Acórdão nº 1069/16.1T8PVZ.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 21 de Fevereiro de 2018

Magistrado ResponsávelFILIPE CARO
Data da Resolução21 de Fevereiro de 2018
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Proc. nº 1069/16.1T8PVZ.P1 (apelação) Comarca do Porto – Póvoa de Varzim – Juízo Central Cível Relator Filipe Caroço Adj. Desemb. Judite Pires Adj. Desemb. Aristides Rodrigues de Almeida Acordam no Tribunal da Relação do Porto I.

B..., residente na Rua ..., Bloco ., Entrada ..., Casa .., ....-... Porto, instaurou ação declarativa de condenação, com processo comum, contra C... – COMPANHIA DE SEGUROS, S.A., com sede na Avenida ..., n.º .., ..º Andar, ....-... Lisboa, alegando essencialmente que, ao conduzir o seu veículo (..-FJ-..) numa estrada com dois sentidos de marcha e uma via em cada um desses sentidos, foi encandeado por um veículo todo-o-terreno que surgiu pela sua frente, em sentido oposto, com as luzes de estrada ligadas (vulgo, máximos) e invadindo a via onde o A. transitava (da direita, atento o seu sentido de marcha). Para evitar a colisão com este veículo, desviou o FJ para a direita indo embater no veículo ..-EA-.. que estava estacionado na faixa de rodagem, provocando o imediato embate da frente deste automóvel na traseira do ..-..-DJ que então estava estacionado à frente do EA.

O A. deu-se como culpado, fazendo a respetiva declaração amigável, mas a R. não assumiu a responsabilidade.

Da colisão resultaram danos para o veículo do A., na parte frontal, cuja reparação a R. considerou inviável, considerando uma situação de perda total, com um valor de veículo de € 17.000,00.

Após, o A. vendeu o FJ no estado de salvado pelo valor de € 1.602,00, pelo que a R. deveria ter pago ao A. a quantia de € 15.398,00.

Depois do acidente, a imobilização do veículo provocou inúmeros transtornos, quer familiares, quer sociais, ao A., na medida em que o obrigava a pedir a amigos e familiares viaturas emprestadas para se deslocar, não tendo a R. providenciado por um automóvel de substituição, situação que ainda subsistia à data da petição inicial. Estima em € 50,00/dia --- valor que pagaria se recorresse a um rent a car --- a reparação de tal prejuízo, num total de € 25.950,00, considerando decorridos 519 dias desde o dia do acidente, a que acresce o valor que se vier a apurar até ao efetivo e integral pagamento da indemnização devida pela R.

A R. declinou a sua responsabilidade apenas cerca de 148 dias depois da participação do sinistro, quando o deveria ter feito no prazo de 15 dias a contar do dia 6, até 24.4.2015, devendo pagar € 100,00 ao A. e igual quantia a favor do Instituto de Seguros de Portugal por cada dia de atraso, o que perfaz a quantia de € 12.400,00 (124 dias).

Acrescenta que a R. é parte legítima por força do contrato de seguro pelo qual o A. transferiu para ela a responsabilidade civil por danos próprio. O acidente ocorreu no dia 31 de março de 2015 e o A. foi dono e legítimo proprietário do FJ até ao dia 27 de maio de 2015, quando vendeu o salvado.

Em resumo, constituiu-se a R. na obrigação de indemnizar o A., na quantia global de € 53.748,00 pelos danos que este sofreu em virtude do acidente relatado.

Terminou o seu articulado com o seguinte pedido: «(…) deve a presente ação ser julgada totalmente procedente por provada e, em consequência, ser a Ré condenada a pagar ao Autor a quantia de € 53.748,00 (cinquenta e três mil setecentos e quarenta e oito euros), acrescida de juros, à taxa legal, desde a citação, até integral e efetivo pagamento.

Condenada ainda a quantia ao Autor a quantia que se vier a vencer, desde a presente data até efetivo e integral pagamento, a título de paralisação e privação de uso da viatura acidentada, na quantia diária de € 50,00 (cinquenta euros).

» (sic) Citada, a R. contestou a ação, começando por alegar que não tem obrigação de indemnizar o demandante porque o contrato de seguro que vigorava na data do acidente para o FJ fora celebrado com D..., com coberturas de choque, colisão e capotamento, mas sem que ela tivesse qualquer interesse no bem seguro, que nem sequer lhe pertencia. Era, aliás, o A., seu proprietário, que o utilizava diariamente e providenciava pela sua manutenção e conservação, tratando-o como coisa sua. Nada contratou com o A. Assim e por respeitar a um seguro de danos, o contrato é nulo.

Por outro lado, o alegado acidente de viação nunca ocorreu. Os danos materiais nos veículos envolvidos não são compatíveis com a descrição que o A. faz do acidente, pelo que também por essa razão não há obrigação de indemnizar.

A R. comunicou a D..., a segurada e titular do contrato, em 7.4.2015, que a reparação custaria € 14.277,00, valor que poderia aumentar após a desmontagem. Nada tinha que comunicar ao A. por nada ter contratado com ele.

Sendo o valor do veículo de apenas € 10.000,00 na data da peritagem, havia perda total.

Diz ainda a R. que, não tendo sido contratado o lucro cessante, nunca teria de pagar ao A. qualquer indemnização pela paralisação do automóvel. Ainda que assim não fosse, a obrigação de pagamento de tal indemnização sempre cessaria com a venda do salvado.

