Acórdão nº 257/14.0IDAVR.P2 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 10 de Janeiro de 2018

Magistrado ResponsávelMANUEL SOARES
Data da Resolução10 de Janeiro de 2018
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Processo nº 257/14.OIDAVR.P2 Comarca de Aveiro 1ª Secção do Juízo Local Criminal de Santa Maria da Feira Acórdão deliberado em Conferência 1. Relatório 1.1. Sentença recorrida Por sentença proferida em 16 de Maio de 2017, foram os arguidos B... e “C..., Lda.”, condenados por um crime de abuso de confiança fiscal, previsto no artigo 105º nºs 1, 2, 4 e 5 do Regime Geral das Infracções Tributárias (RGIT), o primeiro na pena de 12 meses de prisão, com execução suspensa por 5 anos, sob condição entregar a Estado o montante de €11.591,58, em quantia mensal não inferior a €50,00, e a segunda na pena de 200 dias de multa, à taxa diária de €10,00.

1.2 Recurso 1.2.1.

O arguido B... recorreu da sentença, pedindo a título principal a sua revogação e a consequente absolvição do crime e a título subsidiário a sua modificação, com a redução do montante que condiciona a suspensão da pena para €3.000 euros.

Concluiu a motivação do recurso invocando o seguinte (resumo nosso): - Há erro notório na apreciação da prova e contradição insanável entre a fundamentação e a decisão, na medida em que o tribunal deu como não provado que a decisão do arguido, de não entregar o IVA ao Estado correspondente ao 4º trimestre de 2013, foi tomada em Dezembro de 2012, com base na confissão integral e sem reservas dos factos pelo arguido, o que é contraditório e notoriamente errado, visto que entre esses factos que o arguido confessou constava precisamente aquele facto dado como não provado.

- Há também insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, ou nulidade da sentença por omissão de pronúncia, caso se entenda ser essa a qualificação mais correcta do vício, porque o tribunal não deu como provada a data em que o arguido tomou a decisão de não entregar o IVA ao Estado, o que é relevante para a decisão.

- Há ainda nulidade da sentença por omissão de pronúncia, na parte em que se dá como provado que a razão da retenção do IVA foi a necessidade de pagar salários aos trabalhadores, mas não analisou se tal circunstância permite ou não excluir a ilicitude do facto.

- Se não for considerado erro notório, há erro de julgamento da matéria de facto, por não se ter dado como provado o facto que o arguido confessou integralmente e sem reservas.

- Ficando provado que a decisão do arguido não entregar o IVA ao Estado foi tomada em Dezembro de 2012, como resulta do ponto 24 dos factos provados, há violação do princípio ne bis in idem, por o arguido já ter sido julgado pelo mesmo facto.

- O arguido deve ser absolvido porque decorre dos factos provados 7 e 24 que actuou numa situação de conflito de deveres que exclui a ilicitude.

- O condicionamento da suspensão da execução da pena de prisão a pagamento não deve ultrapassar os €3.000, visto que resulta da própria sentença ser esse o limite máximo que o arguido pode pagar.

1.2.2.

O Ministério Público respondeu ao recurso, defendendo a sua improcedência, fundamentalmente pelas seguintes razões: - Não há erro notório na apreciação da prova nem contradição insanável entre a fundamentação e a decisão, uma vez que o tribunal atendeu à prova documental para considerar não provado o momento da decisão de não entregar o IVA ao Estado declarado pelo arguido, de onde resulta que essa confissão não foi integral e sem reservas.

- Não há insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, porque o apuramento da data da resolução criminosa só tinha relevância autónoma para a verificação da excepção de caso julgado, sendo irrelevante para o preenchimento do tipo. De todo o modo, dos factos provados resulta que essa resolução foi tomada no momento em que o arguido não entregou o IVA.

- Logo, a condenação do arguido não viola o caso julgado.

- Não há exclusão de ilicitude por conflito entre o dever de pagar impostos e o de pagar os salários dos trabalhadores, dado que o dever sacrificado é de maior relevância jurídica em relação ao dever observado: o dever de pagar impostos é de ordem pública e tem tutela penal; o dever de pagar salários é de ordem privada e tem apenas tutela civil.

- O condicionamento da suspensão da pena ao pagamento da indemnização tem de ser no valor em divida e não pode ser em valor inferior.

1.2.3 Na Relação o Ministério Público emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso, remetendo para as alegações do Ministério Público no tribunal recorrido.

  1. Questões a decidir no recurso As questões a que temos de dar resposta no recurso são as seguintes: (1) Há erro notório na apreciação da prova e contradição insanável entre a fundamentação e a decisão? (2) Há insuficiência para a decisão da matéria de facto provada ou nulidade da sentença por omissão de pronúncia, por falta de apuramento da data da resolução criminosa? (3) Há nulidade da sentença por omissão de pronúncia, por falta de decisão sobre a existência de causa de exclusão da ilicitude? (4) Há erro de julgamento da matéria de facto? (5) A condenação viola o princípio ne bis in idem? (6) O condicionamento da suspensão da execução da pena de prisão ao pagamento do valor em dívida ao Estado viola a lei? 3. Fundamentação 3.1. Matéria de facto considerada provada (transcrição da sentença) 1. A arguida C..., Lda., com o N.I.P.C. ........., era sujeito passivo de I.V.A. enquadrado no regime normal de periodicidade trimestral, estando registada para o exercício da actividade de “fabricação de componentes para calçado”, com o CAE ......

