Acórdão nº 043/15 de Tribunal dos Conflitos, 18 de Fevereiro de 2016

Magistrado ResponsávelJOS
Data da Resolução18 de Fevereiro de 2016
EmissorTribunal dos Conflitos

Conflito nº43/15 I. Relatório 1.

SOCIEDADE A………….

, S.A.

[A………], apresentou junto do Balcão Nacional de Injunções o requerimento de injunção que levou o nº161704/09.9YIPRT, com subsequente tramitação na Comarca da Grande Lisboa-Noroeste - Sintra, Grande Instância Cível, 1ª Secção - de acção especial para cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de um contrato, contra B……….

[B………] - no qual alegou ter celebrado «contrato de embalador/importador» com a ré, ao abrigo do qual lhe prestou os serviços identificados nas facturas que discriminou, não tendo ainda obtido da sua parte os respectivos valores, apesar de a ter interpelado para tal, e culmina com o pedido de condenação da B……..

a pagar-lhe ao montante global de 485.165,31€ [446.871,80€ de capital e 38.293,51€ de juros] – ver folha 2.

  1. Foi apresentada a defesa, por excepção e por impugnação [folhas 6 a 36], réplica [folhas 79 a 210] e tréplica [folhas 259 a 261].

  2. Por despacho de 18.10.2011 foi determinada a apensação a estes autos dos autos nº161705/09.YIPRT, também a correr seus termos na Instância Cível da Comarca da Grande Lisboa-Noroeste - 2ª Secção -, a qual tinha sido requerida na réplica. Nestes outros autos de acção especial para cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contrato, a mesma autora demandou a identificada ré alegando, e em síntese, a falta de pagamento de facturas relativas a período diverso do mesmo contrato, pedindo a sua condenação no pagamento da soma de 978.284,33€, acrescida de juros de mora vencidos, e liquidados na quantia de 237.192,75€, e juros de mora vincendos até integral pagamento [folhas 326 a 329 e 207 e seguintes].

  3. Por despacho de 21.02.2014, e por se entender que o litígio a dirimir poderia inserir-se no âmbito da «competência material da jurisdição administrativa», as partes foram notificadas, ao abrigo do disposto no artigo 3º, nº3, do CPC, para se pronunciarem sobre a questão [folhas 566/573].

  4. Apenas a autora se pronunciou, pugnando pela competência do Tribunal da Comarca da Grande Lisboa Noroeste [ver folhas 576 a 581].

  5. Subsequentemente, pelo saneamento de 17.06.2014 [folhas 583 a 594], julgou-se procedente a excepção de «incompetência material» e, em conformidade, foi o Tribunal da Comarca da Grande Lisboa Noroeste declarado incompetente para conhecer dos autos e a ré absolvida da instância.

  6. Inconformada, a autora A……… apelou para o Tribunal da Relação de Lisboa [ver folhas 599 a 631] que, por acórdão de 14.05.2015, manteve o julgamento da questão da «incompetência material» feito pela 1ª instância [folhas 645 a 652].

  7. A autora A………, inconformada com este acórdão da 2ª instância, por manter a decisão sobre a «incompetência material» da jurisdição comum por o litígio ser da competência material da jurisdição administrativa, vem nos termos do artigo 101º, nº2, do CPC, interpor este recurso para o Tribunal de Conflitos [folhas 818].

