Acórdão nº 406/15.0GAVFR-A.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 21 de Fevereiro de 2018

Magistrado ResponsávelELSA PAIX
Data da Resolução21 de Fevereiro de 2018
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Proc. nº 406/15.0GAVFR Juízo Local Criminal de Santa Maria da Feira - Juiz 1 do Tribunal Judicial da Comarca de Aveiro Acordam, em Conferência, os Juízes desta 2ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto: I.

Relatório Nos autos de processo comum com intervenção de tribunal singular nº 406/15.0GAVFR, do Juízo Local Criminal de Santa Maria da Feira - Juiz 1 do Tribunal Judicial da Comarca de Aveiro, a arguida B..., com os demais sinais dos autos, deduziu incidente de recusa da Ex.ma Senhora Juíza titular dos autos, através do requerimento junto aos autos, com os seguintes fundamentos: (transcrição) 1. Os presentes autos encerram matéria em que nos mesmos se discute a alegada prática, pela Arguida, ora Requerente, de dois crimes de violência doméstica em concurso aparente com dois crimes de maus tratos; 2. À luz do art.° 43.° n.° 1 do CPP, a intervenção de um juiz no processo pode ser recusada quando correr o risco de ser considerada suspeita, por existir motivo, sério e justo, adequado a gerar desconfiança sobre a sua imparcialidade; 3. A norma do art.° 43.° do CPP "acolhe o princípio de que é dever do juiz evitar a todo o preço quaisquer circunstâncias que possam perturbar uma atmosfera de pura objetividade e incondicional juridicidade, não enquanto tais circunstâncias possam fazer perder a imparcialidade, mas logo, e essencialmente, enquanto possam criar nos outros a convicção de que a perdeu.

4. O juiz, como forma de assegurar a igualdade dos cidadãos perante a lei — art.° 13.° da CRP — deve esforçar-se por se manter alheio e acima das influências exteriores; a independência do juiz é sobretudo uma responsabilidade que terá a dimensão ou a densidade da sua fortaleza de ânimo, carácter e personalidade, de tal modo que quando a imparcialidade do juiz ou a confiança do público nessa imparcialidade está posta em causa, a administração da justiça e, então, o juiz, é um juiz inabilitis; 5. Daí que ao "homem médio", face ao acervo de factos que sejam expostos, valorados objetivamente, interpretando o sentimento reinante na comunidade, responderá (ou não) positivamente sobre se ocorre motivo grave e sério capaz de pôr em crise o valor fundamental da imparcialidade, objetividade e independência na função de julgar; 6. Se é certo que, os princípios basilares do sistema jurídico assentam numa justiça que se crê “cega” no sentido de não olhar a nome ou identidade, entre outras características dos seus intervenientes; 7. Certo também é que é a mesma exercida por Homens e Mulheres, constituídos por conhecimentos, experiência comum, mas também por sentimentos, que, no presente, são de mal-estar, incómodo e antipatia latentes, que, inevitavelmente, decorrentes da condição humana do julgador, condicionam a sua liberdade de pensamento, a formação da sua convicção, porque inevitavelmente há um juízo pré-concebido; 8. Circunstância essa que nos transporta, desde já, para um dos factos que, no entender da Arguida, justificam o presente incidente; 9. Na verdade, no decorrer da audiência de julgamento do dia 25 de janeiro de 2018, no momento em que a M.a Juiz que se pretende recusada, após breve inquirição à testemunha C... sobre a possibilidade da saída da Arguida durante o seu depoimento e quando se preparava para, sem permitir o contraditório, proferir despacho a determinar a saída da arguida, foi interpelada para tanto pela Defesa, tendo sido este o desenrolar dos factos: Tribunal em 00:05:05 "E de alguma forma sente-se inibida de estarem pessoas presentes a assistir a esta audiência de julgamento?" Testemunha em 00:05:12 "Acho que só mesmo em relação à..." Tribunal em 00:05:14 "à D. B... certo?" Tribunal em 00:05:20 "Então, pode fazer constar o despacho" Defensor em 00:05:22 "A defesa quer-se pronunciar relativamente a esta matéria Tribunal em 00:05:30 "Primeiro vou dar o meu despacho" Defensor em 00:05:34 "Eu acho que primeiro tem que dar o contraditório Tribunal em 00:05:35 "Não, não Senhor Dr ainda não houve despacho nenhum" Defensor em 00:05:39 "Se a Senhora Dra. se vai pronunciar quanto à questão da (...)" Tribunal em 00:05:42 'Eu estava a falar, se faz favor vamos ter calma e cada um fala na sua vez. Eu estou a questionar a testemunha, vou dar o meu despacho e depois cada uma das pessoas pronuncia- se quanto a isto" Defensor em 00:05:56 "Senhora Dra,..." Tribunal em 00:06:00 "Não neste momento... aqui não há nada. O senhor vai-se pronunciar sobre quê? Sobre o que a testemunha esta a dizer?" Defensor em 00:06:08 "A única questão que a defesa quer colocar ao Tribunal é no sentido de saber se o despacho que a Senhora Dra vai proferir tem haver com a retirada da arguida da sala de audiência relativamente e enquanto a testemunha estiver a prestar declarações, porque se for esse o despacho que a senhora dra estiver na iminência de se pronunciar a defesa quer pronunciar-se antes do despacho" Tribunal em 00:06:35 'Não, senhor dr.. O Senhor Dr. Só vai saber o meu despacho depois de eu o proferir e depois pronuncia-se sobre ele" Defensor em 00:06:37 "Eu..." Tribunal em 00:06:38 "Eu não vou anunciar já o que é que vou despachar. O Senhor Dr. Ouve o despacho e depois Defensor em 00:06:44 "Eu coloquei uma questão ao Tribunal no sentido de saber se o despacho que a Senhora Dra vai proferir neste momento tem haver com a retirada da arguida..." Tribunal em 00:06:49 "Vai ouvir Senhor Dr" Defensor em 00:06:52 "Muito bem" tudo conforme suporte de áudio que se protesta juntar em virtude da impossibilidade técnica de o fazer através da plataforma CITIUS, para melhor compreensão; 10. Diga-se, inclusive, que a M.

