Acórdão nº 22/15.7PTVNG.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 26 de Outubro de 2016

Magistrado ResponsávelERNESTO NASCIMENTO
Data da Resolução26 de Outubro de 2016
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Processo abreviado 22/15.7PTVNG da Comarca do Porto, Vila Nova de Gaia, Instância Local, Secção Criminal, J3 Relator - Ernesto Nascimento Adjunto – José Piedade Acordam, em conferência, na 2ª secção criminal do Tribunal da Relação do Porto I. Relatório I. 1. Efectuado o julgamento foi a arguida B… condenada, pela prática de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, p. e p. pelas disposições conjugadas dos artgos 292.º e 69.º/1 alínea a) C Penal, na pena de 80 dias de multa à taxa diária de €6,00, bem como na pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados pelo período de 5 meses – período ao qual devem ser descontados 4 meses respeitantes à injunção de proibição de conduzir veículos com motor, já cumprida no âmbito da suspensão provisória do processo.

  1. 2. Inconformada com este derradeiro segmento da sentença, recorre a Magistrada do MP – pugnando pela revogação da sentença na parte em que procedeu ao desconto de 4 meses na pena acessória, ordenando-se, então, o cumprimento da pena de 5 meses que lhe foi aplicada.

  2. 3. Não foi apresentada resposta.

  3. Subidos os autos a este Tribunal o Exmo. Sr. PGA emitiu parecer pugnando pelo não provimento do recurso, depois de elencar as decisões que suporam o que tem por tese maioritária, deste tribunal, no sentido de se proceder ao desconto.

    Colhidos os vistos legais, foram os autos submetidos à conferência e dos correspondetes trabalhos resultou o presente Acórdão.

  4. Fundamentação III. 1. Tendo presente que o objecto dos recursos é balizado pelas conclusões da motivação apresentada pelo recorrente, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas - a não ser que sejam de conhecimento oficioso - e, que nos recursos se apreciam questões e não razões, bem como, não visam criar decisões sobre matéria nova, sendo o seu âmbito delimitado pelo conteúdo do acto recorrido, então, a questão suscitada no presente resume-se, tão só a de saber se, é de proceder ao desconto na pena acessória de proibição de conduzir, do período de tempo de 4 meses de compromisso de não condução de veículos, aceite pela arguida aquando da suspensão provisória do processo, entretanto revogada, pelo não cumprimento da outra injunção, de prestar 60 horas de trabalho a favor da comunidade.

  5. 2. Esta questão não tem sido decidida de forma uniforme na Jurisprudência, variando entre ambas as posições assumidas no processo, de resto, abundantemente retratadas – que aqui por essa razão nos dispensamos de, da mesma forma, invocar - sendo certo, porém, que como refere o representante do MP neste tribunal, a incontronável lógica da aritmética é desfavorável à tese defendida pelo representante do MP na 1.ª instância.

    As únicas normas do C Penal que podem ser chamada à colação para decidir da questão são as contida no artigo 281º C P Penal, que, sob a epígrafe de “suspensão provisória do processo” dispõe no seu n.º 3 que, “(…) tratando-se de crime para o qual esteja legalmente prevista pena acessória de proibição de conduzir veículo com motor, é obrigatoriamente oponível ao arguido a aplicação de injunção de proibição de conduzir veículos com motor”, bem como a contida no artigo 282.º/4, que sob a epígrafe de “duração e efeitos da suspensão dispõe no seu n.º 4 que, “o processo prossegue e as prestações feitas não podem ser repetidas, a) se o arguido não cumprir as injunções e regras de conduta ou, b) se, durante o prazo da suspensão do processo, o arguido cometer crime da mesma natureza pelo qual venha a ser condenado”.

    A decisão de suspensão no âmbito do inquérito, é da responsabilidade do MP, condicionada à concordância do JIC, através do qual o agente aceita respeitar e cumprir determinadas injunções e regras de conduta e, o MP, enquanto titular da acção penal, compromete-se a, ele próprio - caso elas sejam cumpridas - a prescindir do seu exercício.

