o exercício do direito fundamental de acesso à justiça (artigo 20.o da Constituição), constituem, pois, a essa luz, zona constitucionalmente sensível, sujeita, por isso, a parâmetros de conformação material que garantam um mínimo de proporcionalidade entre o valor cobrado ao cidadão que recorre ao sistema público de administração da justiça e o custo/utilidade do serviço que efectivamente lhe foi prestado (artigos 2.º e 18.º, n.º 2, da mesma Lei Fundamental), de modo a impedir a adopção de soluções de tal modo onerosas que se convertam em obstáculos práticos ao efectivo exercício de um tal direito».
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Pelo que chegamos aqui a outros princípios fundamentais e estruturantes da Justiça e do Estado de Direito, violados pela decisão em recurso, que são o da proibição de excesso e da proporcionalidade, artigos 2º e 266º da CRP.
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Isto porque não existe qualquer relação, que não seja a do mero valor da acção, entre o processo e o serviço prestado pelos vários tribunais intervenientes.
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Que tipo de processo e que tipo de intervenção dos tribunais justifica o valor de €112.000,00? XXVII. Sendo a taxa de justiça a contrapartida da prestação de um serviço pelo Estado, o seu valor deve ser proporcional, estritamente adequado, e na justa medida ao serviço prestado.
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E mesmo que não seja exigível ou sequer possível uma equivalência económica entre as prestações dos particulares e os serviços públicos prestados, será sempre necessário ter em consideração o princípio constitucional estruturante da proibição do excesso consagrado no artigo 2º da CRP.
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No recente Acórdão n.º 277/2016, o Tribunal Constitucional reitera o entendimento segundo o qual «A proibição do excesso constitui, tal como o princípio da proibição do arbítrio, uma componente elementar da ideia de justiça, razão por que aquele princípio pode reclamar uma validade geral».
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Nessa perspectiva, o Acórdão n.º 73/2009 entendeu «o princípio da proporcionalidade [como um] princípio geral de limitação do poder público que pode ancorar-se no princípio geral do Estado de Direito...
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