Acórdão nº 14533/14.8T8PRT.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 14 de Dezembro de 2017

Magistrado ResponsávelFERNANDO SAM
Data da Resolução14 de Dezembro de 2017
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Processo n.º 14533/14.8T8PRT.P1 Do Tribunal Judicial da Comarca do Porto – Juízo Central Cível da Póvoa de Varzim – Juiz 3.

*Relator: Fernando Samões 1.º Adjunto: Dr. Vieira e Cunha 2.º Adjunto: Dr.ª Maria Eiró* Acordam no Tribunal da Relação do Porto - 2.ª Secção: I. RelatórioB…, C… e D…, todos residentes na Praceta …, n.º …, …, …., instauraram a presente acção declarativa com processo comum contra E…, com sede na Av. …, n.º .., …, Lisboa, pedindo que a ré seja condenada a cumprir o contrato de seguro de vida, titulado pela apólice n.º ………., pagando o capital em dívida ao beneficiário e o remanescente, a existir, aos autores, bem como a pagar a estes, a título de indemnização pelos danos não patrimoniais que sofreram, a quantia de 15.000,00€, acrescida de juros à taxa legal, desde a citação até integral pagamento.

Para tanto, alegaram, em resumo, o seguinte: A autora e o seu marido, G…, celebraram um contrato de seguro de vida, com a ré, em Dezembro de 2012, depois de o terem feito com duas outras seguradoras, para garantia do pagamento, em caso de morte ou invalidez, de um empréstimo que ambos haviam contraído na F… com vista à aquisição da sua habitação.

O G… faleceu em 31/10/2013 e a ré declinou a sua responsabilidade invocando que não foi informada sobre o seu verdadeiro estado de saúde, o que não faz sentido pois os primeiros sintomas da doença que o vitimou só surgiram em Agosto de 2013, causando aos autores, com aquela recusa, danos patrimoniais e não patrimoniais.

A ré contestou por excepção e impugnação, alegando, em síntese, que: Os autores são parte ilegítima para, por si só, pedir que a ré seja condenada a efectuar o pagamento a um terceiro – a F… – beneficiária irrevogável do contrato de seguro.

Este contrato é anulável, dadas as falsas declarações que o G… prestou aquando da sua celebração, omitindo conscientemente, nas respostas ao respectivo questionário, a doença que lhe havia sido diagnosticada anteriormente e que o vitimou.

A cobertura do risco está contratualmente excluída, por ser portador do vírus da hepatite B e não ter informado a Seguradora desse facto, no momento da celebração do contrato.

Concluiu pela procedência das excepções e pela improcedência da acção.

Os autores responderam, sustentando a sua legitimidade, reiterando o que haviam alegado na petição inicial e negando que o G… soubesse que era portador da doença antes da celebração do contrato de seguro, concluindo pela improcedência das excepções.

Requerida, mediante prévio convite para o efeito, a intervenção principal provocada da F…, S.A., como associada dos autores, foi a mesma admitida e, citada, a chamada limitou-se a informar que o valor em dívida do empréstimo concedido à autora B… e ao seu falecido marido se cifra em 50.766,73€.

Foi realizada a audiência prévia na qual foi proferido despacho saneador tabelar e foi fixado o objecto do litígio, com selecção dos factos “assentes”, bem como foram enunciados os temas da prova, sem reclamações.

Teve lugar a audiência de discussão e julgamento, com observância do formalismo legal, após o que, em 12/6/2017, foi proferida douta sentença, onde se decidiu julgar a acção totalmente improcedente, com a consequente absolvição da ré do pedido.

Inconformados com o assim decidido, os autores interpuseram recurso para este Tribunal e apresentaram as suas alegações que culminaram, depois de aperfeiçoadas, nas seguintes conclusões: “- A prova produzida não permite, com o devido respeito, concluir pelos factos dados como provados supramencionados; - No caso concreto, não é possível concluir pela aplicabilidade do supramencionado artigo 25.º da Lei do Contrato de Seguro (DL n.º 72/2008, de 16 de Abril); - Fazendo-o, sem base de sustentação probatória, viola o constante no n.º 2 do artigo 342.º do Código Civil; - Devendo, outrossim, enveredar pela aplicação do artigo 26.º do referido diploma e, (com) em concreto, do constante na alínea a) do n.º 4 da referida norma; - Não só por tudo o explanado supra, mas igualmente pelo (de) facto de a sentença não contemplar o dever de comunicação constante do artigo 5.º do Decreto-Lei 446/85, de 25 de Outubro, igualmente da Lei do Contrato de Seguro mencionada – em concreto . cfr. alíneas b) e c) do artigo 18.º; - Só assim se fazendo JUSTIÇA.

Nestes termos e nos melhores de direito, deverá o presente recurso merecer total provimento.” A ré contra-alegou suscitando a questão da rejeição imediata da impugnação da decisão sobre a matéria de facto e pugnando pela confirmação da sentença recorrida.

O recurso foi admitido como de apelação, com subida imediata, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo, modo de subida e efeito que foram mantidos neste Tribunal pelo Relator.

