Acórdão nº 3020/04.2TBVNG.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 14 de Março de 2016
Magistrado Responsável | JOS |
Data da Resolução | 14 de Março de 2016 |
Emissor | Court of Appeal of Porto (Portugal) |
Sumário (da responsabilidade do relator): 1 – Se o autor, em nova ação, fundamenta as suas pretensões na promessa constante de uma transação judicial e não no anterior contrato-promessa, causa de pedir na ação onde essa transação foi celebrada, mesmo que haja identidade de pedidos e de sujeitos, não ocorre a exceção de caso julgado. 2 – A estipulação de uma cláusula indemnizatória na promessa (constante da transação) exclui a execução específica. 3 – Se a tradição da coisa ocorreu em razão do contrato-promessa inicial e não do contrato constante da transação, contrato este que é causa de pedir desta ação, não pode reconhecer-se ao beneficiário desta promessa qualquer direito de retenção. 4 – Quer o direito de retenção quer a indemnização decorrente do aumento do valor da coisa ao tempo do incumprimento pressupõem a existência de sinal.
Processo n.º 3020/04.2TBVNG.P1 Recorrente – B… Recorrida – C…, Lda.
Relator: José Eusébio Almeida; Adjuntos: Carlos Gil e Carlos Querido.
Acordam na Secção Cível do Tribunal da Relação do Porto: 1 - Relatório 1.1 – Os autos na 1.ª instância: Em 29 de março de 2004, B… intentou a presente ação declarativa contra a C…, pedindo o seguinte: A) Seja executada especificamente a promessa de venda constante da cláusula primeira do termo de transação lavrado em 1.06.2001, homologado por sentença datada de 6.06.2001 e transitada em julgado, proferindo-se sentença que produza os efeitos do contrato prometido e segundo o qual o autor é dono das frações autónomas designadas pelas letras U, S, P, AC, AE, B, AB e Z do prédio em regime de propriedade horizontal sito na rua …, .., e rua sem denominação oficial, 45, da freguesia …, ainda omisso na matriz e descrito na 1.ª Conservatória do Registo Predial de Vila Nova de Gaia sob o n.º 1468/270197; B) Subsidiariamente, ser executada especificamente a promessa de permuta constante da cláusula primeira do termo de transação lavrado em 1.06.02, nos mesmos termos do referido para o pedido feito na alínea A) anterior; C) A ré condenada a entregar ao autor o montante do débito garantido por hipoteca e que incide sobre as oito frações identificadas na alínea A), no montante de 511.755,65€ (ou outro valor que seja o montante certo desse débito), acrescida dos respetivos juros legais, vencidos e vincendos, a calcular oportunamente e até integral pagamento, a liquidar em execução de sentença; D) A ré condenada a reconhecer que o autor tem a tradição das oito frações desde o mês de março de 2001, pelo que goza do direito de retenção sobre essas oito frações até integral ressarcimento pela ré da indemnização a que o autor tem direito.
E) Em alternativa ao pedido principal, a ré condenada a pagar ao autor a título de indemnização o valor das oito frações à data do não cumprimento da promessa de venda (ou permuta) no montante de 897.836,22€.
Fundamentando a sua pretensão, o autor invocou, ora em síntese, que, depois do autor e sua mulher terem declarado vender à ré determinado terreno, esta, na mesma ocasião (20.01.1997) prometeu vender-lhe, pelo preço de 72.000.000$00, oito frações autónomas de um edifício que ia construir no terreno, sendo que o preço da compra da frações e o preço da venda do terreno eram equivalentes e, por isso, não houve entrega de qualquer quantia. Após a construção do prédio, estando a ré em mora quanto à celebração do contrato prometido, o autor intentou ação requerendo a execução específica do contrato que correu termos com o n.º 359/01, na qual foi celebrado termo de transação, homologado por sentença de 6.06.2001, nos termos da qual a ré se obrigou a transmitir para o autor as oito frações, devendo a escritura pública ser outorgada até 1.11.2001, quanto a uma das frações, e quanto às outras sete até 2.03.2002, livres de ónus e encargos, obrigação que a ré não cumpriu, não obstante ter vendido as demais frações do prédio. O autor, por isso, tem direito a obter a execução específica desta nova promessa de venda (ou de permuta), constante da transação. Acrescenta o autor que sobre as oito frações incide um encargo hipotecário de, pelo menos, 102.600.000$00 (equivalente a 511.766,65€), assistindo-lhe o direito de obter da ré essa quantia, para expurgar as hipotecas. Finalmente, refere que tem a posse das frações, desde março de 2001, gozando do direito de retenção e a faculdade de, em alternativa à execução específica, obter da ré o valor delas à data do incumprimento da cláusula 1.ª da transação (nos termos do art. 442, n.º 2, 2.ª parte, do CC), valor esse que é pelo menos de 897.836,22€, que deduzido do preço (359.134,49€) e acrescido do sinal (o referido montante de 359.134,49€), lhe confere o direito à indemnização de 897.836,22.
Juntos diversos documentos, a ré veio contestar a 13.05.2004 (fls. 75 e ss.) e o autor replicou (fls. 212 e s.). Porém, depois de a ré não haver pago a pertinente taxa de justiça, por despacho de fls. 246 (16.06.2015) foi ordenado o desentranhamento da contestação.
Entretanto, foi ordenada a junção de diversos documentos e (fls. 281, a 23.03.2006) foi pedida certidão da decisão que declarou a insolvência da ré. Após, face à declaração de insolvência da ré (por decisão proferida nos autos 104/05.3TYVNG do 2.º juízo do Tribunal de Comércio de Vila Nova de Gaia, transitada em julgado), foi notificado o Sr. Administrador da Insolvência, com as formalidades da citação, para os termos da presente ação e para informar se iria requerer a apensação destes autos ao processo de insolvência. Nada tendo sido dito pelo Sr. Administrador da Insolvência, foi solicitado ao processo de insolvência informação sobre se interessava a apensação desta ação àquele processo (despacho de 20.11.2006, a fls. 311), o que, depois do envio desnecessário de várias certidões da insolvência, foi respondido negativamente (fls. 358), em ofício que foi notificado às partes em 28.11.2007. Em novembro de 2008 abriu-se mão dos autos, em razão do Sr. Administrador da Insolvência ter vindo requerer a sua consulta “para averiguar se há interesse na sua apensação aos autos de insolvência”. Nada mais tendo sido dito, foi ordenada a conclusão dos autos (por ordem verbal), em 19.12.2014. Na sequência desta conclusão, foi proferida a sentença de fls. 386 e ss., que assim decidiu: “1) Considero verificada a exceção de caso julgado quanto aos pedidos de condenação da Ré o montante do débito garantido por hipoteca, e respetivos juros, de reconhecimento de direito de retenção sobre as oito frações supra identificadas e de condenação da Ré no pagamento da indemnização equivalente ao valor das oito frações, no montante de €897 836,22, formulados em C), D) e E) da conclusão do petitório e absolvo a Ré da instância quanto a tais pedidos; 2) Julgo improcedentes os pedidos de execução específica formulados pelo Autor em A) e B) do petitório e absolvo a Ré desses pedidos.
” 1.2 – Do recurso: Inconformado com a decisão que, embora por razões distintas, não atendeu a qualquer das suas pretensões, veio o autor apelar e, pretendendo a reversão do decidido, formula as seguintes Conclusões: I – Dos pedidos de execução específica formulados em A) e B) da petição inicial[1]: 1 - Nada impede a execução específica da cláusula primeira da transação com fundamento no artigo 830 do CC.
2 - Com efeito, a ré obrigou-se a transmitir para o autor por escritura pública as oito frações referidas, devendo a escritura pública ser outorgada até 01/11/2001, quanto à fração “P”, e as outras sete frações até 02/03/2002, livres de ónus e encargos.
3 - Ora, a ré não cumpriu a cláusula primeira, nem nenhuma das outras cláusulas da transação, não obstante ter vendido as demais frações do prédio.
4 - O autor entendeu que este incumprimento da ré lhe conferia o direito de obter a execução específica da cláusula primeira e introduziu em juízo a presente ação judicial.
5 - Alega a Senhora Juíza que, “- A transação não configura um contrato promessa de compra e venda, como do seu teor se deduz, pois, assumindo a transação judicial natureza formal, nos negócios formais não pode a declaração valer com um sentido que não tenha um mínimo de correspondência no texto do respetivo documento, ainda que imperfeitamente expresso, nos termos do artigo 238 do Código Civil”; “- Não estamos perante um contrato promessa, mas sim perante uma obrigação de facere, de produzir uma manifestação de vontade no sentido de transmitir para o Autor as frações nela referidas”; “- O Código Civil apenas prevê a execução específica da obrigação de contratar no âmbito do contrato promessa”; “-Não é de admitir a execução específica quando se trate de obrigações provenientes não de um contrato promessa, mas de uma transação judicial”.
6 - Não concordamos com a posição tomada na sentença.
7 - Se é certo que no pedido formulado se refere “promessa de venda e promessa de permuta da cláusula primeira do termo de transação”, também é certo que no artigo 23.º da petição refere o autor que “a R. não cumpriu até hoje a sua obrigação de transmitir para o A. por escritura pública as frações autónomas designadas na cláusula primeira do termo de transação, ficando em mora”.
8 - Ou seja, a ré não cumpriu com a sua obrigação de contratar, de transmitir por escritura pública para o autor as frações referidas.
9 - A cláusula primeira da transação judicial constitui uma nova promessa de venda, uma nova obrigação, consubstanciando uma novação do contrato celebrado em 20/01/97, que é uma forma de extinção das obrigações.
10 - Ou seja, aquilo a que o autor designa promessa de venda ou de permuta foi uma forma imperfeita de querer dizer que a ré assumiu perante o autor uma obrigação de contratar, de transmitir por escritura pública as frações referidas.
11 - Como não cumpriu essa obrigação, o autor deitou mão do disposto no artigo 830 do CC, único meio legal de por sentença serem transmitidas para o autor as frações autónomas e assim dar cumprimento à cláusula primeira do contrato.
12 - É certo que na transação estabeleceu-se a...
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