Acórdão nº 1746/09.3TBVRL.P1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 25 de Novembro de 2014

Magistrado ResponsávelGABRIEL CATARINO
Data da Resolução25 de Novembro de 2014
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

I – Relatório.

“AA – ..., Lda.”, intentou ação declarativa, sob a forma de processo ordinário, contra: BB – …, S.A.

, e “CC, Lda.”, peticionando a condenação solidária das Rés na quantia de €113.031,24, a título de danos patrimoniais, acrescida dos juros de mora vencidos no montante de €3.610,11 e vincendos até efetivo e integral pagamento.

Para o pedido que impetra, apresenta, em síntese apertada, a sequente fundamentação de facto: - no dia 26 de Fevereiro de 2009, na Estrada Nacional nº …, ocorreu um acidente que teve por único interveniente/sinistrado o veículo pesado de mercadorias, de matrícula -GJ-, equipado com uma betoneira; - ao chegar ao local da descarga, tendo constatado que teria de aguardar pela sua vez para proceder à descarga do betão, o condutor do veículo -GJ- encostou-o à berma direita da estrada, tendo o veículo ficado com as rodas laterais esquerdas sobre a via pública, enquanto as rodas laterais direitas ficaram sobre a berma da estrada nacional, de forma a possibilitar a passagem de veículos e a desobstrução da referida via; - minutos após a sua paragem, o alcatrão e o cimento/betão da via onde se encontrava parado o veículo com a matrícula -GJ- cederam, provocando a inclinação deste para o lado da berma; - na sequência do acidente a autora diligenciou junto da R. BB para enviar uma auto grua para remoção da viatura; - na sequência de tal contacto, a R. BB contratou a 2ª R., “CC, Lda.”, a qual, chegada ao local, ligou o cabo de aço ao veículo sinistrado e começou a puxar, vindo este a ceder, provocando o capotamento da viatura sinistrada para cima do muro e gradeamento de uma propriedade privada; - como consequência de tal ação resultaram danos no veículo sinistrado, bem como os decorrentes do transporte e imobilização do veículo.

Na contestação, a demandada “BB – …, S. A.”, alegou, terem ocorrido dois sinistros e não apenas um: um primeiro, em que o piso onde se encontrava o veículo …-GJ… cedeu, ficando o veículo inclinado num ângulo inferior a vinte graus; um segundo, decorridas três horas, quando um colega do condutor do aludido veículo acionou os comandos manuais da betoneira, iniciando a descarga do cimento, o que provocou o imediato capotamento do veículo, provocando danos no veículo; tendo o acidente ocorrido durante uma operação de descarga do cimento, encontra-se, como tal, excluído das garantias do contrato, por força dos arts. 6.º, n.º4, als. b) e c), das Condições Gerais, art. 2.º, n.º1, al. e), das Condições Especiais; e, caso se comprove que a 2.ª Ré iniciou operações de salvamento do camião, sempre as garantias do contrato se encontrariam excluídas, por força do art. 10.º, n.º1, da Condição Especial 017.

Contestou, igualmente a demandada “CC, Lda.

”, alegando ser alheia ao acidente, porquanto não teve intervenção na remoção da viatura: apenas se deslocou ao local para transportar a viatura sinistrada, tendo aí chegado quando a mesma já havia sido removida do local.

Na sentença proferida veio a acção a ser julgada improcedente e as demandadas absolvidas do pedido – cfr. fls. 610 a 621.

Irresignada com o julgado, impulsou a demandante recurso de apelação, que viria a ser julgado: “(…) parcialmente procedente, revogando-se a sentença recorrida, e condenando-se a 1ª Ré Seguradora a pagar à Autora a quantia de 93.330,82 €, acrescida de juros vencidos desde 3 de Julho de 2009, até integral pagamento.

” – cfr. fls. 720 a 752.

Contra o decidido insurge-se a demandada seguradora, que eleva recurso de revista, para este Supremo Tribunal de Justiça, tendo alinhado os fundamentos de fls. 761 a 782 e sumariado as conclusões que a seguir quedam extractadas. I.A. – Quadro Conclusivo.

“2.

a No primitivo art. 17.º da douta base instrutória questionava-se se os danos do veículo ocorreram "Em consequência directa e necessária da actividade de remoção perpetrada pelo condutor do reboque da 2.ª Ré (...) "tendo o douto acórdão recorrido dado como provado, em termos restritivos, (“apenas que o veículo capotou, durante e em consequência das manobras, a que então se procedia de remoção do veículo, e que, em consequência desse capotamento, o veículo sinistrado ficou com a parte lateral direita da cabine parcialmente destruída.”); 3.ª Assim, e desde logo, não ficou provado que foi em consequência directa e necessária da actividade de remoção que o veículo sofreu danos. Esta questão é crucial e traça do destino dos presentes autos, sempre salvo o maior respeito por opinião contrária.

  1. a - Ao invés, manteve-se a prova dos seguintes factos: "o Sr. DD pelas 17.30h do dia em causa, accionou os comandos manuais da betoneira para iniciar a descarga do cimento que se encontrava no seu interior, de imediato, o camião rodou sobre si mesmo, ficando deitado para a sua direita, com as rodas para o ar, o que constituiu a causa directa e necessária dos danos sofridos na sua estrutura, cabine e betoneira." - pontos 37, 38 e 39 dos factos provados no douto acórdão recorrido.

