Acórdão nº 33/14.0TELSB-A.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 15 de Junho de 2016

Magistrado ResponsávelERNESTO NASCIMENTO
Data da Resolução15 de Junho de 2016
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Processo 33/14.0TELSB-A da Comarca do Porto, Porto, Instância Central, 1.ª Secção de Instrução Criminal, J5 Relator - Ernesto Nascimento Adjunto – Artur Oliveira Acordam, em conferência, na Secção Criminal da Relação do Porto: I. Relatório I. 1. Inconformada com o despacho proferido pelo Mmo. Juiz, a 30JAN2016, que na sequência do primeiro interrogatório judicial, a indiciou pela prática de um crime burla qualificada, p. e p. pelo artigo 218.º/2 alíneas a) e b) C Penal, um crime de falsificação ou contrafacção de documento, p. e p. pelo artigo 256.º/1 alínea e) e 4 C Penal, um crime de corrupção activa para acto ilícito, na forma agravada, p. e p. pelos artigos 374.º/1 e 374º-A/2 C Penal e um crime de falsidade informática, p. e p. pelo artigo 3.º/1 e 5 da Lei do cibercrime, e, determinou que aguardasse os ulteriores do processo, mediante as medidas de coacção de, termo de identidade e residência, apresentação periódica, uma vez por semana, junto do posto policial da sua área de residência, não se ausentar do país, para o efeito fazer a entrega do passaporte nos autos no prazo de 10 dias, a suspensão do exercício de funções como farmacêutica, devendo para o efeito fazer a entrega nos autos da cédula profissional, em 10 dias, sendo dado conhecimento dessa suspensão de funções à Ordem dos Farmacêuticos, a suspensão do exercício de funções como gerente da sociedade comercial arguida que detém a Farmácia B…, devendo transmitir a gerência a outrem no prazo de 15 dias, não contactar, por qualquer meio, com os funcionários da Farmácia B…, não frequentar as instalações da Farmácia B…, e prestar uma caução no montante de € 5.000,00, a depositar nos autos no prazo de 20 dias, recorre a arguida C…, pugnando pela revogação de tal despacho – na parte atinente com a suspensão do exercício de funções como farmacêutica, suspensão do exercício de funções como gerente da sociedade comercial arguida que detém a Farmácia B…, não contactar, por qualquer meio, com os funcionários da Farmácia B…, nem frequentar as instalações da Farmácia B… - suscitando as seguintes questões: os autos não revelam indícios da prática pela arguida dos crimes de corrupção activa para ato ilícito, na forma agravada, e falsidade informática, pois dos factos dados a conhecer à arguida não se mostram indiciados aqueles crimes - ou se dos autos constam tais factos ilícitos, os mesmos não foram a conhecer à arguida, pelo que não podem ser avaliados para efeitos de sustentarem as medidas de coacção ora aplicadas, sob pena de violação dos artigos 141.º/4 C P Penal e 28.º/1 e 32.º/1 C R Portuguesa; do despacho aqui posto em crise não se mostra indicado um único facto concreto, com base no qual o tribunal a quo possa ter concluído que existe um efectivo concreto e real perigo de perturbação do decurso do inquérito, nomeadamente perigo para a aquisição, conservação ou veracidade da prova - nem a arguida com eles foi confrontada, violando assim o disposto na alínea b) do artigo 204.º C P Penal; inexistem fundamentos de facto e de direito que justifiquem e sustentem a aplicação das medidas de coacção de suspensão do exercício de funções como farmacêutica e de suspensão do exercício de funções como gerente da sociedade arguida que detém a Farmácia B… - sendo tais medidas assim aplicadas de forma ilegal, por não obedecer à norma contida no artigo 199.º C P Penal, que tem de ser compatibilizada com a norma contida no artigo 66.º C Penal, tanto mais que na hipótese da arguida ter cometido os crimes ora indiciados, não os praticou no exercício da actividade ou função de farmacêutica, fê-lo como qualquer proprietário, administrador, trabalhador, de uma Farmácia, inclusive os crimes de burla e falsificação de documento não são susceptíveis de implicar a sanção acessória de interdição do exercício de funções como gerente da sociedade proprietária da Farmácia; enquanto gerente não é titular de cargo público, funcionária pública, agente da administração, nem esta actividade depende de título público ou de autorização ou homologação da autoridade pública, inexistindo sequer factos que permitam e justificam as medis ade suspensão do exercício de funções como gerente da sociedade comercial arguida que detém a Farmácia B… e de não contactar, por qualquer meio, com os funcionários daquela Farmácia, nem frequentar as suas instalações, revelando-se assim tais medidas de coacção ora aplicadas inadequadas e excessivas.

  1. 2. Na sua resposta, concluiu o Ministério Público junto do Tribunal de 1.ª instância pelo não provimento do recurso.

  2. Subidos os autos a esta Relação, o Exm.º Sr. Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer, igualmente, no sentido de o recurso não merecer provimento.

    Seguiram-se os vistos legais.

    Foram os autos submetidos à conferência e dos correspondentes trabalhos resultou o presente acórdão.

  3. Fundamentação III. 1. Tendo presente que o objecto dos recursos é balizado pelas conclusões da motivação apresentada pelo recorrente, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas - a não ser que sejam de conhecimento oficioso - e, que nos recursos se apreciam questões e não razões, bem como, não visam criar decisões sobre matéria nova, sendo o seu âmbito delimitado pelo conteúdo do acto recorrido, as questões suscitadas, no presente são, então, a de saber se, no caso, existem, ou não, indícios da prática pela arguida dos crimes de corrupção activa para acto ilícito, na forma agravada e de falsidade informática; existem ou não, no despacho recorrido, factos concretos, com base nos quais, se possa ter concluído que existe um efectivo concreto e real perigo de perturbação do decurso do inquérito, nomeadamente perigo para a aquisição, conservação ou veracidade da prova; existem fundamentos de facto e de direito que justifiquem e sustentem a aplicação das medidas de coacção de suspensão do exercício de funções como farmacêutica e de suspensão do exercício de funções como gerente da sociedade arguida que detém a Farmácia B….

  4. 2. Vejamos primeiro, o essencial das razões vertidas no despacho recorrido (no que à recorrente se reporta): “(…) quanto à arguida C…, indiciam (…) os autos que a mesma, desde data não apurada de 2011, vem obtendo receitas falsas, prescritas por médicos a quem pedia que emitissem tais receitas, que posteriormente facturou ao SNS, isto sem que exista qualquer movimentação real na farmácia dos medicamentos constantes dessas receitas. Apesar de constituída arguida a 22 de maio de 2014, a arguida continua com a referida conduta ilícita, da qual retira vantagem económica.

    (…) relativamente à arguida C…, proprietária e directora técnica da farmácia B…, com a denominação comercial D…, Lda.. além de (…) ter admitido a prática dos factos aqui em causa no essencial, também os elementos constantes dos autos, atrás já referidos, revelam para a farmácia B…, constantemente, um valor médio por receita superior à média nacional, chegando a ter um valor de 26% em abril de 2013, e sendo certo que esta farmácia foi responsável entre janeiro de 2012 e abril de 2013 por 1.800.018.44 em valor de SNS.

    Posto isto, e face a estes factos, entendemos que se encontra efectivamente indiciada a prática pela arguida C… na forma consumada e em concurso efectivo de um crime de burla qualificada, p. e p. pelo artigo 218.º/2 alíneas a) e b) C Penal; um crime de falsificação ou contrafacção de documento, p. e p. pelo artigo 256.º/1 alínea e) e 4 C Penal; um crime de corrupção activa para acto ilícito, na forma agravada, p. e p. pelos artigos 374.º/ 1 e 374.º-A/2 C Penal e de um crime de falsidade informática, p. e p. pelo artigo 3.º/1 e 5 da Lei do Cibercrime.

    A forma reiterada, continuada e organizada pela qual esta actividade tem vindo a ser desenvolvida por todos os arguidos, as elevadas quantias monetárias de que se têm apropriado, a natureza do esquema delineado (de falsa prescrição de medicamentos, em que as receitas falsas serviam para colmatar outras receitas devolvidas pelo SNS ou vendas suspensas e também para ficcionar a venda de medicamentos, pagando o Estado através do SNS as respectivas comparticipações) e a circunstância de os arguidos, todos eles, saberem agora que os factos descritos se encontram a ser investigados (com o óbvio perigo de instruírem eventuais testemunhas e ocultarem ou destruírem provas), permitem-nos concluir, por um lado, pela existência de perigo de perturbação do decurso do inquérito, nomeadamente perigo para a aquisição, conservação ou veracidade da prova e também pelo perigo de continuação da actividade criminosa, sendo, no caso da arguida C…, gritante este último perigo (já que, mesmo depois de ter sido constituída arguida, continuou a sua actividade ilícita) e salientando-se ainda, quanto ao perigo de continuação da actividade criminosa relativamente a todos os arguidos, que este resulta da natureza dos crimes indiciados e da vantagem patrimonial que dos mesmos é possível obter.

    Pelo exposto, justifica-se a aplicação, a todos os arguidos, de medida mais gravosa do que o TIR, artigo 204.º alíneas b) e c) C P Penal.

    Assim e em observância e nos termos do disposto nos artigos 198.º, 199.º, 200.º, 204.º, 205.º e 206.º, o tribunal entende que é adequado e proporcional aplicar à arguida C…, as medidas de coacção de: - apresentação periódica, uma vez por semana, junto do posto policial da sua área de residência; - não se ausentar do país, para o efeito fazer a entrega do passaporte nos autos, no prazo de dez dias; - a suspensão do exercício de funções como farmacêutica, devendo para o efeito fazer a entrega nos autos da cédula profissional, em 10 dias, sendo dado ainda conhecimento dessa suspensão de funções à Ordem dos Farmacêuticos; - a suspensão do exercício de funções como gerente da sociedade comercial arguida que detém a Farmácia B…, devendo transmitir a gerência a outrem no prazo de 15 dias; - não contactar, por qualquer meio, com os funcionários da Farmácia B…, nem frequentar as instalações da Farmácia B…; - prestar...

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