Acórdão nº 90/14.9TYVNG.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 15 de Setembro de 2016

Magistrado ResponsávelFILIPE CARO
Data da Resolução15 de Setembro de 2016
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Proc. nº 90/14.9TYVNG.P1 (apelação) Comarca do Porto – V. N. Gaia - Inst. Central – 2ª Secção Comércio Relator: Filipe Caroço Adj. Desemb. Judite Pires Adj. Desemb. Aristides de Almeida Acordam no Tribunal da Relação do PortoI.

Neste processo especial de revitalização[1] requerido pela sociedade B…, Lda., em que foi nomeado Administrador Judicial Provisório[2] o Sr. Dr. C…, os autos seguiram a sua tramitação, com elaboração de um plano de recuperação que foi aprovado pelos credores. Tal plano foi homologado por sentença que transitou em julgado.

Nessa sequência, o AJP requereu que fosse fixada a sua remuneração (fl.s 466 e 467) e a Ex.ma Juiz fixou-a pelo despacho de fl.s 485 na quantia de € 2.000,00, determinando também o reembolso das despesas apresentadas.

A conta de custas foi elaborada no dia 21.10.2015 e, por requerimento de 5.2.2016, o AJP requereu que lhe fosse efetuado o pagamento pelo IGFEJ, I.P. referente à remuneração e despesas que considerou serem-lhe devidas pelo exercício das suas funções no processo.

Por despacho de 9.3.2016, ordenou-se que se efectuasse tal pagamento, conforme requerido.

Veio então o AJP invocar a sua qualidade de sócio da sociedade C1… – Sociedade de Administradores da Insolvência, Unipessoal, Lda. e requerer a admissão de fatura a emitir pela referida sociedade, informando sobre o respectivo NIPC, o NIB, o IBAN e a categoria de rendimentos para efeitos fiscais.

O Ministério Público opôs-se a que o pagamento dos serviços prestados pelo AJP fosse efectuado àquela sociedade, no essencial, por ser pessoa diferente da que foi nomeada e prestou os serviços forenses a remunerar.

Por despacho subsequente, a Ex.ma Juiz entendeu que, por a indicação da qualidade de sócio da sociedade em causa constar da lista oficial, conforme art.º 6º, nº 1 e nº 2 da Lei nº 22/2013, de 26 de fevereiro, e considerando o que resulta do Decreto-lei nº 54/2004, de 18 de março, não há qualquer obstáculo à emissão da nota nos termos requeridos, tendo deferido o requerido.

Inconformado, apelou o Ministério Público formulando a seguinte conclusões: «1.º No atual regime legal resultante da conjugação do CIRE e do EAJ apenas são passíveis de ser nomeados como administradores judiciais pessoas singulares que tenham cumprido os requisitos de admissão especificados no EAJ e que se encontrem inscritos na lista da comarca para cujos processos de insolvência ou revitalização pretendam ser nomeados.

  1. A despeito de existirem normas avulsas que preveem a possibilidade de os administradores judiciais se agregarem em sociedades civis sob a forma comercial cujo objeto exclusivo consista no exercício das funções de administrador da insolvência, a nomeação circunscrita a pessoas singulares inscritas nas listas e a pessoalidade do exercício das mesmas funções associada à ausência de normas legais que definam qualquer competência ou ato passível de ser exercido no âmbito dos processos do CIRE por sociedades de administradores, inviabiliza o exercício do objeto de sociedades daquela natureza, sendo este um exemplo típico, da previsão do artigo 6.º do CSC, em que a capacidade da sociedade não compreende os direitos e as obrigações necessários ou convenientes à prossecução do seu fim, pois os únicos que se integrariam nesse fim reportam-se à prática de atos que lhe são vedados por lei e inseparáveis da personalidade singular dos seus sócios.

  2. Na verdade a nomeação do administrador judicial é da competência exclusiva do juiz, a partir das listas organizadas por cada comarca, listas essas que apenas possuem a indicação de pessoas singulares.

  3. Além de as nomeações serem verdadeiramente intuitu personae, o administrador judicial tem de exercer pessoalmente as funções, como resulta do artigo 55.º do CIRE, apenas podendo substabelecer a prática de certos atos noutra pessoa singular também ela administradora da insolvência e inscrita nas listas respetivas.

  4. Por efeito da nomeação como administrador judicial, o respetivo colaborador na administração da justiça fica intitulado ao recebimento de honorários e ao ressarcimento de despesas, como contrapartida do desempenho funcional no processo.

  5. Salvo exceções contadas, como a do artigo 32.º do CIRE ou as relativas ao custo de um plano de insolvência, não incumbe ao juiz, nem às partes, muito menos ao administrador judicial, definir as circunstâncias quantitativas ou qualitativas nas quais irá decorrer a sua remuneração, quer por existirem normas expressas que fixam remunerações fixas e variáveis em função da obtenção de determinados objetivos, quer por se tratar de uma relação estranha ao princípio da liberdade contratual.