Tudo visto, cumpre apreciar e decidir o mérito do presente recurso.

Sabido que o seu objecto e âmbito estão delimitados pelas conclusões dos recorrentes (cfr. art.ºs 635.º, n.º 4 e 639.º, n.ºs 1 e 2, ambos do CPC), não podendo este Tribunal de 2.ª instância conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser em situações excepcionais de conhecimento oficioso, e tendo presente que se apreciam questões e não razões, se bem as compreendemos, as questões que importa dirimir consistem em saber: 1. Se pode/deve ser alterada a matéria de facto no sentido propugnado pelos recorrentes; 2. Se houve violação do dever de comunicação pela seguradora; 3. E se a seguradora está, ou não, obrigada a cobrir o sinistro.

  1. Fundamentação 1. De factoNa sentença recorrida foram dados como provados os seguintes factos: 1. A Autora mulher e marido G…, entretanto falecido, contrataram, em 30/03/1999, um empréstimo com a F… com vista à aquisição da sua habitação.

    1. Em Dezembro de 2012, foi contratado um seguro de vida entre a A. e o falecido marido e a ora R., titulado pela apólice ………., com vista a garantir o pagamento do dito empréstimo em caso de morte ou invalidez.

    2. O segurado G… veio a falecer no dia 31-10-2013.

    3. Os AA. participaram o evento à Ré, a qual declinou a sua responsabilidade, por carta datada de 28-02-2014, donde, com interesse in casu consta: “…aquando da subscrição do contrato de seguro, a Pessoa Segura não informou a H… sobre o seu verdadeiro estado de saúde, a qual por essa razão não teve capacidade de avaliar devidamente o risco correspondente ao verdadeiro estado de saúde da Pessoa Segura que, com base nas informações agora na sua posse, teria recusado.

      ” 5. O contrato supra referido em 2) garante, em caso de invalidez ou morte das pessoas seguras, pelo período de 209 meses, o pagamento à beneficiária F… do capital em dívida até ao limite do capital seguro e o remanescente, a existir, aos herdeiros.

    4. O capital seguro, em caso de morte do segundo segurado, é de 56.540,87€, conforme apólice.

    5. Os segurados pagavam à R um prémio mensal no valor de 43,01€, para garantir aquele capital.

    6. Aquando da subscrição do contrato de seguro objecto dos presentes autos, o marido da A. declarou não sofrer de qualquer doença, designadamente, declarou não sofrer de doença relacionada com o aparelho digestivo, fígado, vesícula e pâncreas, nem de doenças infecto-contagiosas e/ou sexualmente transmissíveis.

    7. Consta da cláusula 5ª das Condições Gerais da Apólice de Seguro que: “5.1. Não está coberto o risco de Morte cuja causa resulte, directa ou indirectamente de: (...) e) Patologia, lesão ou deficiência pré-existente, de que a Pessoa Segura seja portadora e tenha conhecimento à data da entrada em vigor da Apólice não tendo informado o Segurador” (...).

      ”.

    8. No dia 28 de Agosto de 2013, encontrava-se o entretanto falecido G… a trabalhar na Câmara Municipal I…, quando sentiu uma forte dor no abdómen.

    9. Foi, de imediato, encaminhado para o Dr. J…, médico do trabalho na Câmara Municipal I…, o qual o observou e dirigiu para a sua médica de família.

    10. Tendo logo consultado, nesse dia, a sua médica de família Dr.ª K…, a qual também o observou e mandou efectuar exames médicos.

    11. A 16 de Setembro de 2013, na consulta seguinte, foi constatado, pela médica de família, haver alterações analíticas hepáticas elevadas e na ecografia abdominal hepatomegalia, com numerosas imagens nodulares, compatíveis com metastização, sendo aconselhado a fazer TAC abdominal.

    12. Na consulta de 25 de Setembro de 2013, foi-lhe diagnosticado hepatite B, alterações hepáticas com nódulos.

    13. A partir dessa data, o estado de saúde do G… veio a deteriorar-se rapidamente, acabando por falecer.

    14. Foi sempre um trabalhador assíduo e dedicado.

    15. Nunca, em mais de 10 anos, o G… esteve de baixa ou recebeu subsídio de doença.

    16. O pagamento da prestação ao banco, ao menos em parte, assentava no vencimento do G….

    17. A A. mulher, que presta serviços domésticos, não consegue liquidar, desde a data do falecimento, a prestação mensal devida ao banco.

    18. Encontrando-se, assim, em incumprimento perante aquela instituição financeira.

    19. Correndo o risco sério de poder vir a perder a sua habitação, caso subsista o dito incumprimento.

    20. Os AA. viram-se numa situação financeira difícil, não podendo pagar a prestação devida, imaginando, em consequência, a perda da sua habitação, o que lhes causou angústia e aborrecimentos, tirando-lhes horas de sono.

    21. O art.º 8 – Declaração inicial do risco - das condições gerais da Apólice dispõe que o tomador de seguro e a pessoa segura obrigam-se a declarar ao...

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