    A filosofia subjacente ao instituto da suspensão provisória do processo importa um desvio do padrão, que constitui o princípio da legalidade, introduzindo uma nuance de oportunidade e informalidade na condução do inquérito por parte do MP - e do JIC, se na fase da instrução.

    O legislador abriu aqui uma brecha no clássico paradigma punitivo inerente ao direito penal - a finalidade retributiva do mal do crime traduz-se na resposta com a aplicação de uma pena - de que a negociação da própria pena constitui outro exemplo, muito em voga no sistema vigente nos EUA e, que ainda recentemente sofreu tentativa séria de ser implementado no nosso sistema jurídico e na prática jurisdicional – tendo, porventura ficado, adiado, para melhor oportunidade em termos de política legislativa.

    De resto modificação no paradigma da realização da justiça em que se insere, ainda que numa outra perspectiva e dimensão, a recentemente tão falada delação premiada, com que no Brasil se vem pretendendo dar resposta ao denominado crime de colarinho branco.

  6. 3. Os fundamentos da decisão recorrida.

    Se bem interpretamos o que ouvimos - pois que a decisão recorrida foi ditada para acta, numa linguagem absolutamente coloquial, feita de diálogo, interpelação e interrupção, com avanços e recuos – cremos que assenta no seguinte raciocínio: o desconto não está previsto na lei, devendo interpretar-se a expressão repetição do prestado, constante do artigo 282.º/4 C P Penal – a usualmente invocada para defender a tese contrária - em termos de direito civil e, mais concretamente do instituto do enriquecimento sem causa e, assim, directamente relacionada com prestações pecuniárias, no entanto, procede-se ao desconto, por razões de justiça material, pois que, apesar da natureza jurídica diversa entre a injunção e a pena acessória - sendo certo que o comportamento é o mesmo, o efeito prático é o mesmo – até porque, apesar da natureza jurídica diversa a propósito das medidas de coacção e do cumprimento da pena, também, o legislador estabelece no artigo 80.º C Penal a mesma regra do desconto do período vg, da prisão preventiva em sede de cumprimento da pena, além de que, de outra forma, estar-se-ia a punir 2 vezes a mesma conduta, o que importa violação do princípo constitucionalmente consagrado, no artigo 29.º/5 da CRP, do “ne bis in idem”.

    Esta argumentação, curiosamente, toda ela, podendo ser aposta ao caso retratado no AFJ 3/2009 do STJ, esbarra frontal e irremediavelmente, com a fundamentação aí aduzida para se ter decidido que, “não há lugar, em processo tutelar educativo, ao desconto do tempo de permanência do menor em centro educativo, quando, sujeito a tal medida cautelar, vem, posteriormente, a ser -lhe aplicada a medida tutelar de internamento”.

    Coincidentemente, pouco tempo depois, o mesmo tribunal, chamado a pronunciar-se sobre nova questão atinente com a questão do desconto, no cumprimento da pena, veio através do AFJ 10/2009 a fixar jurisprudência, no sentido de que, “nos termos do artigo 80.º/1 C Penal, não é de descontar o período de detenção a que o arguido foi submetido, ao abrigo ds artigos 116.º/2 e 332.º/8 C P Penal, por ter faltado à audiência de julgamento, para a qual havia sido regularmente notificado e a que, injustificadamente, faltou”.

  7. 4. Como se refere no acórdão deste tribunal de 13.4.2016, in site da dgsi, com cuja fundamentação, com a devida vénia não podemos deixar de concordar, “há que reconhecer que a solução da decisão recorrida e da linha jurisprudencial que a suporta contém reflexões jurídicas interessantes para uma opção de política legislativa justificável – de jure constituindo, importando, no entanto, como é, de resto suposto, decidir a questão controvertida à luz do direito constituído - de jure constituto”.

    Assim, atentemos nas regras da interpretação das normas jurídicas.

    Em termos de regras de interpretação, dispõe o artigo 9º/1 C Civil, que “a interpretação não deve cingir-se à letra da lei, mas...

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