  2. Esta empresa tem como sócio - gerente o ora arguido B..., ficando a sociedade obrigada com a assinatura do gerente.

  3. Assim, desde 27/02/2012, a gerência da sociedade arguida sempre esteve a cargo do gerente B..., competindo – lhe todos os actos de gestão e direcção da vida comercial da sociedade, decidindo da afectação dos respectivos recursos financeiros ao cumprimento das obrigações correntes, designadamente ao pagamento dos salários dos trabalhadores e dos débitos aos fornecedores, bem como ao apuramento e pagamento dos respectivos impostos, designadamente IVA, IRS, IRC, etc.

  4. Nessa qualidade o arguido decidiu não entregar ao Estado/Serviços de Administração do IVA as quantias que a sociedade deveria pagar a título do referido imposto, sendo que a quantia a pagar resulta da diferença entre a totalidade das quantias que os clientes pagavam ao arguido, enquanto legal representante, a título de IVA e aquilo que ele suportava a título do referido imposto nas aquisições.

  5. O arguido, com o objectivo de atingir um benefício económico indevido, liquidou e recebeu o Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA) proveniente das transacções comerciais da sociedade que representava, não entregando à Fazenda Nacional as quantias que liquidou e recebeu a título de IVA, ao qual estava obrigado, relativas às facturas que emitiu em nome da sociedade arguida.

  6. O arguido liquidou, recebeu e não entregou ao Estado o IVA, no valor de 13.711,19€ (treze mil, setecentos e onze euros e dezanove cêntimos), referente ao 4º trimestre de 2013.

  7. O arguido na qualidade de sócio gerente da sociedade C..., Lda.

    enviou as respectivas declarações periódicas de IVA, sem os meios de pagamento, estando o arguido obrigado a entregar as quantias devidas aos Serviços de Administração do IVA, não entregou no prazo estabelecido para o período a que respeita, nem nos noventa dias seguintes ou em momento ulterior, apesar de notificado pessoalmente e enquanto legal representante da sociedade, utilizando antes as quantias em causa no interesse da sociedade para satisfação das suas despesas e obrigações necessárias ao seu funcionamento, designadamente pagamento de salários aos trabalhadores.

  8. Em consequência de tal conduta, os arguidos, obtiveram a seguinte vantagem patrimonial: - O valor de 13.711,19€ (treze mil, setecentos e onze euros e dezanove cêntimos), correspondente ao valor liquidado, recebido e não entregue nos cofres do Estado, referente ao I.V.A. supra descrito.

  9. Pelo exposto, através da conduta dos arguidos, o Estado Português sofreu um prejuízo patrimonial de igual montante.

  10. Atento o factualismo descrito, agiu o arguido como legal representante da sociedade C..., Lda. de forma livre, deliberada e consciente, bem sabendo que a sua conduta era idónea a fazer diminuir as receitas do Estado em termos de I.V.A., pois sabia que estava obrigado a entregar à Fazenda Nacional as quantias que liquidou e recebeu a título de I.V.A., relativas às facturas emitidas pela sociedade arguida, mas não obstante isso, integrou tais quantias no património da sociedade.

  11. O arguido sabia que a sua conduta era proibida e criminalmente punível.

  12. A sociedade arguida foi declarada insolvente por sentença datada de 04.09.2015, transitada em julgado em 05.10.2015.

  13. A sociedade arguida não tem antecedentes criminais.

  14. O arguido B... foi condenado por sentença transitada em julgado em 26.11.2009, pela prática em 2004 de um crime de fraude fiscal na pena de multa de 160 dias à taxa diária de 6,00€.

  15. O arguido B... foi condenado por sentença transitada em julgado em 14.11.2012, pela prática em 14.12.2011 de um crime de abuso de confiança fiscal na pena de multa de 100 dias à taxa diária de 6,00€.

  16. O arguido B... foi condenado por sentença transitada em julgado em 05.01.2015, pela prática em 15.05.2012 de um crime de abuso de confiança fiscal na pena de 1 ano de prisão suspensa por igual período com a obrigação de efectuar o pagamento das quantias em dívida.

  17. O arguido B... foi condenado por sentença transitada em julgado em 20.05.2014, pela prática em 11.2011 de um crime de abuso de confiança fiscal na pena de 9 meses de prisão substituída por 270 horas de trabalho.

  18. O arguido B... foi condenado no processo 390/2013.5idavr por sentença transitada em julgado em 13.04.2015, pela prática em 2013 de um crime de abuso de confiança fiscal (referente ao IVA relativo ao 1º trimestre de 2013) na pena de 7 meses de prisão suspensa por 1 ano.

  19. O arguido tem 54 anos, trabalha desde os 13 anos de idade, no ramo de calçado, como operário fabril, até aos...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT