Acórdão nº 1759/13.0TBPNF.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 12 de Setembro de 2017

Magistrado ResponsávelFERNANDO SAM
Data da Resolução12 de Setembro de 2017
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Processo n.º 1759/13.0TBPNF.P1*Do Tribunal da Comarca do Porto Este, Juízo Central de Penafiel, Secção Cível – J4, e, anteriormente, do extinto 3.º Juízo do Tribunal Judicial de Penafiel, onde deu entrada em 5/9/2013.

* Acordam no Tribunal da Relação do Porto – 2.ª Secção: *Relator: Fernando Samões 1.º Adjunto: Dr. Vieira e Cunha 2.º Adjunto: Dr.ª Maria Eiró* I. RelatórioB… e mulher C…, D… e mulher E…, F… e mulher G… e H… e mulher I… instauraram a presente acção contra J…, S.P.A., todos melhor identificados nos autos, pedindo que a ré seja condenada a pagar a cada um dos casais autores a quantia de 57.534,25€, acrescida de juros legais, desde 23 de Agosto de 2013 até efectivo e integral pagamento.

Para tanto, alegaram, em resumo, o seguinte: No dia 16 de Setembro de 2009, na Circular Sul de …, ocorreu um acidente entre os veículos de matrícula .. – AD - .. e de matrícula .. - .. - SB, conduzido por K…, por culpa desta, e onde seguiam, como passageiras, para além de mais duas jovens, as suas filhas, respectivamente, L…, K…, M… e N…, em consequência do qual vieram todas a falecer.

Naquela data, as vítimas frequentavam cursos técnicos promovidos pelo Instituto de Emprego e Formação Profissional, IP[1], e, por isso, beneficiavam de um seguro de acidentes pessoais, ocorridos durante e por causa da formação, resultante de um contrato de seguro de acidentes pessoais que aquele Instituto celebrara com a ré.

Esta contestou, dizendo, em síntese, que:Celebrou com o IEFP, na qualidade de tomador, no âmbito do n.º 1 do art.º 11.º da Portaria n.º 1191/2003, um contrato de seguro de grupo, do ramo “acidentes pessoais”, de tipo não contributivo, cobrindo os riscos principais de morte ou invalidez permanente, com o capital seguro, para o risco de morte, de 50.000,00€, o qual tinha como pessoas seguras as malogradas filhas dos autores, entre cerca de 20.000 outras, e como beneficiários, em caso de morte, os herdeiros legais daquelas, titulado pela apólice n.º …………, que compreendia “condições particulares”, “condições gerais e especiais” e um “caderno de encargos”.

O alegado acidente não se mostra coberto por aquele contrato de seguro, dado que não ocorreu durante a formação das filhas dos autores, nem quando regressavam a suas casas, mas quando iam almoçar a um restaurante, situado a vários quilómetros do local onde tinham tido a sua formação e das respectivas residências, fora do trajecto habitual, a convite da K…, que aceitaram; faziam a deslocação no referido veículo, que não era o meio de transporte habitual nem adequado para o fazer, pois só tinha um assento para o condutor e outro para um passageiro ao lado daquele, sendo a sua lotação de duas pessoas; nem a condutora K…, nem a vítima que se sentou a seu lado colocaram os respectivos cintos de segurança; as restantes cinco vítimas colocaram-se na caixa do veículo, sem assentos nem cintos de segurança, em pé ou sentadas no chão, conforme era do seu conhecimento e que aceitaram, acabando por falecer em consequência do embate e da forma como eram transportadas.

Para o caso de se entender que o sinistro está coberto pelo aludido contrato de seguro, invocou a não cumulação de indemnizações, alegando, para tanto, que, tratando-se de um acidente de viação pelo qual foi responsável, a título de culpa, a condutora do veículo SB, e, a título de risco, o proprietário deste veículo e, sempre, em qualquer caso, a respectiva seguradora, a O…, que já demandaram, não podem os aqui autores receber o capital seguro para o risco de morte e ainda uma indemnização pela mesma morte, do terceiro responsável, obtendo, assim, um benefício que, com a cobertura em apreço, não se quer atribuir, tanto assim que por força do previsto no art.º128.º da LCS o terceiro responsável não poderá ser chamado a pagar duas vezes o mesmo dano morte, tendo os autores que, no momento próprio, escolher por qual dos seguros pretendem ver ressarcido aquele dito dano.

Concluiu pela improcedência da acção, com a consequente absolvição dos pedidos.

Os autores replicaram, reafirmando o que haviam alegado e alegando que as malogradas vítimas, enquanto formandas do tomador de seguro, não negociaram, nem contrataram qualquer contrato de seguro, nunca lhes tendo, em momento algum, sido facultada cópia das condições gerais e especiais do sobredito contrato de seguro, pelo que não lhes são oponíveis as excepções invocadas, atenta a sua qualidade de lesadas e terceiras beneficiárias do mesmo contrato; que, ainda que assim não fosse, sempre tais cláusulas deverão ser consideradas nulas, “porque esvaziam e desprotegem de modo ilegítimo e até desproporcional os interesses dos terceiros beneficiários, visando apenas, de forma camuflada, reduzir o âmbito de protecção do contrato, que aliás é obrigatório” e “desequilibrando as prestações de modo grave”; que algumas das vítimas eram ainda menores de idade, só podendo ser imputável à condutora do veículo a responsabilidade pelo transporte dos passageiros, bem como a invocada utilização de veículo não apropriado, nem autorizado para o transporte de passageiros; e que é possível a cumulação de prestações de valor predeterminado, sendo cumuláveis seguros relativos ao mesmo risco, ainda que dependentes da verificação do mesmo evento, concluindo como na petição inicial.