a Juiz que se pretende recusada, apesar de, de forma visivelmente intranquila, se ter pronunciado nos referidos termos, acabou por "emendar a mão", não deixando contudo de transparecer que não ficou satisfeita por ter sido, através do seu Mandatário, alertada para o exercício, por parte da Arguida, de um direito (contraditório) que lhe parece normal, líquido, atenta a matéria em causa; 11. Aliás, comportamento esse que, no entender da Arguida, transparece igualmente da postura do próprio M.° P.° quando, nessa mesma audiência de 25 de janeiro de 2018, promove, quando para tanto interpelado para se pronunciar para efeitos do art.° 352.° do CPP, que "entendemos que a aplicação do art.º 35'2o, n° 1, alínea a) CPP se enquadra nos poderes de disciplina e direção da audiência que são da competência do Presidente e, como tal a Presidente desta audiência não tem de pedir licença aos demais sujeitos processuais para se pronunciar sobre algo que é da sua competência e, se os sujeitos processuais não concordam devem recorrer, pois é assim que funciona. Neste caso, se a ofendida não quer prestar declarações na presença da arguida, não vemos impedimento que a mesma se ausente desta sala de audiências, sendo posteriormente comunicado ã arguida o que se passou na sua ausência.", conforme áudio que se protesta juntar (atentas as razões invocadas supra) e ata de julgamento do referido dia 25/01/2018 ora em anexo; 12.

O Tribunal não tem, na muito infeliz expressão utilizada pelo Ex.° Sr. Magistrado do M.° P.°, de "pedir licença": tem é de cumprir e fazer cumprir a lei, tal como frisou o Mandatário da Arguida na sua tomada de posição (cf. áudio e ata de julgamento); 13. Da mesma forma que o tem o M.° P.°, desde logo nos termos do próprio Estatuto, nomeadamente nos seus art.

os 1.°, 3.° n.° 1 al. c) e f) da Lei n.° 47/86, de 15 de outubro e demais alterações legislativas; 14. Posição essa do M.° P.° que, apesar de censurável pela forma e expressão utilizadas, não deixa de merecer lugar de destaque no próprio despacho da M.

a Juiz que se pretende recusada que ordena a saída da Arguida da sala de audiências durante a prestação do depoimento da testemunha C... quando refere que "(...) a haver alguma irregularidade teria sido precisamente a de conceder o contraditório perante a possibilidade de o Tribunal ordenar a ausência da arguida da sala, pois nos termos do art.º 352.º CPP, nada é dito quanto ao exercício do contraditório (,.,)", conforme resulta do áudio e ata ora em anexo; 15. Deixando transparecer, nomeadamente para todos quantos se encontravam naquela sala de audiências, de que a concessão desse direito processual á Arguida pela M.

a Juiz que se pretende recusada assumiu, não a qualidade de um verdadeiro direito, como tinha de ser, mas de "mera tolerância” como se de um mero "favor" se tratasse; 16. Por sua vez, na audiência de julgamento do dia 02/02/2018, uma sucessão de acontecimentos faz crer à Arguida, de forma séria e justa, pela perda de imparcialidade da M.

a Juiz que se pretende recusada; 17. Dado que, tal como resulta de toda a inquirição conduzida pela M.

a Juiz que se pretende recusada (do minuto 00:14:38 ao minuto 03:16:38 da sessão de julgamento do dia 02 de fevereiro, conforme áudio que se protesta juntar atentas as razões invocadas supra), estamos perante uma inquirição toda ela em sentido afirmativo, pré-determinado e conclusivo, colocando-se questões de forma sugestiva, procurando-se desta forma obter, de antemão, as respostas pretendidas; 18. Vejamos através de alguns exemplos transcritos: Exemplo I; Tribunal em 00:15:38 "Qual é que era o tom? Era sempre o mesmo ou se havia dias em que era de uma maneira e dias em que era de outra" Testemunha em 00:15:42 "O tom era sempre num tom mais agressivo " Tribunal em 00:15:49 "Impaciente?" Testemunha em 00:15:52 "Sim, também" Tribunal 00:15:53 "Logo assim á partida sem paciência para...? Testemunha em 00:15:55 'Exato..." Tribunal 00:16:23 "Nem indagava o que é que estava a acontecer, era logo no momento." Exemplo II; Tribunal 00:16:42 "Pergunto-lhe se sentiu humilhada com esta forma agressiva e impulsiva e impaciente da arguida ... Sentia que havia uma espécie de humilhação? Testemunha em 00:17:19 "humilhação é querer rebaixar em relação aos outros, mas muitas vezes o que ela fazia era rebaixar mas não tinha ninguém para assistir..." Tribunal 00:17:32 "Uma humilhação...

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