  2. a - Atenta a doutrina consagrada no are 563.º do Código Civil, o processo que leva ao início da descarga do betão foi a causa adequada dos danos sofridos pelo camião, atentas restantes condições de facto dadas como provadas.

    6a – De modo que o sinistro do capotamento, onde são provocados os danos sub judice ocorre por efeito directo e necessário do início da descarga do cimento, como ficou provado.

  3. a - Face ao teor do art. 2.º, n.º 1, al. e), das Condições Especiais 002 (pág. 14 do livro das CGE da apólice): (Para além das exclusões previstas nos arts. 6° e 3º das Condições Gerais da Apólice, não ficam garantidos as perdas ou danos: e) causados por objectos transportados ou durante operações de carga ou descarga': tem de se concluir que a Ré não pode ser responsabilizada, em termos contratuais, perante a autora, pelas consequências do evento danoso.

  4. a - É de uma evidência cristalina que o capotamento ocorreu ao iniciar-se o processo de descarga do betão - causa directa dos danos sofridos pelo camião operação que ocorreu para facilitar a remoção desse camião do local onde se encontrava (o que nunca se escamoteou).

    1. - A Relação desvaloriza o início da operação de descarga do betão, que, conforme flui dos factos provados, foi a causa directa dos danos sofridos pelo camião, preferindo entender que tudo ocorreu no vasto âmbito do serviço de remoção do veículo. Mas a verdade é que não decorria nenhum acto concreto de remoção do veículo, mas sim a preparação dessa remoção, na qual foi incluída a operação de descarga do betão.

    2. - Como flui dos factos provados e se admite, quer na sentença, quer no douto acórdão recorrido (pág. 29), a descarga do betão servia para aliviar o peso do veículo, pois havia sido esse mesmo peso que provocara (ou contribuíra) a cedência do piso da via.

    3. - Não foi nem era uma descarga no destino projectado, nem era uma descarga por efeito de uma avaria da betoneira. Tratava-se de uma descarga que foi entendida como necessária no âmbito da preparação das operações prévias à remoção do veículo.

  5. a - Porém, tratou-se de uma operação de descarga do betão, a qual foi iniciada, com os inerentes riscos.

  6. a - O sinistro (capotamento com danos) não ocorreu durante as manobras de efectiva remoção do veículo, pois esta remoção só poderia ser levada a cabo por um reboque (o que veio, aliás, a suceder, mais tarde). O sinistro eclode no decorrer de uma operação de descarga do betão para facilitar uma posterior remoção do veículo.

    14a - O sinistro ocorre apenas por causa imputável, de forma directa (como ficou provado) à descarga do betão, pois já se encontrava em franco desequilíbrio, inclinado para a respectiva direita, por via da fragilidade do piso, da respectiva cedência, bastando iniciar-se a operação de descarga, que levou à oscilação do betão, ainda em estado líquido, pelo que a massa constituída por toneladas de betão deslocou· se, o que levou ao imediato capotamento do veículo.

  7. a - Isto ocorreu, como é manifesto e flui dos factos provados, por causa de se ter iniciado uma operação de descarga do betão.

    Só a operação de descarga do betão foi apta, em termos causais, ao capotamento do veículo, nas condições dadas como provadas, ao contrário do sustentado no douto acórdão recorrido.

  8. a - A nossa Lei - o art. 563.º do Código Civil - consagra a doutrina da causalidade adequada, e não a doutrina das condições equivalentes.

  9. a - Ao contrário do sustentado no douto acórdão recorrido, o sinistro tem um nexo causal directo com o início da operação de descarga, e com o risco próprio que esta operação encerra.

    18a - Note-se que as operações de carga e descarga comportam riscos acrescidos que oneram o risco normal e típico do contrato de seguro automóvel. Daí que a exclusão em causa seja natural e faça sentido. Aliás, é comum a todos os contratos de seguro deste tipo.

    1. - Assim, por efeito da cláusula de exclusão prevista no art. 2.º, n.º al. e), das Condições Especiais 002, deve restaurar-se o entendimento de primeira instância.

    2. - No próprio, e sempre muito douto, acórdão recorrido, admite-se, de forma tímida, que faz sentido desresponsabilizar a Ré por efeito do disposto nessa cláusula: "sendo certo que só relativamente à prevista na al. e), se poderia pôr a hipótese de se encontrar verificada, no caso em apreço: "Para além das exclusões previstas nos arts. 6° e das Condições Gerais da Apólice, não ficam garantidos as perdas ou danos: e) causados por objectos transportados ou durante operações de carga ou descarga" - cfr. douto acórdão de Fls .

    3. - Este é o único entendimento conforme à letra e ao espírito do contrato.

    4. - A autonomia do risco da descarga do betão tem de ser assumida e afirmada, mesmo que se entenda que tudo ocorreu num âmbito mais vasto de remoção do veículo.

  10. a - A interpretação do douto acórdão recorrido, ao enquadrar o evento unicamente no vasto âmbito da preparação da remoção do veículo, colide com os factos provados sobre a causa directa e adequada da produção do dano (capotamento)...

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