  6. No contexto de um processo especial de revitalização no qual o juiz nomeou determinado administrador judicial provisório e lhe fixou remuneração e despesas no total de € 2.513,15, valor inserido como encargo em conta de custas no qual o mesmo administrador surge identificado para efeitos fiscais como pessoa singular sujeita a IRS com retenção na fonte, sem que tenha ocorrido impugnação alguma quer do despacho, quer da conta, existe caso julgado quanto ao montante e destinatário do pagamento, traduzindo sua violação um subsequente despacho judicial que defira o pagamento a uma sociedade de administradores judiciais.

  7. Ora, atribuindo este despacho um novo direito a uma sociedade – dotada de autonomia, por ser outra pessoa jurídica – não só não extingue o direito subjetivo resultante do despacho que fixou a remuneração ao concreto administrador judicial nomeado e posteriormente consolidado na referida conta de custas, como duplica as responsabilidades patrimoniais a cargo do IGFEJ, pois que a satisfação da nota de honorários a favor de uma sociedade que não é o administrador judicial no processo em que são devidos não é pagamento liberatório e encontra-se irregularmente realizado à luz do disposto nos artigos 762.º, 769.º, 787.º e até 813.º do Código Civil.

  8. A assunção por um administrador judicial de um número de identificação fiscal identificativo de uma entidade diversa da sua pessoa, no caso, o NIPC de uma sociedade civil em forma comercial de que é sócio, para efeitos de solicitar que em nome desta seja “faturado” um pagamento que, na realidade, a si como pessoa singular é devido, estando em causa dinheiros públicos tutelados pelo Ministério da Justiça, além de ilegal, atenta contra os “princípios da autenticidade, veracidade, univocidade e segurança dos dados identificadores dos contribuintes” (artigo 1.º, n.º 2 do Decreto-Lei n.º 14/2013 de 28/01), ao mesmo tempo que poderá aproximar-se da conceitualização presentemente definida para crimes de uso de documento falso, de recebimento indevido de vantagem ou de fraude fiscal.

  9. Tal atitude é também idónea a configurar simulação relativa (artigo 241.º CC), na medida em que, efetivamente, o requerente vem pedir ao tribunal que pague os honorários que a si são devidos, mas através de uma dissimulação de que é promotor e que consiste na interposição de uma entidade jurídica terceira que vai desvirtuar o sinalagma existente entre prestador e beneficiário do serviço apenas no específico detalhe de quem fiscalmente aparenta ser o destinatário do pagamento, não podendo servir os atos decisórios dos tribunais como instrumento que valide pretensões ilícitas (vide artigo 612.º do CPC), o que explica a irrazoabilidade do despacho do qual se recorre.

  10. O despacho do qual se recorre, proferido após a decisão final que aos autos competia não traduz mera aplicação de poderes discricionários ou despacho de mero expediente na medida em que, contrariando – e revogando mesmo – anterior decisão transitada em julgado que se pronunciou em sentido diverso, criou, de forma inovadora e contra legem, uma nova relação jurídica entre o Estado – na pessoa do organismo responsável pela gestão financeira e patrimonial do Ministério da Justiça – e uma entidade incorpórea que não teve qualquer intervenção no âmbito de qualquer processo, mormente neste e que se vê enriquecida sem causa por ter passado a deter, unilateralmente, um crédito sobre o Estado que não é, na sua génese, natureza ou quantitativo, o que o Estado legitimamente devia – e esperava – pagar a uma outra pessoa física, singular, que efetivamente convocou para o exercício de atividades no âmbito da administração da justiça.

  11. Pelos motivos sobejamente expostos na motivação que antecede, o despacho de que se recorre violou ampla lista de normativos legais, sendo os mais flagrantes os artigos 17.º-F, n.º 6 e n.º 7; 32.º, n.º 1 e 3; 55.º e 60.º, n.º 1, todos do CIRE; 23.º, n.º 1 e n.º 2; 27.º e 30.º estes do EAJ; 3.º, n.º 1, 16.º, n.º 1, alínea a) e 31.º do RCP; 612.º, 620.º e 621.º, todos do CPC; artigo 1.º, n.º 2 do Decreto-Lei n.º 14/2013 de 28/01; 241.º, 762.º, 769.º, 787.º e até 813.º e 1167.º, alínea b), do Código Civil.» (sic) Pugna, assim, no sentido da revogação do despacho recorrido e da repristinação dos efeitos de um despacho anterior, transitado em julgado, que --- entende o recorrente --- reconhecera já ao verdadeiro administrador judicial provisório nomeado o direito à remuneração contrapartida da sua actividade processual.

O AJP respondeu em contra-alegações, ali tendo formulado as seguintes conclusões: «

  1. O Código da Insolvência e da Recuperação das Empresas (CIRE), em matéria de recursos, na ausência de regulamentação específica remete para a aplicação subsidiária do Código de Processo Civil, em tudo o que não contrarie a legislação falimentar, não existindo norma expressa para o recurso interposto no caso dos presentes autos, devendo socorrer-se das disposições previstas, nesta matéria, no Código de Processo Civil, quanto à admissibilidade do presente Recurso de Apelação.

  2. É primordial na garantia da justiça que as partes disponham da faculdade de interpor Recurso para um órgão imparcial, independente e superior ao conflito. Porém, em determinados casos recusa-se esse remédio: a) ou por se considerar que a questão é de escasso valor, b) ou...

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