Também não é devida a sanção pecuniária compulsória reclamada, muito menos ao A. que não celebrou qualquer contrato de seguro com a R. A comunicação da R. à segurada pela qual declinou a sua responsabilidade foi atempada.

Concluiu a R. pela improcedência da ação.

Notificado para o efeito, o A. não respondeu à matéria de exceção alegada na contestação.

Dispensada a audiência prévia, foi proferido despacho saneador tabelar a que se seguiu, além do mais, a definição do objeto do litígio e dos temas de prova.

Realizados alguns atos de instrução, teve lugar a audiência final, em várias sessões, após a qual foi proferida sentença com o seguinte dispositivo, ipsis verbis: «Pelo exposto, decide-se julgar a acção parcialmente procedente, por provada e consequentemente, condenar a ré «C... – COMPANHIA DE SEGUROS, SA» a pagar ao autor B... a quantia de €10.900,00 (dez mil e novecentos euros), acrescido de juros de mora, à taxa legal, contados desde a citação, até efectivo e integral pagamento.

No mais, decide-se absolver a ré do pedido.

Custas por autor e ré na proporção do respectivo decaimento.

»*Inconformados, recorreram o A. e a R., de apelação: No seu recurso, o A. formulou as seguintes CONCLUSÕES: «1 – O Recorrente deu entrada da presente ação, pedindo a condenação da Recorrida no pagamento da quantia global de € 53.748,00 (cinquenta e três mil setecentos e quarenta e oito euros), em virtude de um sinistro automóvel, envolvendo a viatura automóvel do Autor, com a matrícula ..-FJ-.. e as viaturas automóveis com as matrículas ..-EA-.. e ..-..-DJ.

2 – Acresce que D..., mãe da companheira do Recorrente subscreveu com a Recorrida um contrato de seguro de danos próprios para a sua viatura, constando como condutor habitual o aqui Recorrente.

3 – Por sua vez, a Recorrida contestou, alegando a nulidade do contrato de seguro e impugnando a versão do acidente apresentada pelo Recorrente, alegando uma versão completamente distinta à versão do Recorrente.

4 – Foi realizada a respetiva audiência de discussão e julgamento, com a consequente produção de prova, tendo sido proferida a sentença ora sob escrutínio.

5 – No seguimento da matéria dada como provada e não provada, o Tribunal a quo decidiu condenar parcialmente a Recorrida no pagamento ao Recorrente da quantia de € 10.900,00 (dez mil e novecentos euros), acrescida de juros de mora à taxa legal, desde a citação até efetivo e integral pagamento.

6 – O Recorrente peticionou uma quantia diária de € 50,00 (cinquenta euros), pela privação da utilização da sua viatura automóvel, num total de 519 dias, que perfazia, à data da propositura da ação, a quantia de € 25.950,00 (vinte e cinco mil, novecentos e cinquenta euros).

7 – Porém, o Tribunal a quo entendeu que não era devida a referida indemnização, uma vez que não tinha sido convencionado entre as partes a cobertura pelo dano da privação do uso da viatura automóvel do Autor.

8 – Não pode o recorrente aceitar a entendimento do Tribunal a quo, relativamente à indemnização peticionada pelo Autor quanto à privação do uso da sua viatura automóvel.

9 – É referido na sentença recorrida que o veículo FJ ficou imobilizado, tendo inclusivamente sido vendido no estado de salvado (17. dos factos provados).

10 – Ora, salvo o devido respeito, não se percebe, nem se alcança o entendimento dado pelo Tribunal a quo, quando refere expressamente que não podem ser assacadas responsabilidades à Recorrida, pelos danos sofridos pelo Recorrente.

11 – Aceitando que a privação do uso de um veículo é, em si mesma, um dano indemnizável, desde logo, por impedir o proprietário (ou, eventualmente, o titular de outro direito, diferente do direito de propriedade, mas que confira direito a utilizá-lo) de exercer os poderes correspondentes ao seu direito, não é menos verdade que a ré, ao abrigo do seguro de danos próprios dos autos, só estaria obrigada a ressarcir tal dano se a sua conduta consubstanciasse a violação de um dever acessório da prestação, nomeadamente por ter atrasado inexplicavelmente a ordem de reparação da viatura.

12 – Tal dever, não resultando do contrato, resulta sem dúvida do princípio da boa fé, tal como plasmado no artigo 762.º n.º 1 do Código Civil, representando uma transferência, para o campo contratual, do princípio neminem laedere.

13 – Assim, quem venha a incorrer em responsabilidade contratual, por esta via, deve indemnizar o dano positivo que resultou para a contraparte, previsto no artigo 798.º n.º 1 do CC.

14 – Do elenco dos factos julgados como provados resulta claro que a Recorrida não cumpriu com a sua obrigação de indemnizar, não tendo, inclusive, até à presente data, efetuado o pagamento do valor da viatura automóvel do Recorrente.

15 – Dispõe o artigo 563.º do Código Civil que “A obrigação de indemnização só existe em relação aos danos que o lesado provavelmente não teria sofrido se não fosse a lesão”.

16 – Assim, em face do direito constituído, “o autor do facto só será obrigado a reparar aqueles danos que não se teriam verificado sem esse facto e que, abstraindo deste, seria de prever que...

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