Acórdão nº 529/12.8TBVNG.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 19 de Abril de 2016

Magistrado ResponsávelVITOR AMARAL
Data da Resolução19 de Abril de 2016
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Apelação n.º 529/12.8TBVNG.P1 1.ª Secção Cível Acordam no Tribunal da Relação do Porto: ***I – Relatório B… e marido, C…, D…, E…, F… e marido, G…, H… e mulher, I…, J… e marido, K…, L… e mulher, M…, e N…N… e mulher, O…, todos com os sinais dos autos, deduziram ação declarativa [1] com processo comum ordinário contra 1.ºs – P…, Q…, S… e mulher, T…, U… e V…, também com os sinais dos autos; 2.ºs – W… e mulher, X…, ainda com os sinais dos autos, pedindo a declaração da nulidade do registo efetuado pelos 1.ºs RR., herdeiros de Y…, na 1.ª Conservatória do Registo Predial de Vila Nova de Gaia, relativamente ao prédio rústico descrito sob o n.º 2180 da freguesia de ….

Para tanto, alegaram, em síntese, que: - os 1.ºs RR., herdeiros de Y…, falecido em 19/10/1996, procederam, em duplicação, à inscrição matricial e à descrição predial – como se de um prédio autónomo se tratasse, quando não passava de uma parcela indivisa de imóvel – do pretendido prédio em causa (aludido n.º 2180) aquando da morte daquele Y…; - pretendido prédio esse que, todavia, mais não é que a fração de 1/14 avos de um imóvel – prédio denominado “Z…”, com inscrição matricial rústica sob o n.º 2686 e descrição predial n.º 5094 –, a qual havia sido adquirida pelo dito Y…, sendo que a criação dessa nova inscrição teve origem numa falsa declaração, proferida por tais RR., no sentido de o mencionado prédio se encontrar matricialmente omisso; - a metragem indicada pelos 1.ºs RR. não correspondia aos 1/14 que foram adquiridos por tal Y…; - os RR. são conhecedores dos factos em causa e tinham consciência da titularidade pelos 1.ºs RR. de apenas 1/14 do prédio denominado “Z…”, com descrição predial n.º 5094; - por isso, é nulo o registo efetuado pelos referidos RR..

Contestaram os RR.: - os 2.ºs RR. – enquanto adquirentes do prédio com o n.º 2180 –, impugnando, no essencial, a factualidade alegada pelos AA. e invocando a inoponibilidade dos vícios apontados, face ao disposto nos art.ºs 291.º do CCiv. e 17.º do CRPred., por serem terceiros de boa-fé, assim concluindo pela improcedência da ação; - os 1.ºs RR., admitindo diversa factualidade invocada pelos AA., mas negando terem procedido de forma consciente à duplicação matricial e registral em causa, bem como a inadequação da forma processual escolhida, devendo ser seguido o processo de retificação previsto nos art.ºs 120.º e segs. do CRPred. (retificação pelo conservador), com a consequente incompetência do tribunal em razão da matéria, e concluindo pela improcedência da ação.

Replicaram os AA., pugnando pela procedência da ação.

Realizada audiência, foi então decidido aplicar aos autos a tramitação do NCPCiv. e julgar improcedente a exceção de incompetência material, após o que, definido o objeto do litígio, foram concretizados os temas da prova.

Realizada a audiência de julgamento, com inspeção ao local [2], foi depois proferida sentença, julgando a ação improcedente, com a consequente absolvição dos RR. do pedido.

Inconformados com tal decisão de meritis, vieram os AA. interpor o presente recurso, apresentando alegação, culminada nas seguintes Conclusões [3] «(…) 5 - (…) considera o Tribunal serem os segundos Réus e actuais proprietários – W… e esposa X… – terceiros adquirentes de boa fé, nos termos e efeitos do art. 291º, nº 1 do Código Civil, não lhe sendo imputáveis quaisquer consequências das nulidades praticadas aquando das sucessivas vendas da fracção ora em apreço.

6 - Para chegar a este veredicto tem o Tribunal em consideração os documentos juntos aos autos e os depoimentos da Ré P…, W…, AB…, AC… e X….

7 - Desconhece-se, no entanto, o motivo pelo qual nenhum dos depoimentos das testemunhas levadas a juízo pelos Autores tenha sido levado em conta, uma vez que todos eles foram prestados de forma isenta, livre e consciente.

8 - Não lograram, porém, os Recorridos, salvo melhor opinião, fazer prova de tal factualidade, nem a mesma pode ter-se como demonstrada com recurso a presunção judicial, como infra e exuberantemente se demonstrará.

9 - Efectivamente, as presunções judiciais, admissíveis nos casos e termos em que é admitida a prova testemunhal (artigo 351º do Código Civil), são as ilações que o julgador tira de um facto conhecido para firmar um facto desconhecido (artigo 349º do mesmo compêndio substantivo).

10 - Partindo de determinado facto, o julgador, com base nas regras práticas da experiência, nos ensinamentos obtidos através da observação (empírica) dos factos, chega por mera dedução lógica à demonstração de outro facto.