  8. A A…….., ora recorrente, conclui assim as suas alegações [folhas 819 a 862]: 1. Vem o recurso interposto do acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa, na parte em que manteve a sentença proferida pelo Juízo de Grande Instância Cível da Comarca da Grande Lisboa-Noroeste, e julgou incompetente o tribunal judicial com fundamento em a causa pertencer ao âmbito da jurisdição administrativa, tendo mantido a absolvição da recorrida da instância; 2. É motivado pela impossibilidade de conformação da recorrente com uma decisão violadora das regras relativas à competência material dos tribunais – ver artigo 4º, alíneas e) e f), do ETAF; 3. Sobretudo quando, precisamente no mesmo dia em que foi notificada do acórdão recorrido, a A……. foi notificada de outro acórdão, proferido pelo mesmo Tribunal da Relação de Lisboa, no âmbito da acção com o nº2961/14.3TBOER, que corre termos na 2ª secção cível da Comarca de Lisboa Oeste - J4, intentada pela A…….. contra outro aderente ao SIGRE, com um objecto idêntico ao dos presentes autos, no qual o Tribunal da Relação de Lisboa decidiu que a A…….. se apresenta como entidade particular, ou seja, não estando imbuída de vestes de «autoridade pública», com «prorrogativas de autoridade» nada determinando ou impondo a submissão da questão apresentada pela autora ao Tribunal Administrativo; 4. E quando não consta da sentença proferida pelo Tribunal de 1ª instância, ou do acórdão recorrido, um único facto que permita subsumir o presente caso àquelas normas; 5. Para se aferir da subsunção de determinado processo numa norma que fixa um determinado índice de competência há que atender-se apenas e em primeiro lugar, ao modo como o autor delineia o pleito na petição inicial, quer quanto aos elementos objectivos - pedido e causa de pedir - quer quanto aos elementos subjectivos - identidade dos sujeitos; 6. Atentando aos pedidos formulados pela recorrente e à sua causa de pedir [ou seja, o contrato firmado entre a A……. e o B……….], verifica-se que a A………assenta os seus pedidos na responsabilidade contratual da ré, nos termos do artigo 798º do Código Civil, matéria que não se inclui em qualquer das alíneas do artigo 4º do ETAF; 7. Relembra-se que a A……… é sociedade anónima, que tem como objecto social a organização e gestão de sistemas de retoma e de valorização de resíduos de embalagens não reutilizáveis, no quadro do sistema integrado previsto pelo DL nº366-A/97; 8. Tem como accionistas, conforme explicitado na petição inicial: [i] a C………, SGPS, S.A., que representa as empresas e associações de empresas produtoras e importadoras de produtos embalados; [ii] a D……….., SGPS, S.A., que representa as empresas do comércio e da distribuição; [iii] a E……………., que representa as empresas de produção de embalagens e de materiais de embalagem; e [iv] outros accionistas privados; 9. O referido DL nº366-A/97 concretiza, no ordenamento jurídico português, os princípios da responsabilidade alargada do produtor, do poluidor-pagador e os demais princípios associados à prevenção da produção de resíduos, resultantes da legislação europeia aplicável aos resíduos em geral e às embalagens e resíduos de embalagens em particular; 10. As entidades que a lei corresponsabiliza por assegurar a gestão de resíduos de embalagens são, por conseguinte, os operadores económicos que retiram utilidade económica da própria comercialização de embalagens, todos eles entidades privadas, pelo que, se a lei atribui a responsabilidade de assegurar a gestão de resíduos de embalagens a privados - e não à Administração Pública - isso significa que a tarefa em causa é necessariamente privada, mesmo que a lei, a jusante, regulamente determinados aspectos do seu exercício; 11. De acordo com o artigo 5º do DL nº366-A/97 e o artigo 9º da Portaria nº29-B/98, de 15.01, que o regulamenta, a responsabilidade pela gestão das embalagens não reutilizáveis pode ser assumida de duas formas: através do sistema consignado ou do sistema integrado de gestão de embalagens; 12. O sistema consignado é o sistema supletivo - em vigor caso os operadores não optem pelo sistema integrado - a responsabilidade pela gestão de embalagens e seus resíduos não chega a abandonar as esferas dos seus titulares originários [privados]; 13. O sistema integrado, por outro lado, é um sistema voluntário que pressupõe que os embaladores, os responsáveis pela colocação de produtos embalados no mercado nacional e os industriais de produção de embalagens ou matérias-primas para o fabrico de embalagens acordem na transmissão da sua responsabilidade pela gestão de resíduos para uma entidade gestora [ver artigo 7º nº1 da Portaria nº29-B/98]; 14. O que distingue o sistema consignado do sistema integrado não são, por isso, os objectivos de gestão ou a distribuição de responsabilidades, mas a forma de organização dos responsáveis pela gestão dos resíduos, que no sistema integrado optam por concentrar numa terceira entidade os deveres e responsabilidades que a lei lhes atribuiu: distingue-se nos métodos e na forma do sistema consignado, mas não na natureza. Continua, pois, a ser actividade privada, titulada e exercida por privados; 15. De facto, a A………., como entidade gestora do SIGRE, é apenas um veículo de concentração de tarefas e delegação de responsabilidades entre as entidades privadas responsáveis pela gestão dos resíduos de embalagens; 16. Não se levantam dúvidas de que, no caso de sistemas consignados - em que cada um dos responsáveis pela gestão de embalagens assegura individualmente essa gestão - as relações jurídicas subjacentes serão sempre privadas; 17. O facto de os operadores concentrarem a gestão das embalagens e seus resíduos numa só entidade - para a qual transferem essa responsabilidade - não pode alterar a natureza privada dessas relações jurídicas; 18. A competência material dos tribunais não pode, por isso, variar consoante esteja em causa um sistema consignado - em que a responsabilidade se mantém na esfera do vendedor, comerciante, fabricante e produtores - ou um sistema integrado - em que a responsabilidade se transfere para a requerida; 19. A demonstração definitiva de que não estamos, no âmbito do DL nº366-A/97, na presença de um serviço público, é a inexistência do poder de resgate da actividade por parte da entidade licenciadora - os Ministros responsáveis pelas áreas da Economia e do Ambiente: a ausência desse poder indica que nenhuma autoridade administrativa assume responsabilidade pela actividade a título principal ou subsidiário - ou qualquer obrigação de a garantir; 20. Em suma, a responsabilidade pela gestão de resíduos de embalagens pertence, a todo o tempo e independentemente das circunstâncias, a operadores privados, embaladores, que são responsáveis pela colocação de produtos no mercado nacional e industriais de produção de embalagens ou de matérias-primas para o fabrico de embalagens; 21. No que...

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