Designado dia para a realização da audiência prévia, foi nela proferido despacho saneador tabelar, bem como foi identificado o objecto do litígio e foram enunciados os temas de prova, sem reclamações.

Após, a requerimento da ré, foi ordenada a apensação à presente da acção com processo comum n.º 1267/14.2TBPNF e da acção n.º 842/14.0T8PNF, então, pendentes no J1 e J4, ambas da Secção Cível - Instância Central de Penafiel - da Comarca do Porto Este (cfr. despachos de fls. 360 e 374), correspondendo-lhes, agora, o apenso A e o apenso B, respectivamente.

Na aludida acção n.º 1267/14.2TBPNF [apenso A) dos presentes autos], P… e mulher Q… demandaram J…, S.p.A.

, alegando, em síntese, o mesmo acidente e que são pais da condutora do veículo .. - .. - SB nele interveniente – K… -, a qual faleceu em consequência das lesões sofridas com a sua ocorrência, quando se deslocava com as suas colegas da escola de formação para o local de almoço, no âmbito de um curso técnico-profissional que frequentava, promovido pelo Instituto de Emprego e Formação Profissional, beneficiando, por isso, de um seguro de acidentes pessoais celebrado pelo IEFP e a ré. Terminam pedindo que a ré seja condenada a pagar-lhes a quantia de 50.000,00€, acrescida de juros vencidos no valor de €136,99, contabilizados à taxa legal, bem como dos juros vincendos até efectivo e integral pagamento.

A ré contestou, excepcionado a não cobertura visto o acidente não ter ocorrido durante o curso de formação nem durante o percurso directo entre o local da acção e retorno, bem como a negligência grave da pessoa segura e a utilização de veículo não apropriado, nem autorizado para o transporte de passageiros, nos termos em que o fez na acção principal, concluindo pela improcedência da acção e a absolvição do pedido.

Na acção n.º 842/14.0T8PNF [Apenso B) dos presentes autos], S… e mulher T… demandaram J…, S.p.A.

, alegando, em síntese, o mesmo acidente e que são pais da U…, que seguia como passageira no banco do veículo SB, com o cinto de segurança colocado, e que também faleceu em consequência das lesões sofridas, quando se encontrava abrangida pelo aludido contrato de seguro. Terminam pedindo que a ré seja condenada a pagar-lhes a quantia de 50.000,00€, acrescida de juros vencidos no valor de 882,19€, contabilizados à taxa legal, bem como dos juros vincendos até efectivo e integral pagamento.

A ré contestou nos mesmos termos em que o fez nestes autos principais, concluindo pela improcedência da acção e pela sua absolvição do pedido.

Feita a apensação, foi realizada nova audiência prévia, em 16/6/2015, relativamente aos apensos A e B e à subsequente adequação dos termos da presente causa, tendo os autores daqueles processos tomado posição sobre as excepções neles invocadas, no âmbito da qual foi proferido despacho saneador, no qual se deram por verificados os pressupostos processuais e como inexistentes quaisquer obstáculos adjectivos à apreciação do mérito da causa e foi proferida decisão que julgou improcedente a excepção “da não cumulação de indemnizações” invocada pela ré na sua contestação (cfr. fls. 416 a 426); fixaram-se os factos assentes (cfr. fls. 426 a 436) identificou-se o objecto do litígio (cfr. fls. 436 e 437) e enunciaram-se os temas da prova (cfr. fls. 437 a 441) dos quais foi apresentada pela ré a reclamação de fls. 489 e 490 e pelos autores P… e mulher Q… e S… e mulher T… a reclamação de fls. 505 e 506, tendo a primeira reclamação sido parcialmente deferida a fls. 584 e a fls. 586 e a segunda sido totalmente deferida por despacho de fls. 587 e 588.

Da decisão que apreciou e indeferiu a excepção da não cumulação das indemnizações foi interposto recurso pela ré, o qual foi mandado subir imediatamente e em separado, mas que este Tribunal, por decisão da Ex.ma Relatora a quem o mesmo foi distribuído, não conheceu por ter entendido que não havia lugar a apelação autónoma, porque apenas podia ser impugnada no recurso que viesse a ser interposto da decisão final, nos termos do art.º 644.º, n.º 3, do CPC (cfr. fls. 710 e 715 do apenso C).

Foi efectuado o julgamento, que foi objecto de gravação áudio, com observância do legal formalismo, conforme se constata pelas actas de fls. 1150 a 1160, 1165 a 1170, 1263 a 1270, 1292 a 1296 e 2735 a 2737, tendo-se realizado uma inspecção judicial ao local.

E, em 3/3/2016, foi proferida douta sentença que terminou com o seguinte dispositivo: “Por todo o exposto e sem necessidade de ulteriores considerações, julgo a presente acção, e as acções a ela apensas, procedentes por provadas e em consequência: a) condeno a Ré J…, S.P.A. a pagar aos Autores S… e mulher, T… a quantia de €50.000,00, acrescida de juros legais de mora...

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