11 - No[s] caso vertente, dos factos provados, designadamente os resultantes das respostas restritivas dadas aos artigos 19º e 20º da base instrutória, não é possível inferir-se que no momento da aquisição dos imóveis, que os 2ºs Réus Recorridos, sem culpa, desconhecessem o vício do negócio.

12 - A culpa deve ser aferida em face das circunstâncias concretas do caso e pela diligência de um bom pai de família ou homem médio, ou seja, a diligência relevante é a de um homem normal, médio, perante o circunstancialismo próprio do caso concreto.

13 - Entra aqui em “acção” o critério do homem médio, sendo que no momento da aquisição do referido prédio diligenciaria no sentido de obter as informações necessárias para que essa aquisição ocorresse com normalidade.

14 - As presunções judiciais são um forte instrumento a utilizar quando necessário e na formação da convicção que antecede a resposta à matéria de facto em especial quando se trata de proferir decisão que os factos se tornam dificilmente atingíveis através de meios de prova direta.

15 - As conclusões extraídas dos factos dados como provados terão que partir do conhecido critério do bom pai de família, do homo prudens, do homem comum, não apelando essencialmente para a sensibilidade ou intuição do jurista ou para a formação especializada do julgador.

16 - Assim, no caso da má fé apenas interferem as chamadas presunções judiciais.

17 - Cumpre, pois, ao julgador, quando se encontre no estrito campo dos factos a ter como provados, não ignorar as regras da experiência, a normalidade dos factos, as regras da vida, para, de factos conhecidos – base da presunção – chegar a factos desconhecidos, na medida em que de outro modo não poderá alcançar a conclusão da má fé dos intervenientes no ato oneroso.

18 - Conforme observou AE…, não existe no nosso ordenamento jurídico nenhum princípio geral que equipare a ignorância culposa ao conhecimento, o que impede o intérprete de efetuar equiparações que a lei não faz.

19 - O mesmo não se tem defendido quanto às hipóteses de negligência consciente. Esta ocorre nas situações em que o agente está ciente de que o ato pode prejudicar o credor, ainda que confie que esse resultado não venha a verificar-se.

20 - Nestes casos não existe dolo, porém, não deixa de estar presente o elemento intelectual, isto é, há sempre uma mera representação da possibilidade da produção do resultado danoso como consequência da conduta do agente bastando a mera representação da possibilidade da produção do resultado.

21- Pode, admitir-se, com base nos dados da intuição humana, regras da experiência e juízos correspondentes de probabilidade, que se possa concluir pela existência de má fé quando está em causa um negócio oneroso celebrado entre familiares próximos.

22 - A prova em contrário da boa fé do terceiro adquirente sempre deveria ter sido considerada provada pelo Tribunal por recurso às chamadas presunções judiciais.

23 - Do depoimento da testemunha de AF… retiramos a existência de afixações públicas no local, que nenhum dos interessados pode dizer desconhecer, bem como a existência de reuniões entre os proprietários de todos os lotes para obtenção do alvará de loteamento que era de interesse geral.

24 - A testemunha dos Réus, AB…, filha do actual proprietário e esposa de um dos sócio da AD… AG…, esclareceu o tribunal quanto à relação familiar e profissional existente entre o actual proprietário e os anteriores, mostrando claramente a “promiscuidade” existente entre os sucessivos vendedores do lote em apreço.

25 - Ora, se o terreno em causa estava em nome da “tia” AH…, pelo menos as testemunhas AG… e W… – e actual proprietário – já tinham, claramente, conhecimento dos problemas que recaiam sobre o terreno, uma vez que se trata de um conjunto de compras e vendas do mesmo prédio, entre membros do mesmo agregado familiar, tendo, inclusivamente o actual proprietário estado presente na compra e venda em representação da D. AH….

26 - Com efeito, a valoração probatória traduz-se num raciocínio problemático, argumentativamente fundado no húmus da razão prática, a desenvolver mediante análise crítica dos dados de facto veiculados pela actividade instrutória, em regra, por via de inferências indutivas ou analógicas pautadas pelas regras da experiência colhidas da normalidade social, que não pelo mero convencimento íntimo do julgador, não podendo a intuição deixar de passar pelo crivo de uma razoabilidade persuasiva e susceptível de objectivação, o que não exclui, de todo, a interferência de factores de índole intuitiva, compreensíveis ainda que porventura inexprimíveis; ponto é que a motivação se norteie pelo princípio da completude racional, de forma a esconjurar o arbítrio.

27 - É, pois, nessa linha que se deve aferir a razoabilidade dos juízos de prova especificamente impugnados, mediante a análise crítica do material probatório constante dos autos, incluindo as gravações ou transcrições dos depoimentos, tendo em conta o respectivo teor, o seu nicho contextual histórico-narrativo, bem como as razões de ciência e a credibilidade dos testemunhos. Só assim se poderá satisfazer o critério da prudente convicção do julgador na apreciação da prova livre, em conformidade com o disposto, designadamente no artigo 396.º do CC, em conjugação com o artigo 655.º, n.º 1, do CPC, com vista a obter uma decisão que se possa ter por justa e legítima.

28 - Assim, não é razoável inferir-se que no momento da aquisição dos imóveis...

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